São Paulo, segunda-feira, 23 de setembro de 2002

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POLÍTICA DA IMAGEM

Quando o eleitor diz não

RENATA LO PRETE

Quando Ciro apanhou de Serra, viu despencar sua intenção de voto e dobrar, em menos de um mês, sua taxa de rejeição.
Agora Lula apanhou de Serra. Decorrida uma semana de maus tratos, o petista ganhou quatro pontos no Datafolha. O tucano, além de perder dois, tomou de Ciro o posto de líder em rejeição.
É cedo para decretar que o tiro de Serra saiu pela culatra. O tom usado na propaganda contra Lula, entre crítico e ostensivamente negativo, às vezes custa a surtir efeito. Como pedra que cai no lago, dizem os marqueteiros.
Confirma-se, no entanto, a previsão de que abater Lula é tarefa mais difícil do que a anterior.
Com uma semana de hostilidades, Ciro entrou em rota descendente. Como costuma ocorrer com candidatos menos conhecidos do eleitor, o "ruim" grudou nele ainda mais rapidamente do que havia grudado o "bom".
Curtida ao longo de quatro campanhas, a imagem de Lula é, para o bem e para o mal, mais consolidada. Menos suscetível, portanto, a operações-desmonte.
Exceto por semear o crescimento da rejeição a Serra, a derrubada de Ciro teve custo zero. Foi feita pela boca do próprio, tanto nos episódios desenterrados do passado quanto nas novas contribuições oferecidas pelo candidato.
Contra Lula, a campanha tucana se viu obrigada a assumir um ataque de cunho preconceituoso e hierarquizante, na tentativa de caracterizar o adversário como despreparado para governar.
Ainda que pesquisas indiquem ser esse um ponto vulnerável do petista, tudo leva a crer que não foi boa idéia cobrar-lhe um diploma universitário com todas as letras no horário eleitoral gratuito.
Confiantes por dever de ofício, assessores de Serra cuidaram de espalhar que o programa levado ao ar na terça-feira passada foi "superbem nas qualitativas".
No máximo concederam que o quadro do diploma despertou reações negativas em eleitores das classes A e B, movidos, avalia a marquetagem, por condescendência para com o petista.
Talvez. Mas a um redator mais sutil teria ocorrido que a cobrança explícita de curso superior pode soar ofensiva a um eleitorado que majoritariamente não o tem.
Não deve ter sido à toa que Serra contradisse a própria propaganda no dia seguinte, opinando que para ser presidente é preciso ter "preparo", não necessariamente diploma. E que também FHC, mais titulado do que seu candidato, veio a público dizer que canudo não é fundamental.
Pedra no sapato de candidatos, a taxa de rejeição pode se modificar no decorrer de uma campanha e na sucessão de eleições.
Em 1989, a de Lula foi alimentada pelo medo da mudança brusca. Em português claro, da "baderna". Em 1994, baseou-se na idéia de ameaça ao Real.
Passados oito anos e o consequente desgaste da administração tucana, é possível que alguns dos fatores históricos de rejeição ao PT e a seu candidato façam menos sentido para a nova freguesia do mercado eleitoral.
Quanto a Serra, é preciso mais tempo para determinar as consequências de sua rejeição. Se ela vier apenas ou principalmente do eleitorado de Lula, significará mais polarização do que teto. Se vier de todos os lados, pode limitar seriamente as chances do tucano na hipótese de segundo turno com sua participação.
É sintomático que, após a artilharia exibida na terça e na quinta, o programa de Serra tenha sido todo "paz e amor" na noite de sábado. Houve mão da Justiça Eleitoral, é verdade, mas, se certeza houvesse, sempre se poderia tirar outro ataque da gaveta.


A repórter RENATA LO PRETE escreve às segundas-feiras nesta coluna.

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