São Paulo, quinta-feira, 23 de agosto de 2007

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JULGAMENTO DO MENSALÃO

comentário

STF restaura a primazia de Apolo

SÉRGIO SALVIA COELHO
CRÍTICO DA FOLHA

Quando um crítico de teatro é convidado para comentar uma sessão do STF, a impressão que se tem é de uma prévia descrença sobre a possibilidade de chegar uma verdade, nesse império de meias verdades que se tornou a democracia brasileira.
Tudo é teatro: a maioria dos espectadores da TV Senado já há muito formou sua convicção de culpa dos envolvidos, desde os tempos empolgantes em que cada depoimento era acompanhado como um capítulo de um tragicômico reality show, e agora o único interesse de uma audiência em queda franca seria acompanhar os recursos jurídicos até que o caso morra no limbo da prescrição.
No empolgante início havia o arauto Jefferson, que chegou a aquecer a voz e o público com vocalizes de ópera, e dominava a cena com bruscas variações de tom e ritmo, alternando causos espirituosos com arroubos retóricos camicases, arremetendo contra um rival que o completava havia algo de eminência parda, de Cardeal Richelieu em José Dirceu. Por sua vez, Marcos Valério, com seu físico de clown shakespeareano, garantia a diversão bufa, com uma esperteza cândida com a participação especial de Duda Mendonça, que compunha a dupla de publicitários com sua barba de Pantalone.
O espetáculo, porém, já se desgastou muito, depois das várias reprises, cada vez mais paródicas.
Agora no âmbito técnico da Justiça, no qual o jogo de cena não é mais para o eleitor, mas para o cidadão, no maior julgamento da história do STF, a retórica mais profissional dos advogados poderia anunciar a volta do circo.
Não foi, e ainda bem. O dia de quarta foi uma tediosa sucessão de togas negras aqui e ali tintas por uma gravata vermelha, e retóricas comedidas, como se fosse um espetáculo não de três mas de dezenas de tenores, com seus egos pesados no cronômetro da Justiça. Evocações de efeito pipocavam nos prólogos: o chinês diante do tanque, a invasão da faculdade de direito, a metáfora de Saramago sobre a cegueira... mas tudo soava como uma amostragem rápida, já que as verdadeiras prima-donas dessa ópera se reservaram o direito de ficar em silêncio, Jefferson se colocando como cego, e Dirceu, como mudo, na ambição talvez de ganharem por WO.


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