São Paulo, Segunda-feira, 23 de Agosto de 1999
Texto Anterior | Índice

JUSTIÇA

No último dia 30, liminar interrompeu apuração

Procuradoria quer retomar investigação de bens de juízes

FREDERICO VASCONCELOS
da Reportagem Local

O Ministério Público Federal pediu a anulação de ato do presidente do TRF (Tribunal Regional Federal) em São Paulo, desembargador José Kallás, que suspendeu provisoriamente as investigações sobre a origem do patrimônio dos desembargadores Paulo Theotonio Costa e Roberto Luiz Ribeiro Haddad, ambos da primeira turma do tribunal.
Em 30 de julho último, Kallás concedeu liminar interrompendo apurações iniciadas pela Procuradoria da República em São Paulo a partir de reportagem da Folha. O jornal revelou, na edição de 11 de julho, que Theotonio e Haddad ostentam riqueza que contrasta com o padrão de vida comum dos juízes brasileiros.
Em recurso ao tribunal (agravo regimental), as procuradoras regionais da República Ana Lúcia Amaral e Mônica Nicida Garcia alegam que Kallás não tinha "competência" para decidir sobre um procedimento administrativo, ato que "não se encontra entre as atribuições do presidente do tribunal".
O Ministério Público também contesta o fato de os autos terem sido enviados ao presidente do TRF a partir de um despacho do desembargador Roberto Haddad, que é parte no processo, e, por isso, "declarada e reconhecidamente impedido de funcionar nos autos", segundo as procuradoras.
O Ministério Público alega que, por se tratar de "apuração de eventual ato de improbidade administrativa", o julgamento caberia a uma das turmas de juízes do TRF.
Na última quinta-feira, essa posição foi acolhida pela juíza relatora, desembargadora Sylvia Steiner. Ela despachou devolvendo os autos à vice-presidência, por entender que o processo deveria ter sido distribuído a um dos desembargadores da segunda seção -e não a Kallás. Ele atuou, no caso, como presidente do Órgão Especial, que reúne os 18 desembargadores mais antigos (o tribunal tem 27 magistrados).
"É expresso o regimento interno ao atribuir aos desembargadores federais componentes das turmas a competência para julgamento de recursos interpostos contra decisões dos juízes federais", disse Steiner no despacho.
O recurso dos advogados de Theotonio e Haddad (agravo de instrumento) teve distribuição automática urgente, no dia 28 de julho, para o Órgão Especial, quando a juíza Steiner foi designada relatora. Segundo os registros do TRF, o processo foi então encaminhado para "apreciação" de Haddad, um dos membros da turma de férias do tribunal.
"Invocando seu impedimento, Haddad não se furtou a deixar registrado que o processo deveria ser endereçado ao presidente do TRF", afirmam as procuradoras no recurso.
O despacho de Steiner não anula a decisão de Kallás, que deverá ser examinada por outros desembargadores. Ou seja, as investigações continuarão suspensas até o julgamento final do mandado de segurança impetrado pelos advogados de Theotonio e Haddad contra ato da procuradora Samantha Dobrowolski, que, em julho, decretara a quebra do sigilo fiscal dos dois juízes.
A juíza federal substituta Tatiana Nogueira, da 14ª Vara Cível, concedeu liminar parcial, determinando apenas a suspensão da quebra do sigilo fiscal (os advogados haviam pedido ainda a decretação de sigilo do mandado, a suspensão das investigações e o arquivamento do processo). Os advogados recorreram, então, ao TRF.
Ao conceder a liminar, Kallás acolheu o argumento de que os dois magistrados têm prerrogativa de serem investigados no próprio tribunal acerca de eventuais irregularidades qualificadas como ato de improbidade administrativa e que possam levar à perda de função.
As procuradoras Amaral e Garcia sustentam, no recurso, que Dobrowolski -que atua na primeira instância do MPF- "tem indiscutível atribuição para instaurar e conduzir procedimento investigatório destinado a apurar a prática de atos de improbidade administrativa por parte de desembargadores federais".
Elas citam parecer do advogado Fábio Konder Comparato, que se manifestou "lapidar e expressamente no sentido de ser competente o juízo de primeiro grau para o julgamento de ação de improbidade contra juiz de tribunal".
Na mesma data em que protocolaram o recurso contra a decisão de Kallás, as procuradoras requisitaram a instauração de procedimento administrativo -uma investigação interna no TRF, a ser acompanhada pelo Ministério Público Federal- "para o fim de ser investigada e apurada a prática de ato de improbidade" pelos desembargadores Theotonio e Haddad.
"Parece-nos de extraordinária importância, no momento atual, sejam esclarecidas quaisquer situações equívocas que envolvam os magistrados, para que se preserve a dignidade e o respeito devido ao Poder Judiciário", concluem as procuradoras, no requerimento enviado a Kallás.
Procurado pela Folha, desde a última quarta-feira, o presidente do TRF não se manifestou. A assessoria de comunicação do tribunal informou que o processo, com o despacho do desembargador Roberto Haddad, teve uma tramitação normal.



Texto Anterior: 20 anos: Planos de Brizola ameaçaram a anistia
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.