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São Paulo, domingo, 23 de novembro de 2003

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ELIO GASPARI

A ekipekonômica abriu o debate e ele continua

A Secretaria do Trabalho da Prefeitura de São Paulo oferece ao distinto público um documento intitulado "Desigualdade de Renda e Gastos Sociais no Brasil: Algumas Evidências para o Debate". Seu autor é o secretário, professor Márcio Pochman. É uma resposta ao texto "Gasto Social do Governo Central: 2001-2002", de autoria de nove doutores da ekipekonômica, assinado pelo ministro Antonio Palocci Filho, que foi ao ar há dez dias. Ambos estão na internet.
Ainda bem que o debate aconteceu, porque o manifesto da ekipekonômica diz coisas capazes de constranger Herodes. Por exemplo: "Em resposta ao aumento das despesas primárias do governo central, principalmente com a Previdência Social, a carga tributária aumentou 3,5% do PIB no período de 1999 a 2002".
Ou seja: a tunga tributária do tucanato deveu-se principalmente à choldra dos aposentados (FFHH e Lula aí incluídos, ambos postos à sombra da Viúva antes de completar 60 anos). As tabelas do doutor Palocci demonstram a rapina que os aposentados do andar de cima fazem no de baixo. Se Lula as visse, devolveria os R$ 3.400 que acrescenta mensalmente aos R$ 6.800 da Presidência.
A ekipekonômica sabe que, entre janeiro e setembro deste ano, a Viúva pagou R$ 87,1 bilhões de juros (ou 7,8% do PIB) contra R$ 711,1 bilhões (ou 6,3% do PIB) em benefícios previdenciários. Pela primeira vez na história, a doce banca conseguiu custar mais caro que a Previdência.
O estudo da secretaria paulistana lembra que, entre 2001 e 2002, as despesas do governo federal com juros bateram, de longe, as despesas sociais de natureza não contributiva. (Aquelas que não resultam da devolução de um dinheiro que a patuléia foi obrigada a entregar ao governo, como os pagamentos à Previdência.) Em 2002, as despesas com juros cresceram 32%. Os gastos sociais não contributivos ficaram onde estavam, pouco acima dos 6% do PIB.
Até aí, a discussão indica que, no seu nono ano de mandarinato, a ekipekonômica já mostrou que é chegada a uma ruína social, desde que a banca não se aborreça com isso. Nada de novo.
O confronto dos documentos surpreende quando chega ao capítulo do ensino.
A ekipe diz que, em 2002, o governo federal (chama-o de central, mas isso é coisa de burocrata internacional ou de bolchevique bem-educado) desembolsou cerca de 70% de seus gastos diretos com "o ensino superior [e] 13% com o ensino fundamental".
Um absurdo. Gastar seis vezes mais com os doutores do que com as crianças pobres. Absurdo se fosse verdadeiro. São os governos estaduais e municipais que pagam cerca de 80% do custo do ensino fundamental. As universidades custam ao governo federal 0,5% do PIB, contra 2,1% no Chile e 1,2% na Itália.
Os dois trabalhos são instrutivos e revelam visões distintas de um mesmo problema. Se a ekipe tivesse qualificado melhor seus números da educação, seria possível dizer que são intelectualmente rigorosos.
O melhor momento da discussão talvez esteja numa tabela onde se aprende o seguinte:
- Se o Estado brasileiro não existisse, sumiriam o INSS, o Banco Central e a Receita Federal. Nesse caso, a renda média dos 10% mais ricos seria 38 vezes maior que a dos 10% mais pobres. Atenção: um metalúrgico que ganha R$ 2.000 por mês está entre o que se denomina de "10% mais ricos". Quem tem uma renda média de R$ 10 mil, como Lula, fica no grupo do 1% mais rico.
- Havendo Estado, o andar de baixo ganhou um refresco com os programas sociais e a Previdência. A relação melhorou. Os mais ricos ficaram só 33 vezes mais abonados.
- Ela melhora de novo quando o Estado vai ao andar de cima e toma impostos diretos, como o de renda. O índice cai para 27. Nos Estados Unidos e na Europa, essa relação não chega a 20.
- Pindorama parecido com os EUA? Nem pensar. A cavalaria socorre os abonados dando-lhes a remuneração financeira. Os juros do governor Henrique Meirelles. Feito isso, os 10% do andar de cima ficam 29 vezes mais ricos que a patuléia. Será pouco?
- É pouco. Chegam os impostos indiretos. O ICMS dos BigMacs do dono da Mercedes e de seu motorista ou o IPI dos DVDs de Ronaldinho e do gandula. Ao fim dessa conta, os 10% mais ricos têm uma renda média 34 vezes maior que a dos 10% mais pobres. Mexeu, mexeu e ficou tudo igual.
Pelo andar da carruagem, a ekipekonômica resolverá o problema chamando de pobres as pessoas que vivem tensas por conta do câmbio, dos juros e da blindagem do carro. Passam a ser ricos aqueles que, livres desses constrangimentos, ainda recebem ajuda do governo. É uma maneira de ver o mundo.
Serviço. Os dois documentos estão nos seguintes endereços:
O de Palocci e sua equipe: www.fazenda.gov.br
O de Pochman e sua equipe: www.trabalhosp.prefeitura.sp.gov.br

