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20 ANOS
Estigmatizado pelos militares, ex-governador pensou em voltar do exílio antes da aprovação da lei
Planos de Brizola ameaçaram a anistia
RAYMUNDO COSTA
do Painel, em Brasília
A aprovação da Lei de Anistia
correu vários riscos. O maior deles -desconhecido até agora-
foi a decisão do ex-governador
Leonel Brizola de voltar ao país,
em fevereiro de 1979.
Na época, os militares não tinham um projeto de anistia definido. Mas havia mandados de
prisão aguardando por Brizola
nos aeroportos. Ex-governador
do Rio Grande do Sul, Brizola era
o líder político pré-64 mais estigmatizado pelos militares.
Vinte anos após a sanção da Lei
de Anistia, sabe-se que, se Brizola
cumprisse seu intento, certamente seria preso. Pior ainda, poderia
ser assassinado, como temia então o general João Baptista Figueiredo, o que liquidaria de vez com
o projeto de anistia.
Figueiredo já havia sido ungido
no Colégio Eleitoral, mas ainda
não tomara posse, quando foi informado da decisão de Brizola pelo deputado gaúcho Nelson Marchezan (então na Arena), que o
assessorava no escritório de transição montado em Brasília.
"Isso causa problemas enormes
ao projeto de revisão das punições", foi a reação inicial de Figueiredo, segundo o testemunho
de Marchezan.
O deputado ganhara a confiança do general durante a campanha para a eleição do sucessor de
Ernesto Geisel no Colégio Eleitoral. Atuara principalmente no
Congresso, onde ainda era forte a
presença do "grupo frotista",
constituído por parlamentares
que apoiavam os sonhos presidenciais do ex-ministro do Exército Sylvio Frota.
Figueiredo abriu o jogo para
Marchezan:
1) se Brizola voltasse, iria emperrar o projeto de revisão das
punições. No mínimo, o atrasaria;
2) Brizola seria preso ainda no
aeroporto;
3) Incendiaria os grupos militares radicais, que impunham resistência ao projeto.
Em um quadro desses, concluiu
Figueiredo, Brizola corria risco de
vida. O general tinha bem frescas
na lembrança as mortes do jornalista Vladimir Herzog e do operário Manoel Fiel Filho, ocorridas
quando ambos se encontravam
presos em dependências do Exército. "Se acontece uma coisa dessas, cai por terra tudo o que nós
queremos construir", afirmou Figueiredo.
Marchezan pediu então autorização para passar essas informações ao interlocutor que lhe revelara as intenções de Brizola, o publicitário Luiz Mendes, um dos
três sócios da agência MPM, uma
das grandes da época, e contraparente do ex-governador. Mendes
e Marchezan se encontraram no
gabinete do senador Petrônio
Portela, futuro ministro da Justiça, onde estava também o senador mineiro Francelino Pereira.
Portela pediu a Mendes que dissesse a Brizola que aguardasse no
exílio, pois o novo governo faria a
anistia e ele seria beneficiado.
"Posso contar a ele que o sr. disse isso?", perguntou Mendes. "Se
você disser isso, eu tenho aqui na
sala duas testemunhas (Marchezan e Francelino) de que eu não
falei com você", foi a resposta.
Mendes passou o recado. Brizola perguntou como ele sabia. "Palpite", respondeu.
Exemplo espanhol
Depois de um longo exílio no
Uruguai, Brizola estava nos Estados Unidos. Não falava inglês,
não se adaptara ao modo de vida
norte-americano e não falava de
outra coisa a não ser da volta. Sabia do projeto de anistia do MDB,
que não o incluía, o que só aumentava suas dúvidas sobre um
eventual projeto dos militares.
Em fevereiro, enquanto Figueiredo discutia sua situação com
Marchezan, ele se aproximara do
deputado Thales Ramalho, do
MDB, que se encontrava em Nova
York para exames de saúde. Ramalho viria a ser decisivo, dois
meses mais tarde, para demover
Brizola da idéia fixa de voltar.
Em maio de 79, antes de uma
nova viagem a Nova York, Ramalho fez uma visita formal a Petrônio Portella, já ministro da Justiça, sob o pretexto de despedir-se.
Ramalho puxou o assunto.
Perguntou quando o projeto de
anistia seria enviado ao Congresso, pois não queria estar ausente
durante a votação.
"Pode viajar tranquilo, nós vamos mandar nos últimos dias de
junho, para haver o debate durante o recesso." Um erro do governo, segundo avalia hoje Ramalho,
pois permitiu que o senador Teotônio Vilela tomasse conta do
projeto. Em seguida, Portela puxou algumas folhas da gaveta e
mostrou ao deputado: "Olha, o
projeto está aqui. Pode ler. Veja
que é melhor que o de vocês".
De fato, o projeto do governo
incluía Brizola e Miguel Arraes, o
que não ocorria com o do MDB,
devido a um "erro técnico", de
acordo com Ramalho. Era a deixa
que Portela esperava para falar
sobre a nova viagem do deputado. "Você vai encontrar com o
Brizola. Diga que está incluído."
Em Nova York, após as dificuldades iniciais, Ramalho dobrou
Brizola aos poucos. "Você não
desce no Brasil. Pior do que isso,
vai atrapalhar todo um trabalho,
todo um esforço que foi feito."
A resposta de Brizola revelava
seus planos: "Mas o Carrillo chegou antes e desembarcou", repetia. Referia-se a Santiago Carrillo,
secretário-geral do Partido Comunista espanhol, que, em 1976,
voltou ao seu país antes da anistia,
após a queda da ditadura franquista, e passou a viver na clandestinidade. Brizola acabou trocando Nova York por Lisboa e só
voltou após a sanção da lei, no dia
28 de agosto de 1979.
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