São Paulo, sexta-feira, 23 de julho de 2004

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

JANIO DE FREITAS

As indenizações

Certos assuntos são de particular dificuldade, já por suas complexidades jurídicas e humanas, e, como se não bastasse, ainda pelo alto risco de tangerem relações pessoais. Estão nesse caso as lembranças do pré-64 e do golpe, dos antecedentes de 68 e do AI-5, do período e dos diferentes aspectos de ações da luta armada. No mesmo caso, e mais recentes, estão a anistia e as indenizações a vítimas e a outros que se consideram ou se apresentam como vítimas físicas ou funcionais do golpe e da ditadura.
A volta das indenizações à notoriedade evidenciou o agravamento, em vez das correções facilitadas pelo tempo, do descritério e das injustiças. É quase inacreditável, e só não é por vivermos onde vivemos, que pessoas já idosas, doentes, portadoras de seqüelas dos crimes de que foram vítimas em quartéis e na polícia, esperem ainda pela decisão sobre suas indenizações em filas que nem lhes permitem vislumbrar alguma certeza, mas tão só incógnita. Se não for humilhação.
Em sua edição de 14 de julho, a revista "Carta Capital" reúne algumas entrevistas que refletem essa negação de todo o sentido institucional das indenizações. Não estão claras as razões do absurdo, se devidas mais a imperfeições da própria legislação específica, se decorrentes de interpretações, da usual retenção de verbas pela tecnocracia econômica do governo, ou de outros motivos. Mas, seja qual for o quadro, não há justificativa possível para que a viúvas de mortos e desaparecidos, tantas delas com filhos criados no sofrimento e na penúria, fossem destinadas indenizações de R$ 70 mil, R$ 100. E a outras pessoas se concedam indenizações na ordem de milhões e pensão mensal vitalícia, seja qual for o grau de propriedade em cada um desses casos. A questão é a disparidade que resulta em injustiça intolerável: para centenas, milhares talvez, a indenização concedida ou ainda esperada confunde-se com novo castigo.
É indispensável, é urgente, que o governo e as comissões incumbidas de mortos, desaparecidos, indenizações e anistia procedam ao reexame dos seus fundamentos legais, das interpretações, critérios e disponibilidades necessárias para corrigir as distorções havidas e evitar outras.
Indenizações não apagam perdas e sofrimentos, mas, sobretudo, não devem ser um modo de lhes dar continuidade.


Texto Anterior: Propaganda eleitoral: Natal normatiza uso de espaços públicos
Próximo Texto: Eleições 2004 - Campinas: Justiça condena cartilha feita por prefeitura
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.