São Paulo, domingo, 23 de outubro de 2005

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CAMINHO DAS ÁGUAS

Primeiras indenizações por desapropriações já foram pagas pelo governo federal em dois municípios do Ceará

Fortaleza é maior beneficiária da transposição

MARTA SALOMON
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

KAMILA FERNANDES
DA AGÊNCIA FOLHA, EM CARIRI (CE)

Principal peça na defesa da transposição do rio São Francisco, o argumento do governo de que o projeto levará água a 12 milhões de pessoas na região mais atingida pelas secas é baseado em estimativa da população moradora nas cidades localizadas na área de influência do projeto em 2025. Um terço do total refere-se à população que Fortaleza terá em 20 anos, o que faz da capital do Ceará a principal beneficiária da obra.
Apenas uma parte menor da conta do governo -cerca de 400 mil pessoas- está fora das cidades, nas margens dos canais ou de rios que contarão com as águas do rio em seus leitos, segundo o Ministério da Integração Nacional.
Ao longo dos mais de 700 km de canais de concreto a serem construídos na caatinga, deverão ser beneficiadas logo após a conclusão da obra cerca de 70 mil pessoas, afirma ainda o ministério.
Mapeamento feito pelo ministério na área total dos municípios alcançados pela primeira etapa do projeto de transposição mostra que, numa área total de 2 milhões de hectares, há 45 mil hectares de terras próprias para a agricultura; 64 mil hectares são considerados "moderadamente" aptos para a agricultura e outros 23 mil hectares dependeriam de projetos de irrigação mais sofisticados e caros. O restante seria reservado à preservação ambiental.
O ministro Ciro Gomes confirma que o abastecimento das cidades é "a razão de ser" do projeto. "A transposição não vai acabar com a seca, nem é a resposta para toda a população do semi-árido, mas vai permitir que 12 milhões de pessoas passem a conviver com a seca", insiste.
Em pequenos povoados do semi-árido, segundo Ciro, a saída apontada pelo governo para remediar os efeitos da seca é a construção de cisternas. "A transposição não resolve o problema real das populações difusas", disse.
O primeiro impacto do projeto será sentido por cerca de 700 famílias que serão deslocadas de suas terras para dar passagem à obra. As primeiras indenizações foram pagas em dois municípios ao sul do Ceará: Brejo Santo (a 540 km de Fortaleza) e Mauriti (a 515 km da capital). Os pagamentos, que começaram no fim do mês passado, já somam R$ 733 mil.
Essas famílias preferiram indenização em dinheiro à transferência para as vilas de reassentamento a serem construídas pelo Ministério de Integração Nacional.
De acordo com o Siafi (sistema de acompanhamento de gastos do governo), R$ 11,6 milhões dos R$ 43,7 milhões que a lei orçamentária autoriza para despesas com indenizações em 2005 já eram objeto de empenho (passo preliminar aos pagamentos).
Além do Ceará, Pernambuco e Paraíba têm áreas de desapropriação na primeira etapa do projeto, onde também serão construídos canais para o transporte de água do rio, pelo eixo leste, com captação na cidade de Floresta (PE).
Para o eixo norte, a água será tirada em Cabrobó (PE). Na segunda etapa do projeto, a água será levada ao Rio Grande do Norte.
As primeiras indenizações liberadas foram para os casos em que não houve reclamações contra a avaliação feita pelo ministério.
Pendências legais, como a falta de documentos de propriedade e imóveis hipotecados a bancos, atrasam novos pagamentos.
Nenhuma das áreas de Brejo Santo e Mauriti onde já foram pagas as indenizações sofre com a falta d'água crônica. Em Mauriti, as propriedades têm acesso à água por meio de poços perfurados.
Em Brejo Santo o abastecimento é garantido pelo açude Atalho, que nunca secou e que também receberá águas do São Francisco.
"Aqui a gente tem água, mas é até egoísmo pensar em se opor a uma obra dessas, porque mais adiante o povo não tem água de jeito nenhum", disse José Sávio Martins Sampaio, 45, dono de uma fazenda que foi parcialmente desapropriada em Mauriti.


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