São Paulo, domingo, 23 de abril de 2006

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ELIO GASPARI

Lula é o astronauta do blablablá

"N osso guia" confessou que "teria coragem de ir numa nave espacial". Não disse para onde, mas uns bons milhões de brasileiros fariam fila para custear a viagem. Na noite anterior, Lula entrara em órbita, em Porto Alegre, ao revelar que "o Brasil não está longe de atingir a perfeição no tratamento de saúde". Com as mordomias que usufrui, tem médico no serviço e hospitais prontos para atendê-lo. Consertou a parte interna do nariz e tem direito a botox-delivery.
A megalomania presidencial é um delírio de ignorância embebida em leviandade. Pode-se confrontar Lula com inúmeros cenários vividos pela turma que precisa dos serviços de medicina pública. O sucateamento do hospital federal Gaffrée e Guinle, no Rio, está provocando a morte de pacientes soropositivos. A greve de dois meses da Agencia de Vigilância Sanitária compromete a entrega de medicamentos e hemoderivados importados.
Mesmo assim, talvez seja melhor lembrar o que "nosso guia" disse a respeito do "tratamento de saúde" à jornalista Denise Paraná, autora do memorável livro "Lula, Filho do Brasil". Ele contou a morte de sua primeira mulher, em 1971:
"A Lurdes tinha ficado grávida e, no sétimo mês de gravidez, ela pegou hepatite. Ninguém me tira da cabeça que ela morreu por negligência da rede hospitalar do Brasil, por problema de relaxamento médico. (...) Hoje eu tenho consciência do que um desgraçado de um pobre passa nos hospitais, passa para ser atendido, para ter uma consulta. (...) Tudo isso depende da classe: quem tem dinheiro pode tudo, quem não tem dinheiro não pode nada, não tem direitos estabelecidos. Como morreu a Lurdes, morrem milhões de pessoas por aí neste país sem ter o menor atendimento médico".
Lula disse isso em 1993, e o livro foi publicado em 2002. Ou não sabe do que fala hoje, ou serviu-se de um drama pessoal para fazer demagogia. A primeira hipótese parece ser a mais provável, mesmo sendo a mais triste para um país de 170 milhões de habitantes governados por um astronauta do blablablá.
"Nosso guia" alterna grandiosidades pessoais com lamúrias contra o caráter do Brasil, país habitado por um povo que bem ou mal o tratou bem. Dois exemplos, ambos da semana passada:
"É sempre assim que funcionam as coisas no Brasil. Estamos sempre nivelando por baixo, estamos sempre apostando na desgraça, estamos sempre apostando na miséria". "No Brasil é assim, o cara não te dá o direito de ser feliz."
Se "nosso guia" não se sente bem no Brasil, o próximo avião para o Cazaquistão decola de Paris às 12h do próximo dia 4. A passagem (só de ida) custa US$ 580.

Eremildo é um leitor de Mantega

Eremildo é um idiota, mas ofereceu seus serviços às quitandas de consultoria. Considera-se habilitado a prever decisões macroeconômicas do ministro da Fazenda, Guido Mantega. O professor é um velho conhecido do idiota, que tem na sua estante um volume de "Sexo & Poder", livro organizado por Mantega e editado em 1979. Por cretino, Eremildo lastimou a ausência da obra no currículo oficial do ministro. Afinal, ela está no acervo das universidades de Yale e da Califórnia. O professor tinha 30 anos quando escreveu o seguinte, comentando as idéias de outros pensadores:
"Nos primórdios do capitalismo, a moral repressiva deveria facilitar a formação de novos contingentes de trabalhadores, e, assim, o sexo "normal" era aquele restrito à procriação e que não desperdiçasse o tempo e as energias que os trabalhadores tinham de guardar para o seu trabalho na fábricas".
"O prazer mecanizado da sociedade de consumo (com bonecas de plástico, vibradores a pilha e outros engenhos) ilustra bem a solidão e alienação da sexualidade contemporânea."
"Tem-se a noção de que o trabalho pode tornar-se uma fonte de prazer tão gratificante quanto uma relação sexual." Eremildo acredita que será convidado para uma tarde na Casa das Garças.

Bruxaria
Sonho de uma noite de frio, numa conversa entre um petista e um tucano: Lula e Anthony Garotinho vão para o segundo turno. Baixa um espírito de Romano Prodi na política brasileira e o PT e o PSDB aliam-se para governar juntos.
Boa notícia
É provável que o professor Cesar Benjamin venha a ser convidado para disputar a vice-presidência da República na chapa da senadora Heloísa Helena, do PSOL. Benjamin ajudou a fundar o PT e soube abandoná-lo com o bolsos e o cérebro intactos. Desde 1995 ele foi uma das vozes mais duras e precisas na denúncia do que viria a ser a quadrilha-companheira. Aqui vai uma de suas rajadas recentes: "Lula sempre compartilhou da intimidade do grupo e foi o principal beneficiário de suas ações. Garante, porém, que nada sabia. Respeito quem acredita nisso, assim como respeito quem acredita em duendes". °°°Benjamin é um militante político que escreve livros com idéias claras e texto elegante. Seus dois últimos trabalhos são "Bom Combate" e "Contraponto".
Franco-filmadores
Como surgiram grupos de simpatizantes e antipatizantes do governo que usam eventos oficiais para trocar insultos e até bofetadas, seria bom que essa degradação fosse congelada na infância. A polícia e os próprios partidos podem formar núcleos de franco-filmadores. Se os desordeiros souberem que estão sendo filmados e que isso lhes valerá um processo, perderão uma parte do ardor. Ademais, os locadores de milicianos perceberão que têm muito a perder.

Pizza aérea
Turbulência na Infraero. Há dois anos a empresa comprou um programa de computador para administrar a publicidade de seus painéis eletrônicos. Custou R$ 30 milhões e foi contratado sem licitação, para contrariedade da Procuradoria Jurídica e dos órgãos de controle da estatal. °°°A nota fiscal do primeiro pagamento à empresa FS3, de São Paulo, tinha o número 001. Passou o tempo, a Infraero não tirou proveito do programa, mas ganhou encrencas com o Ministério Público, o Tribunal de Contas e a Controladoria da República. °°°Como isso pareceu pouco, a empresa começou a discutir um novo contrato, ao preço de R$ 25 milhões. Ela garante que desta vez tudo funcionará direito.
O Livro do Guia O relatório completo da CPI dos Correios está a venda em bancas de jornais de São Paulo. Tem 768 páginas, jeitão de catalogo telefônico e custa R$ 29,90. Pena que não tenha qualquer índice.
Pouco asfalto Apesar da propaganda, vão mal as estradas nacionais. Em 2005, a produção de asfalto caiu para 4,5 milhões de toneladas, menos de metade do nível de 2002. °°°Em janeiro produziram-se 107 mil toneladas, equivalentes a 25% do resultado do mesmo mês em 2005. °°°Antes que a oposição peça uma CPI, vale lembrar que o Brasil tem uma malha pavimentada de cerca de 200 mil quilômetros. O governo federal cuida de 58 mil quilômetros. Os Estados ficam com 115 mil e os municípios com 23 mil.


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