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São Paulo, sábado, 23 de agosto de 2003

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ESQUERDA NO DIVÃ

Déficit externo evidenciaria fraqueza; militarismo, desespero

Intelectuais vêem declínio da hegemonia americana

VINICIUS MOTA
ENVIADO ESPECIAL AO RIO
FERNANDA DA ESCÓSSIA
DA SUCURSAL DO RIO

Os EUA estão irremediavelmente fadados ao declínio. Para os intelectuais Immanuel Wallerstein, Giovanni Arrighi e Samir Amin, a tendência "de longo prazo" de esmaecimento da potência americana é um fato.
Os três foram os destaques do seminário "Hegemonia e Contra-hegemonia: os Impasses da Globalização". O evento, que terminou ontem no Rio, reuniu alguns dos nomes mais respeitados pela esquerda mundial.
A exposição do trio de palestrantes convergiu também em outros pontos. A escalada militarista de Washington, para eles, é uma reação algo desesperada para tentar manter pela força o que a economia e a propaganda ideológica já não conseguem fazer.
Prosseguir nessa via, de acordo com o italiano Arrighi, pode significar que os EUA estejam dispostos a romper o figurino da dominação de tipo hegemônica (em que o domínio é um misto de cooptação e imposição) para tornar-se um verdadeiro império (em que prepondera a opressão). Esse caminho, segundo Arrighi, "está fadado, provavelmente, a produzir o caos".
Wallerstein, professor de Yale, acrescenta que os mentores da política de Bush não têm o domínio dos resultados de seus atos. "Estamos numa transição anárquica. Ninguém controla a situação em qualquer nível significativo, menos ainda um poder hegemônico declinante como o dos EUA ", escreveu no trabalho que embasou sua exposição.

Vulnerabilidade externa
O déficit nas contas externas dos EUA foi apontado como sinal inequívoco da fragilidade econômica do país. Esse déficit foi de 2,3% do PIB americano em 1998. Em 2003, deve ficar em torno de 5,1% do PIB (US$ 530 bilhões), segundo projeta a OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico).
Para sustentar déficit tão dilatado, os EUA necessitam de aportes de capitais do exterior.
O economista egípcio Samir Amin, seguindo Arrighi, enxerga essa demanda crescente por capitais da economia americana como uma espécie de tributo imposto pela lógica hegemônica dos EUA. O militarismo estaria a "fabricar" inimigos e a abrir caminho para intervenções no estrangeiro; em troca, viria a ampliação da submissão financeira.
Para que uma alternativa democrática, e não o caos, sobrevenha ao declínio americano, na opinião de Amin, é preciso que se imponha "uma derrota política e militar aos EUA". "Talvez o que está ocorrendo no Iraque seja o começo dessa derrota", diz.

Desejo e análise
O diagnóstico da tríade de intelectuais ganhou ressonância na grande maioria das intervenções, mas houve notas dissonantes.
Gilberto Dupas, coordenador do Grupo de Conjuntura Internacional da USP, questionou a tese do declínio americano. Disse que o propalado déficit externo dos EUA é feito, em larga medida, com empresas americanas instaladas no exterior. "Parece que estamos deixando que o nosso desejo suplante a nossa capacidade de análise", concluiu.
O sociólogo Francisco de Oliveira, da USP, entrou acidamente na polêmica: "Essa tese de declínio a longo prazo é linda. Mas, a longo prazo, as massas latino-americanas já estarão mortas".
No encerramento do encontro, Wallerstein respondeu às críticas: "Estamos num período de transição, mudando para algo que não sabemos o que é. Todos sabem que os EUA são o poder dominante. Mas iremos ver o colapso".
Wallerstein disse antever um debate entre "as forças de Davos [onde ocorre o Fórum Econômico Mundial] e as forças de Porto Alegre [Fórum Social Mundial]".
Ele disse que as forças de Porto Alegre já fizeram o discurso da negação das estruturas e estão chegando ao limite. Seu desafio é descrever o que planeja pôr no lugar do sistema atual. "Se não tiverem sucesso, vão se desintegrar."


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