São Paulo, terça-feira, 23 de maio de 2000


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REGIME MILITAR
Discurso de deputado, há 32 anos, motivou a edição do AI-5, que apertou a repressão aos opositores de 64
Câmara recupera ata de sessão histórica

LUIZA DAMÉ
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

Quase 32 anos depois, a Câmara recuperou o único documento com os discursos da sessão em que foi negado o pedido das Forças Armadas para processar o então deputado Márcio Moreira Alves. A decisão foi o estopim do AI-5, o ato institucional que fechou o Congresso e cassou mandatos de parlamentares em 1968.
As notas taquigráficas da sessão estavam em poder da jornalista e pesquisadora Anna Lúcia Brandão desde 1984 e foram recuperadas por acaso. A própria historiadora devolveu o documento à Câmara no último dia 12.
Até esse dia, a Câmara não sabia que as notas não estavam nos arquivos da Casa, porque a documentação foi retirada por intermédio do ex-deputado José Bonifácio Andrada (eleito pela Arena de Minas Gerais), que era presidente da Câmara em 1968. "Ninguém sabia que as notas estavam com a pesquisadora", disse a coordenadora do Arquivo da Câmara, Gracinda de Vasconcellos.
De acordo com a Secretaria Geral da Mesa da Câmara, essas notas são o único documento daquela sessão.
A Câmara deverá publicar as notas taquigráficas da sessão e incluí-las nos anais da Casa. O único registro da sessão na Câmara é a ata resumida, na qual aparece apenas a decisão final, que negou o pedido para processar o ex-deputado, sem os discursos.
O resultado da sessão foi: 141 votos sim, 216 não e 12 abstenções. O pedido para processar Moreira Alves foi feito pelo STF (Supremo Tribunal Federal), por solicitação do governo Costa e Silva, com base em discursos do ex-deputado nas sessões dos dias 2 e 3 de setembro de 1968.
Os discursos foram considerados ofensivos às Forças Armadas. Moreira Alves defendeu o boicote às comemorações de 7 de Setembro e disse que as jovens deveriam se recusar a namorar e dançar com cadetes e oficiais das Forças.
"Seria necessário que cada pai, cada mãe se compenetrasse de que a presença de seus filhos nesse desfile é um auxílio aos carrascos que os espancam e metralham nas ruas", discursou o deputado.
O governo militar pretendia processar Moreira Alves, eleito deputado pelo MDB do Estado da Guanabara, com base no artigo 151 da Constituição de 1967, por atentado contra a ordem democrática. A punição era cassação do mandato e suspensão dos direitos políticos por dez anos.
Na sessão, um dos políticos que defenderam Moreira Alves foi o atual governador de São Paulo, Mário Covas (PSDB), então líder do MDB na Câmara. Havia apenas dois partidos: o MDB, de oposição, e a Arena, governista.
O pedido de cassação foi negado até mesmo por membros da Arena, sob alegação de que feria a independência do Legislativo. "Hoje, esta Casa está sendo submetida a julgamento. Recolhida ao banco dos réus, aguarda o veredicto que será exarado pelos próprios ocupantes. Discute-se a validade de uma das mais caras prerrogativas, instrumento essencial de seu funcionamento como Poder, que é a inviolabilidade", discursou Covas.
Assessores da presidência da Câmara avaliam que as notas não foram publicadas como forma de proteger os deputados que votaram contra a licença para processar Moreira Alves.
O ex-deputado afirmou que as notas não foram incluídas nos anais por decisão de Andrada. "Ele proibiu a publicação das notas a pedido dos militares", afirmou Moreira Alves ontem.


Colaborou Denise Madueño, da Sucursal de Brasília

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