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REGRAS DO JOGO
Revolução dos bichos
LUÍS FRANCISCO CARVALHO FILHO
É auspicioso ter dois candidatos à Presidência da República com a formação e o preparo de Lula e Serra. Não são aventureiros. Têm visão histórica do
Brasil. São dois homens capazes,
cada qual a seu modo, de governar com altivez e de estabelecer
bases para a inclusão social de
milhões de pessoas que hoje vivem na fronteira da mais absoluta miséria. Sabem da complexidade desse grande desafio.
Talvez seja ingenuidade imaginar que pudesse ser diferente.
Mas Lula e Serra são melhores
-infinitamente melhores- que
os candidatos Lula e Serra que estão expostos ao crivo do eleitor.
Em "A Revolução dos Bichos",
de George Orwell, a violação de
princípios se dá após a tomada do
poder. No processo eleitoral, é instrumento de aquisição do poder.
Lula e Serra, diferentemente de
suas candidaturas, devem olhar
com desconforto íntimo as notícias sobre a concessão de uma
emissora de TV para Gugu Liberato ou sobre a exploração eleitoral de programas sociais da prefeitura de São Paulo e do governo
de Mato Grosso do Sul.
Serra e Lula, homens progressistas, devem sentir certo incômodo
pessoal a cada cerimônia evangélica, indicativa de que, por exemplo, a idéia da união civil entre
homossexuais não é "prioridade".
Diferentemente de suas candidaturas, Lula e Serra devem padecer algum tipo de constrangimento ao abraçar os Sarney,
ACM e Roriz, que personificam o
que há de mais atrasado no país.
Protegido por uma blindagem
política extremamente eficaz, tarefa facilitada pela queda da popularidade do governo FHC e pelo desejo generalizado de mudança, Lula caminha para a vitória
com a promessa, não para o eleitorado, mas para a oligarquia e
para a elite empresarial que agora o apóiam, de desconstruir
ideologicamente o PT -o que,
ainda que pareça paradoxal, pode impulsionar seu crescimento
orgânico.
Acossado pela perspectiva de
seu discurso não ser ouvido pela
multidão de eleitores, tarefa aparentemente impossível pela falta
de popularidade do governo FHC
e pelo desejo geral de mudança,
Serra e o PSDB se apóiam no senso comum em matéria de medo e
de segurança pública.
Lula deu o tom do segundo turno ao recusar o debate com o oponente. Quem diria? Não explicita
nada de seu pensamento e, como
que por encanto, não perde um
voto sequer. Serra clama pelo debate, acusa o adversário de dissimulação e, como que por encanto, ninguém o escuta.
A imprensa, ainda movida pela
intenção de revelar "escândalos",
indicou, aqui e ali, ingredientes
do processo de despurificação das
duas candidaturas, mas não soube transmitir as dimensões verdadeiras dessa catarse eleitoral pelo
avesso.
Entre as muitas pautas não publicadas pelos grandes jornais, está o conteúdo do diálogo político,
silencioso e tenso, entre Lula e
Rainha, líder do MST, que, dizem, mofa em alguma cadeia do
interior de São Paulo.
Quem sabe, para vencer, seja
necessário ceder ao furor mercadológico. Talvez iludir, enganar,
seja uma das regras do jogo. Há
quem diga que eleição é eleição,
que governo é governo e que sempre haverá momentos de reafirmação de princípios após a posse.
Pode ser tarde.
A solidão e a melancolia que
costumam vitimar nossos governantes em fim de mandato não
são culpa do arquiteto do Palácio
da Alvorada -tão austero e tão
bonito.
lfcarvalhofilho@uol.com.br
LUÍS FRANCISCO CARVALHO FILHO,
advogado criminal e articulista da
Folha, escreve às quartas nesta coluna
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