São Paulo, terça-feira, 23 de maio de 2000


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Descuido da polícia apontou o cativeiro

DA AGÊNCIA FOLHA, EM ASSUNÇÃO

A uruguaia Lilian Celiberti, 50, é um documento vivo das atividades da Operação Condor.
Sua prisão em Porto Alegre, no dia 12 de novembro de 1978, é o único caso comprovado de participação dos aparatos repressivos de dois países sul-americanos em uma mesma missão.
Lilian Celiberti foi detida com Universindo Díaz, integrante, como ela, do uruguaio Partido por la Victoria del Pueblo.
No seu caso, o policial brasileiro Orandir Portafi Lulas, o ex-jogador do Internacional conhecido como "Didi Pedalada", foi condenado e ficou preso, por seis meses, por abuso de autoridade.
A pena não foi cumprida porque ele era réu primário.
Lilian Celiberti foi recentemente à Itália, para contar sua história ao juiz Giancarlo Capaldo, do Tribunal de Roma. Leia a seguir os principais trechos da entrevista:

Agência Folha - Como foi sua experiência no Brasil?
Lilian Celiberti -
Eu e Universindo Díaz fomos presos em Porto Alegre por repressores brasileiros e uruguaios. Estávamos organizando uma campanha a favor da anistia no Uruguai, tomamos contato com muita gente, jornalistas, historiadores...

Agência Folha - Vocês passavam informações de um apartamento para a Europa?
Celiberti -
Sim, passávamos informações sobre a repressão.

Agência Folha - E por isso foram presos?
Celiberti -
Por tudo. Por passarmos informações, por participarmos de uma campanha pela anistia e porque tínhamos contatos com muitos militantes. Éramos, nós próprios, militantes do Partido por la Victoria del Pueblo.

Agência Folha - Vocês foram torturados?
Celiberti -
Sim, eu recebi choques elétricos. Universindo, além dos choques, foi torturado no pau-de-arara e espancado.

Agência Folha - Durante quanto tempo vocês ficaram presos em Porto Alegre?
Celiberti -
Um dia. Depois da captura, pela manhã, fomos enviados para a fronteira. Universindo foi levado para a prisão no Uruguai, e eu voltei para Porto Alegre.
A polícia queria transformar o apartamento em que eu estava em uma espécie de ratoeira. Comigo presa lá, as pessoas iriam me ver sem saber da situação. Era uma forma de atrair as pessoas.

Agência Folha - E como isso se resolveu?
Celiberti -
Eles disseram para eu passar informações para a França, e eu aproveitei para mostrar a companheiros de Paris que algo estava errado comigo.

Agência Folha - Como a sra. conseguiu fazer isso com os policiais por perto?
Celiberti -
Tínhamos códigos. Principalmente na Argentina, isso era muito comum. As pessoas tinham de utilizar de códigos para se comunicar.

Agência Folha - A partir disso, o mundo ficou sabendo...
Celiberti -
Sim. Os companheiros de Paris procuraram o pessoal do dom Paulo Evaristo Arns, que acionaram um advogado. Jornalistas me procuraram no apartamento, e os policiais disseram que eu era contrabandista.
Depois, devolveram-me para o Uruguai. Descobriram, é claro, que não havia registro de uma contrabandista uruguaia presa. A prisão era clandestina.

Agência Folha - Quanto tempo você ficou presa no Uruguai, depois?
Celiberti -
Foram mais cinco anos, em outras condições, porque todos sabiam que nós estávamos detidos pela repressão.

Agência Folha - Recentemente, a sra. depôs para a Justiça italiana. Como foi?
Celiberti -
O depoimento durou pouco mais de três horas e eu contei a minha experiência. Acho que foi bastante importante.
Eles têm interesse em esclarecer todos os fatos sobre a Operação Condor, e é claro que eu tinha muito o que dizer.
O juiz disse que vai a Madri no final de junho, para se encontrar com o juiz espanhol Baltasar Garzón e trocar informações.
Fui como testemunha, porque o meu caso é de sequestro e já prescreveu. Mas agora, pelo que ele (o juiz Garzón) me falou, a investigação sobre a Operação Condor vai se centrar em como funcionou tudo isso. Saber que ela existiu, eles já sabem.
(LG)


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