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CELSO PINTO
Os limites do
pacote argentino
O pacote argentino dá algum fôlego de curto prazo,
acena com alguma ação na busca de solvência, mas não resolve
as dúvidas, especialmente políticas, sobre como o país retomará a competividade. Sem ela,
não há crescimento, nem solução a longo prazo.
A reestruturação da dívida
externa entrou no pacote por insistência americana. O câmbio,
contudo, ficou intocado. Os alemães, segundo fontes qualificadas da Argentina e de Washington, foram os que mais pressionaram por uma mudança no
câmbio antes de qualquer ajuda, invocando o sucesso de Reino Unido, Itália e Espanha em
sair da crise monetária de 92 via
desalorização.
Espanha, França, Itália e Reino Unido, foram importantes
nas pressões por uma ajuda à
Argentina. A insistência latino-americana, especialmente de
Brasil e Chile, também ajudou a
colocar os Estados Unidos numa
posição incômoda. Se nada fizessem poderiam ser acusados
de serem responsáveis por uma
crise que poderia se alastrar pelo continente.
O câmbio foi preservado, mas
amarrou-se o pacote a uma
reestruturação da dívida. Qual,
não está claro. São US$ 3 bilhões
(além de US$ 5 bilhões que seriam liberados em setembro)
que estão condicionados à reestruturação. Uma especulação
no mercado é que os US$ 3 bilhões seriam usados para comprar garantias para um novo título. Como a dívida é de US$
128 bilhões, os US$ 3 bilhões não
levam muito longe. Mas, se virarem um "zero coupom bond" do
Tesouro americano, que só paga
juros e principal no final, poderiam sustentar uma emissão de
uns US$ 20 bilhões com 30 anos
de prazo.
Até aí, seria uma reedição de
fórmulas do Plano Brady. Em
troca de aceitar menos juros, ou
redução no principal, o investidor ganharia um papel com garantia. Especulava-se ontem, na
Argentina, outra hipótese, mais
inovadora.
Uma comissão de economistas
do Congresso americano, entre
eles Alan Meltzer e Charles Calomiris, sugeriu, em maio, um
"default construtivo" como nova política para o FMI. Funcionaria assim: o FMI financiaria
um fundo para a Argentina recomprar sua dívida com um
desconto maior do que o existente no mercado. Por exemplo:
ontem, o FRB, título da dívida
argentina, estava negociado em
torno de 75 centavos por dólar.
Este fundo aceitaria recomprar
a, digamos, 40 ou 50 centavos
por dólar. Quem quisesse sair do
risco argentina, teria que aceitar a perda.
Na época em que a proposta
foi apresentada, perguntei ao
presidente do Banco Central,
Armínio Fraga, sua opinião. Ele
achava que era um exercício puramente acadêmico, sem chances de virar política do FMI. A
conferir.
Os argentinos têm boas razões
para relutar em mexer no câmbio. O ex-ministro da Economia, Ricardo Lopez Murphy,
que esteve no Brasil semana
passada, lembrou duas. A primeira é que seria muito difícil se
ter qualquer demanda pelo peso
depois de uma desvalorização.
Hoje, 68% dos depósitos já são
em dólares. Um dos temores dos
bancos na Argentina, diz um
banqueiro, é que, numa crise
cambial, decida-se não honrar
estes depósitos em dólares. Seria
uma quebra de confiança grave
no sistema bancário. A alternativa, seria honrar depósitos em
dólares e desvalorizar o peso.
Mas, além de problemas de
equidade, seria preciso encontrar fórmulas para forçar a população a usar os pesos desvalorizados.
A outra razão é que não dá
para desvalorizar sem moratória. O estoque da dívida pública
equivale a 45,9% do PIB. Nos
cálculos de João Carlos Scandiuzzi, do banco Pactual, uma
desvalorização de 50%, como
no Brasil, elevaria o estoque a
92,2% do PIB. Mesmo que a economia crescesse de 2% a 3% e
houvesse superávit primário de
4% do PIB, seria necessária
uma redução de 34% a 43% no
valor da dívida apenas para evitar que o estoque continuasse a
crescer.
A solução do regime de "currency board" para a competitividade é redução de preços e salários. Isso vem acontecendo no
setor privado, segundo Murphy,
mas não no setor público. Na
verdade, a Argentina deixou de
cumprir três requisitos básicos
para operar num regime deste
tipo: ter uma dívida mínima,
equilíbrio fiscal e flexibilidade
de salários.
Na visão ingênua de alguns
economistas, uma das vantagens do regime de "currency
board" seria exatamente tornar
automática a obtenção destes
requisitos. O governo perde a
capacidade de emitir (só pode
fazê-lo quando aumentam as
reservas externas). Portanto, sabe que se seus credores deixarem de investir, será impossível
ter déficit público e será vital
que o estoque da dívida seja pequeno, para ser possível honrar
seu serviço e evitar uma moratória.
A ingenuidade vem da conclusão que, se a lógica do regime é
esta, a realidade também o será,
independentemente das pressões políticas. Na Argentina nada disto aconteceu. Entre 1991 e
2.000, lembrou Murphy, a economia argentina cresceu 42%,
mas os gastos públicos subiram
90%. A dívida federal quase duplicou, para 45,9% do PIB; o
gasto com juros subiu para 5%
do PIB.
Em vez de gerar superávits
primários quando crescia, para
reduzir a dívida e precaver-se
contra choques futuros, a Argentina continuou a gerar déficits. Os choques externos, desde
97 (crise russa, desvalorização
brasileira, queda nos preços das
"commodities" e valorização do
dólar), foram interpretados como "transitórios", diz Murphy,
e decidiu-se enfrentá-los elevando ainda mais a dívida.
O resultado é que, quando o
mercado fechou-se, o tamanho
do ajuste, via redução de preços
e salários (especialmente públicos) tornou-se politicamente
complicadíssimo. Na lógica do
"currency board", o déficit tem
que ser zerado, o dinheiro das
províncias controlado, os salários e aposentadorias do setor
público têm que cair e a política
trabalhista precisa ser flexível.
Em Hong Kong, que também
tem "currency board", esta disciplina tem sido possível. Na Argentina, a gigantesca crise política mostra que é difícil compatibilizar um regime deste tipo
com países democráticos, onde
há direitos e votos trabalhistas.
CelPinto@uol.com.br
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