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LOBBY INTERNACIONAL
Governo dispensou licitação pública com o argumento de preservar segurança nacional e soberania
Militar ofereceu acesso total a informações
DE WASHINGTON
Embora o governo brasileiro tenha invocado o dever de preservar a segurança nacional e a soberania para dispensar uma licitação pública para o Sivam, o tenente-brigadeiro Marcos Antônio de
Oliveira ofereceu aos EUA, em 94,
acesso total aos dados produzidos
pelo sistema quando ele estivesse
em funcionamento.
Segundo um telegrama enviado
pela embaixada dos EUA em Brasília ao Departamento de Estado,
a oferta ocorreu em junho de 94,
quando Oliveira coordenava o
processo de seleção das empresas
fornecedoras de equipamentos ao
projeto. Faltava pouco mais de
uma semana para a apresentação
das propostas finais da Raytheon
e da francesa Thomson-CSF.
O telegrama relata conversa entre o então embaixador norte-americano no Brasil, Melvin Levitsky, e Oliveira. Em algumas semanas seria anunciado o vencedor da disputa. "A vantagem
principal para os objetivos e metas do esforço norte-americano
antinarcóticos será a criação de
um sistema de monitoramento
numa região antes aberta à exploração por narcotraficantes", diz.
"Uma melhora significativa na
cooperação hemisférica ocorrerá
se a rede Sivam for integrada à Rede de Radares da Bacia Caribenha
[CBRN". O brigadeiro Oliveira,
gerente de programa do Sivam,
fez uma oferta no sentido de tal
integração durante o encontro
que manteve com o embaixador
em junho de 1994. Oliveira também afirmou claramente que as
informações geradas pelo Sivam
podem ser compartilhadas com o
governo norte-americano."
Pressão
A reunião de Oliveira com Levitsky não foi a única dele com diplomatas americanos. Houve ao
menos outros dois encontros com
diplomatas dos EUA na reta final
do processo de seleção do Sivam.
Os documentos obtidos pela
Folha mostram que Oliveira era
visto pela Casa Branca e pelo Departamento de Estado como alvo
principal do lobby norte-americano para ganhar o projeto.
Em 24 de junho de 94, o embaixador enviou a Washington telegrama informando como estavam os esforços para convencer
Oliveira a produzir uma carta ao
Eximbank atestando o caráter antinarcóticos dos cinco aviões/radares que seriam comprados pelo
governo brasileiro.
Oliveira era bombardeado com
pedidos contundentes da embaixada dos EUA em Brasília e do
consulado do país no Rio.
"A embaixada e o consulado estão tentando solicitar uma carta
do governo brasileiro que poderia
garantir o financiamento do
Eximbank para os radares "militares" dentro do projeto Sivam. Pode ser difícil, dadas as inibições
constitucionais e políticas brasileiras", diz o telegrama. "A embaixada vai retomar o assunto com
Oliveira de maneira insistente para tentar extrair a carta."
Essa carta acabou sendo produzida pelo governo brasileiro e permitiu aos EUA melhorarem sua
proposta financeira e garantirem
o Sivam à Raytheon. Os EUA souberam que a
proposta da Raytheon era pior
que a da Thomson por meio de
seus serviços de inteligência
-eufemismo para espionagem.
O processo de seleção do Sivam
conduzido pelo governo brasileiro não proibia expressamente encontros de Oliveira com diplomatas estrangeiros. No entanto, algumas das ações do militar descritas
pelos norte-americanos contrariam claramente princípios de
conduta básicos de um funcionário público e suas promessas, feitas ao Congresso, de respeitar o
princípio da competitividade, os
procedimentos transparentes e o
devido processo legal.
Os telegramas obtidos pela Folha mostram que Oliveira entregou a uma diplomata norte-americana um memorando confidencial interno do governo brasileiro
e recebeu dela um rascunho de
um ofício que deveria ser assinado por ele próprio ou pelo ministro brasileiro de Assuntos Estratégicos. Não se sabe se Oliveira deu
tratamento igual à concorrente
francesa que disputou a licitação
com a Raytheon. Procurada pela
Folha na França e no Brasil, ela
preferiu não se manifestar.
"Seguimos a lei"
Num depoimento em defesa do
Sivam que deu ao Congresso em
96, Oliveira definiu da seguinte
maneira o processo de licitação
secreto que conduziu:
"Fala-se que não houve concorrência, mas ocorreu a maior concorrência pública já registrada na
história do país. Ou seja, em termos de competitividade, nunca
houve nesse país nenhuma concorrência com tantos participantes. Seguimos a lei 8.666. Seguimos a lei. Fomos dispensados,
mas cumprimos absolutamente o
decreto do presidente: a seleção
dos melhores preços e das melhores técnicas. Então não existe nenhuma dúvida de que o conjunto
apresentado pela Raytheon ou
pelas empresas associadas à Raytheon foi o melhor".
A justificativa de Oliveira também conflita com a promessa que
fez aos americanos de dividir
com eles os dados do Sivam. Essa
promessa também mostrou que,
com relação à disponibilidade de
dados do Sivam, Oliveira tratou
os norte-americanos com uma
generosidade não oferecida à sociedade brasileira.
Em depoimento ao Congresso
em 96, o brigadeiro defendeu a
dispensa de licitação e sugeriu
que a publicidade dos dados produzidos pelo sistema seria extremamente limitada. "Uma pergunta que sempre nos fazem é sobre a questão da disponibilidade
da informação. Diria que -não
sei em que percentual- temos
de abrir essas informações para
toda a sociedade brasileira. Mas
existem informações de valor estratégico de natureza econômica
que não podem ser colocadas à
disposição de todos."
Oliveira disse ainda que o objetivo do Sivam não era "só descobrir aquilo que os irmãos do Norte já conhecem há muitos anos".
"É difícil entender, mas, às vezes,
as pessoas que combatem o Sivam estão querendo negar aos
brasileiros aquilo que outros já
conhecem."
(MARCIO AITH)
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