São Paulo, quarta-feira, 23 de março de 2005

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

NOVELA MINISTERIAL

Após ultimato de Severino, presidente adiou mudanças; Jucá assumiu Previdência, e Bernardo, Planejamento

Contrariado, Lula engaveta reforma ampla

KENNEDY ALENCAR
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Numa tentativa de fugir do carimbo de arranjo fisiológico explícito para sua reeleição e contrariado com o ultimato do presidente da Câmara, Severino Cavalcanti (PP-PE), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva decidiu ontem mudar apenas dois ministérios (Previdência e Planejamento). Suspendeu, pelo menos por ora, a reforma mais ampla que adiava desde novembro.
Após reunião com a ala governista do PMDB, Lula decidiu indicar o senador peemedebista Romero Jucá (RR) para ministro da Previdência, em substituição do também senador peemedebista Amir Lando (RO), e nomear o deputado federal petista Paulo Bernardo (PR) para o Planejamento, até então ocupado pelo interino Nelson Machado.
Segundo relato dado à Folha por três auxiliares, Lula disse que, se cedesse, acabaria com seu governo, referindo-se à decisão de não atender às pressões fisiológicas de aliados por ministérios.
Com a surpreendente decisão, Lula reforça a blindagem do ministro da Fazenda, Antonio Palocci, vitorioso mais uma vez, e aposta numa aproximação maior com o PMDB para 2006, em detrimento do PP. Bernardo é um petista afinado com Palocci e que tem boas relações com o ministro-chefe da Casa Civil, José Dirceu, político que também sai fortalecido -retomou as articulações políticas e comandará as negociações da reeleição em 2006.
A exemplo de Dirceu e Palocci, Bernardo não deverá concorrer em 2006, apostando na reeleição de Lula e evitando ser ministro por apenas um ano. Quem for disputar eleições em 1º de outubro de 2006 deverá se desincompatibilizar dos cargos até a meia-noite de 31 de março de 2006 -seis meses antes, como reza a lei.

PMDB e reeleição
A idéia de Lula e Dirceu é recompor pontes com a ala oposicionista do PMDB, reforçando o grupo governista, que também sai fortalecido da reforma. Jucá é ligado ao presidente do Senado, o habilidoso Renan Calheiros (AL).
O senador José Sarney (PMDB-AP), que tinha a expectativa de nomear a filha, a senadora Roseana (PFL-MA), para um ministério, ouviu ontem de Lula que será atendido no futuro. Ontem, na reunião com a cúpula da ala governista e dois petistas, Lula chamou Sarney e Renan num canto de seu gabinete para dizer que resolveria esse problema. Sarney aceitou a promessa.
Até ontem, ela estava cotada para a pasta da Coordenação Política, na qual foi mantido o ministro Aldo Rebelo, deputado federal do PC do B bombardeado pelo PT nos últimos meses.
Nas conversas de ontem, Lula disse que o tema reforma ministerial "acabou". No entanto, ministros e auxiliares dele disseram à Folha que, mais à frente, quando houver menos pressão dos políticos, ele poderá fazer mudanças pontuais, como nomear Roseana. Não há prazo, porém, para essas eventuais alterações.

Recado em nota
O ultimato de Severino, que cobrava a nomeação de um ministro do PP para evitar aliança do partido com a oposição, serviu de pretexto, mas não apenas isso. Lula ficou mesmo irritado com o ultimato. Avaliou que, se fizesse uma reforma mais ampla, perderia autoridade e pagaria um preço político alto, desmoralizando-se perante aliados. O próprio Lula avalia que demorou a decidir e complicou tudo.
A contrariedade presidencial ficou evidente na abertura da nota oficial que comunicava as trocas. O documento fez questão de dizer que, "conforme estabelece a Constituição, é de competência privativa do presidente da República a nomeação de ministros" e que Lula "decidiu encerrar as conversações em torno da reforma ministerial".
Não apenas o PP mas o PMDB, que relutava em tirar Eunício Oliveira (CE) das Comunicações, e o PT, que buscava derrubar Aldo e manter seus ministros, pressionavam Lula. Por isso ele usou o ultimato de Severino para reagir. A avaliação de Lula e Dirceu é que é mais provável conseguir a adesão do PMDB à reeleição do que a do PP, partido que tem mais divergências com o PT nos Estados. Ou seja, dificilmente o PP estará na chapa da reeleição de Lula.
A reforma, antes pensada para tirar petistas do governo, acabou sem baixas no PT. O partido manteve as 19 posições entre 35 ministros e secretários com status de ministro. O único demitido foi Lando, do PMDB, substituído por outro senador. Bernardo entrou numa vaga que já era do PT.
Os ajustes no primeiro escalão são a continuação de mudanças feitas no fim de 2004, quando o vice-presidente José Alencar substituiu o embaixador José Viegas na Defesa, e Guido Mantega saiu do Planejamento para chefiar o BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social). Ou seja, a segunda reforma ministerial foi, na prática, uma microrreforma. A primeira mudança do primeiro escalão ocorreu em janeiro de 2004.
Hoje, Lula deverá realizar reunião ministerial para dizer a todos os ministros que está encerrado o assunto sobre mudanças no primeiro escalão e que todos, inclusive aqueles que foram avisados de que sairiam e ficaram, como o petista Humberto Costa (Saúde), devem trabalhar normalmente.



Texto Anterior: Presidente é quem decide, afirma nota
Próximo Texto: Articulações não paralisaram a máquina do governo, diz Dirceu
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.