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ESQUERDA NO DIVÃ
Déficit externo evidenciaria fraqueza; militarismo, desespero
Intelectuais vêem declínio da hegemonia americana
VINICIUS MOTA
ENVIADO ESPECIAL AO RIO
FERNANDA DA ESCÓSSIA
DA SUCURSAL DO RIO
Os EUA estão irremediavelmente fadados ao declínio. Para
os intelectuais Immanuel Wallerstein, Giovanni Arrighi e Samir Amin, a tendência "de longo
prazo" de esmaecimento da potência americana é um fato.
Os três foram os destaques do
seminário "Hegemonia e Contra-hegemonia: os Impasses da Globalização". O evento, que terminou ontem no Rio, reuniu alguns
dos nomes mais respeitados pela
esquerda mundial.
A exposição do trio de palestrantes convergiu também em
outros pontos. A escalada militarista de Washington, para eles, é
uma reação algo desesperada para tentar manter pela força o que a
economia e a propaganda ideológica já não conseguem fazer.
Prosseguir nessa via, de acordo
com o italiano Arrighi, pode significar que os EUA estejam dispostos a romper o figurino da dominação de tipo hegemônica (em
que o domínio é um misto de
cooptação e imposição) para tornar-se um verdadeiro império
(em que prepondera a opressão).
Esse caminho, segundo Arrighi,
"está fadado, provavelmente, a
produzir o caos".
Wallerstein, professor de Yale,
acrescenta que os mentores da
política de Bush não têm o domínio dos resultados de seus atos.
"Estamos numa transição anárquica. Ninguém controla a situação em qualquer nível significativo, menos ainda um poder hegemônico declinante como o dos
EUA ", escreveu no trabalho que
embasou sua exposição.
Vulnerabilidade externa
O déficit nas contas externas
dos EUA foi apontado como sinal
inequívoco da fragilidade econômica do país. Esse déficit foi de
2,3% do PIB americano em 1998.
Em 2003, deve ficar em torno de
5,1% do PIB (US$ 530 bilhões), segundo projeta a OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico).
Para sustentar déficit tão dilatado, os EUA necessitam de aportes
de capitais do exterior.
O economista egípcio Samir
Amin, seguindo Arrighi, enxerga
essa demanda crescente por capitais da economia americana como uma espécie de tributo imposto pela lógica hegemônica dos
EUA. O militarismo estaria a "fabricar" inimigos e a abrir caminho para intervenções no estrangeiro; em troca, viria a ampliação
da submissão financeira.
Para que uma alternativa democrática, e não o caos, sobrevenha
ao declínio americano, na opinião
de Amin, é preciso que se imponha "uma derrota política e militar aos EUA". "Talvez o que está
ocorrendo no Iraque seja o começo dessa derrota", diz.
Desejo e análise
O diagnóstico da tríade de intelectuais ganhou ressonância na
grande maioria das intervenções,
mas houve notas dissonantes.
Gilberto Dupas, coordenador
do Grupo de Conjuntura Internacional da USP, questionou a tese
do declínio americano. Disse que
o propalado déficit externo dos
EUA é feito, em larga medida,
com empresas americanas instaladas no exterior. "Parece que estamos deixando que o nosso desejo suplante a nossa capacidade
de análise", concluiu.
O sociólogo Francisco de Oliveira, da USP, entrou acidamente
na polêmica: "Essa tese de declínio a longo prazo é linda. Mas, a
longo prazo, as massas latino-americanas já estarão mortas".
No encerramento do encontro,
Wallerstein respondeu às críticas:
"Estamos num período de transição, mudando para algo que não
sabemos o que é. Todos sabem
que os EUA são o poder dominante. Mas iremos ver o colapso".
Wallerstein disse antever um
debate entre "as forças de Davos
[onde ocorre o Fórum Econômico Mundial] e as forças de Porto
Alegre [Fórum Social Mundial]".
Ele disse que as forças de Porto
Alegre já fizeram o discurso da
negação das estruturas e estão
chegando ao limite. Seu desafio é
descrever o que planeja pôr no lugar do sistema atual. "Se não tiverem sucesso, vão se desintegrar."
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