São Paulo, quarta-feira, 23 de outubro de 2002

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FOLCLORE POLÍTICO

No limiar de um novo tempo

RAPHAEL DE ALMEIDA MAGALHÃES

Frequentei este espaço nos últimos dois meses. Puxei pela memória pinçando, ao acaso, episódios esparsos do processo político brasileiro. Desde a campanha eleitoral, em Minas Gerais, que levou o Milton Campos ao governo (desde, portanto, meus 16/17 anos), tenho participação política ativa. Pintando a rua com cal roubada de uma obra em Belo Horizonte, distribuindo panfletos na porta de igrejas ou subscritando envelopes com cédulas eleitorais. E, depois, participando de conselhos das campanhas majoritárias ou sendo eu próprio candidato. São mais de 50 anos de janela. Nesse caleidoscópio particular fui reconstituindo a vida pública brasileira da mistura com a minha própria. Reconstituí a posse de Milton Campos a resistir, sereno, a tentativa de um botim partidário do seu governo que começou e terminou com o mesmo secretariado -pluripartidário, mas constituído, sem exceção, por nomes de sua escolha e confiança. Relembrei a sua saída do governo, passando o cargo ao Juscelino Kubitschek, com um discurso mordaz, mas elegante, em que recorda as origens políticas de seus sucessos -prefeito nomeado no Estado Novo e exalta as virtudes do mandato político com fundamento no voto popular, celebrando a alternância no poder com fundamento de democracia.
Passo a passo, desde 1950 -quando votei para presidente pela primeira vez- até agora, com voto eletrônico, a paixão política temperada, a emoção cívica abafada pelos marqueteiros de plantão, estou no limiar de assistir e testemunhar a primeira vitória, direta e sem rodeios, de um partido de esquerda elegendo um candidato próprio, de origem popular, forjado na luta social, um ex-retirante nordestino.
Fecho estas reminiscências assinalando este momento único da história brasileira -a tomada do poder político pelo voto popular de um partido de esquerda que se manteve na oposição desde a sua fundação, guardando a sua identidade intacta e vindo a se constituir, no final, num instrumento de esperança da maioria no anseio por mudança que sacode o país. Eleitor de Serra, desejo ao PT e aos seus eleitores toda felicidade do mundo nesta hora verdadeiramente revolucionária em que ingressa o país por força, inclusive, de uma reação coletiva aos ideólogos de verdade única, e do fim da história.


RAPHAEL DE ALMEIDA MAGALHÃES, 71, ex-governador da Guanabara e ex-ministro da Previdência do governo Sarney, escreve às quartas nesta seção


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