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São Paulo, domingo, 23 de novembro de 2003

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Fazenda repete diagnóstico de FHC

ANTÔNIO GOIS
DA SUCURSAL DO RIO

JULIA DUAILIBI
DA REPORTAGEM LOCAL

O documento preparado pelo Ministério da Fazenda para discutir o destino dos gastos sociais federais repete o mesmo diagnóstico feito pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso durante seu governo (1995-2002).
O estudo, intitulado "Gasto Social do Governo Central: 2001 e 2002", concluiu que o governo federal já gasta muito na área social, mas que parte do dinheiro acaba sendo apropriada pelos mais ricos. Para chegar à conclusão, o documento, assinado pelo ministro Antonio Palocci Filho (Fazenda) e pelo secretário de política econômica, Marcos de Barros Lisboa, compara o gasto social do Brasil com o de outros países.
Estão no estudo exemplos como o investimento público nas universidades federais, a desigualdade na Previdência e as deduções dos gastos com educação e saúde no Imposto de Renda da Pessoa Física e da Pessoa Jurídica.
As teses são polêmicas dentro da administração petista, mas já circulavam com mais tranquilidade no meio tucano desde o primeiro mandato de FHC. Em discurso para seus ministros em 7 de maio de 1996, o então presidente fez o mesmo diagnóstico.
"O gasto social do Brasil, comparado com outros países, é elevado. Não adianta aumentar o gasto. O gasto social é elevado porque ele é mal distribuído. As políticas não são eficientes para atender às camadas que mais necessitam", disse FHC na ocasião.
A verba destinada às universidades federais é um dos pontos citados como direcionamento do gasto para os mais ricos. "Cerca de 46% dos recursos do governo federal para o ensino superior beneficiam apenas indivíduos que se encontram entre os 10% mais ricos da população", diz o estudo.
"Fico pasma de ouvir órgãos governamentais desse governo repetirem um discurso que imaginava já ultrapassado e de forte viés ideológico. Eu pensei que esse fosse um discurso de ontem, e não do PT", afirmou a presidente da Andifes, que representa os reitores federais, Wrana Panizzi.
Para o economista João Saboia, diretor-geral do Instituto de Economia da Universidade Federal do Rio de Janeiro, o local adequado para discutir política social não é no Ministério da Fazenda.
"Nada impede que um secretário do ministério escreva um documento, mas o ideal é que isso seja discutido nas entidades e nos órgãos da área. A preocupação de quem está ligado à Fazenda não é a política social do país, mas sim resolver o problema das contas e do superávit primário", disse.
Para Paulo Elias, professor da Faculdade de Medicina da USP e especialista em políticas de saúde, o documento erra ao ter um enfoque fiscal. "O sistema de saúde não existe para diminuir custos. E sim para responder às necessidades. É melhor que seja barato, mas esse não pode ser o objetivo."
Marcelo Neri, chefe do Centro de Políticas Sociais da Fundação Getúlio Vargas, discorda: "É altamente positivo o fato de o Ministério da Fazenda falar da área social com mais convicção. Isso talvez seja uma característica do PT. O que está no documento é uma tese que muitos pesquisadores já defendiam. O Brasil não gasta pouco na área social. Gasta mal".
Simon Schwartzman, ex-presidente do IBGE no governo FHC, concorda com as principais teses do estudo. "O documento levanta um ponto importante. O recurso hoje é esse e, comparando com outros países, não é pouco, mas é certamente mal distribuído."

Focalização
Saboia critica a confrontação que se faz entre a focalização (direcionar os gastos públicos para os mais pobres) e a universalização (garantir acesso a todos): "Algumas políticas têm que ser universais e outras devem ser focalizadas. É preciso ter políticas universais para a previdência, para a saúde e para a educação, até mesmo para o ensino superior".
O ex-ministro das Comunicações, Luiz Carlos Mendonça de Barros, segue o mesmo raciocínio. "A população deve cobrar do Estado a eficiência seja ela na focalização seja na universalização."
No primeiro caso, diz ele, está a saúde: "É difícil separar quem tem direito à universalização de quem não tem". A educação deve ter caráter universal, mas também exigir contrapartida, como a prestação de serviços, dos alunos com renda mais elevada.
Neri defende a focalização, mas afirma que o debate não pode se restringir ao tema: "Não basta fazer com que os recursos realmente cheguem aos mais pobres. O grande desafio é ter certeza de que isso será capaz de transformar a vida de quem recebe o benefício".
O filósofo José Arthur Gianotti é a favor, por exemplo, da focalização dos gastos com pesquisas.
"Temos de ver onde somos competitivos e onde não somos. Não podemos tentar ser grandes produtores de salmão nem de certos tipos de ciência, onde não temos equipamento nem capital."
Para o deputado petista Roberto Gouveia (SP), da área da saúde, o ponto positivo do documento é o questionamento das deduções do IR. "Elas atingem gastos com a área privada. Criam segmentação na sociedade e leva menos recursos para o SUS", disse.
Mendonça de Barros discorda: "A dedução do IR de gastos com educação e saúde não é renúncia fiscal. É quase uma renúncia de gasto social. Se o sujeito não tiver possibilidade de pagar o serviço de saúde privado, ele vai para o público e o pressiona mais".

Educação
Schwartzman é autor de um estudo que compara o perfil dos universitários da rede pública com o dos alunos das instituições particulares a partir da Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) de 2001 do IBGE.
O estudo mostra que o perfil do estudante da rede privada (renda média familiar de R$ 3.236) é mais elitista do que o da pública (R$ 2.436). Isso não significa, segundo o autor, que a rede pública não seja elitista.
Para Saboia, da UFRJ, o fato de os estudantes da rede pública terem perfil elitista não justifica a cobrança de mensalidade para os que podem pagar.
Panizzi avalia que o documento erra ao considerar os recursos da educação como gasto, não como investimento.
"Hoje, os aviões são o terceiro item mais importante de nossa pauta de exportação. A Petrobras, que produzia 155 mil barris de petróleo por dia em 1973, produz 1,5 bilhão. Nos últimos dez anos, nossa produção de grãos cresceu 76%, enquanto a área cultivada aumentou apenas 22%. Esses avanços só foram possíveis porque as universidades públicas formaram quadros e investiram em pesquisa", afirma.


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