São Paulo, sexta-feira, 23 de agosto de 2002

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EXUBERÂNCIA ELEITORAL

César, Tancredo, Collor, FHC e ...Ciro?

VINICIUS TORRES FREIRE

Tornou-se óbvio, após 20 anos de sucessões políticas conturbadas por crises econômicas recorrentes, que os partidos e mesmo a democracia brasileira não conseguem escapar do liquidificador eleitoral, de modo que são reduzidos a geléia.
Cristalizada, a geléia política costuma tomar a forma de um personagem que parece surgir acima das divisões políticas ou sociais. Ou parece o representante da vontade geral da nação, o homem de confiança das massas ou até o herói carismático.
A ficção se ancora na idéia de que esse "tertius", figura além da esquerda ou da direita, do povo ou da elite, é capaz de promover o bem geral sempre equilibrando todas as forças sociais e econômicas contrastantes. Considere os presidentes eleitos nos nossos 20 anos de crise: Tancredo Neves (85), Fernando Collor (89), Fernando Henrique Cardoso (94).
Foi preciso que a viga política da ditadura, o PDS, rachasse na forma do PFL para que Tancredo criasse sua coalizão, a suposta cola de um país fraturado pela crise econômica horrível e por protestos de massa por eleições diretas.
Tancredo morreu antes que se pudesse saber se conseguiria uma concertação à moda de FHC. O que se viu a seguir foi uma confusão de demagogia econômica e salve-se quem puder político, de fundo vulgarmente eleitoreiro, resultado de uma profunda crise de hegemonia política e social.
O fracasso da Nova República e de seus partidos (PMDB-tucanos, PFL) deu espaço para o então socialista PT e para um líder carismático, Collor, e seu salvacionismo cesarista ("deixar a esquerda perplexa e a direita indignada").
Com seu desdém pelas instituições políticas, foi o que mais encarnou o que a ciência política chama de cesarismo ou bonapartismo, vestindo até o figurino descrito por Marx em seu estudo clássico sobre o assunto: "a necessidade de executar diariamente um golpe de Estado em miniatura"; "provoca a confusão na economia" e "viola tudo o que parecia inviolável".
Collor recompôs a geléia política na sua pessoa, atraiu partidos da ordem (PFL), mas ofendeu interesses demais de uma vez só, sem bem atender a nenhum.
FHC foi o mais brilhante dos nossos "césares". Mudou o país a fundo, mas foi conservador. Concertou organizada e antecipadamente a política do centro à direita, que soldou com seu plano de estabilização instável e de "conflito social mínimo". A tática acabou por represar problemas (déficits e miséria) que resultariam em situação econômica explosiva.
Tais "césares" compõem nosso calidoscópio conservador. Os vidrinhos são sempre os mesmos, mas as imagens parecem sempre diferentes a cada giro eleitoral.
Nesta eleição, o caso mais interessante por ora é o de Ciro Gomes. O outsider da pequena candidatura, o herói popular que teria o dom do novo e de enfrentar os mercados, logo foi absorvido por um braço do polvo gelatinoso de um partido da ordem (PFL). Os cacos do centrão que governa o país há 17 anos, rachados entre José Serra, Ciro e estilhaços ainda soltos, começam a se colar.
Ciro agora tenta se conectar à tecnocracia (economistas) respeitável, já têm base empresarial e negocia com parte dos líderes da finança a chancela final para entrar no clube da ordem, ainda que com sua fachada populista.
A maior parte da sociedade civil assiste a tudo bestializada. Líderes políticos, e não partidos, lançam suas imagens ao léu a fim de obter capital midiático e servir de rótulo a outra coligação acima do bem do mal. Mas conservadora.


Vinicius Torres Freire, editor de Dinheiro, escreve às sextas-feiras



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