Dirceu Bonaparte

O comissário José Dirceu decidiu invadir a Rússia. Quer processar o professor Francisco de Oliveira. Contratou advogado para ver se ele o chamou de "safado" e "espertalhão" durante uma palestra na UFRJ.
Chico de Oliveira tem a pertinácia da palma de caatinga. Maior a adversidade, maior a sua resistência. Foi nesse espírito que, em 1979, ajudou a fundar o PT.
O professor vai brigar.


Anaconda neles

A Receita Federal pode ajudar a polícia a destrinchar as maracutaias tributárias dos laboratórios que se organizaram para enfrentar o lançamento dos remédios genéricos.
Coisa assim: os laboratórios eram contra, viram um sinal no céu e ficaram a favor.

Grande PSDB

O PSDB é isso. Faz a sua primeira convenção sem a presença de FFHH, seu monarca por oito anos. Um partido que não sabe o que foi, dificilmente descobrirá o que vai ser.

É um livro, um álbum ou um passeio?

Um presente da natureza. Chama-se "Itatiaia - O Caminho das Pedras". É o livro de 240 páginas e 200 fotografias do jornalista Marcos Sá Corrêa. Desde 1998 ele se embrenha sistematicamente na floresta atlântica do Parque Nacional de Itatiaia. Ensina aos brasileiros que no quilômetro 317 da via Dutra está a entrada de um tesouro da natureza. (As espécies de borboletas, contadas, chegaram a 10 mil.)
Fizeram de tudo para destruir essa mata. Cinco séculos de extração predadora, café, gado e queimadas destruíram quase tudo. Sá Corrêa mostra esse tesouro associando-o a um ensaio histórico-ecológico em que aparecem Claude Levi-Strauss subindo as Agulhas Negras de sobretudo e cachecol e a princesa Isabel conhecendo o lugar com um guia francês.
A beleza das fotografias de Sá Corrêa levam a pensar quanto tempo ele desperdiçou, como repórter político, observando senadores, deputados, presidentes e generais. Faz muito mais pelo bem de sua alma e pela cultura nacional observando macacos-prego, ouriços, sanhaços e sapos. Mostra lagartas que parecem saídas da Maison Cartier e uma taturana Armani. Uma mariposa usa o vestido de Marilyn Monroe no aniversário de John Kennedy.
O livro termina com uma prestação de contas fotográfica. Dá a quem lê a impressão de que basta comprar a máquina, subir a serra e clique. É o golpe de Fred Astaire: "O segredo é dar a impressão de que é fácil".
Sá Corrêa dedica o trabalho às pessoas que não sabem o que estão perdendo.

Curso Madame Natasha de piano e português

Madame Natasha tem horror a música. Depois de ter concedido uma bolsa de estudo ao secretário de Energia do Estado do Rio de Janeiro, Wagner Granja Victer, pela assinatura de um "convênio de eficientização da iluminação pública" de Petrópolis, ela se viu obrigada a expandir a rede de laureados.
O doutor Victer aceitou a ajuda, mas remeteu à senhora uma lista de candidatos ao socorro da Rede Natasha. Ela examinou os casos e concedeu bolsas aos seguintes eficienticistas:
- Ao iluminante Luiz Pinguelli Rosa, presidente da Eletrobrás, que mantém o "Programa Reluz de Eficientização da Iluminação".
- Ao escurecente José Mário Abdo, presidente da Aneel, onde está em funcionação o "Comitê Técnico para Eficientização do Uso da Energia".
- Uma bolsa tríplice foi para FFHH e para os ex-ministros Sérgio Amaral, Ronaldo Sardenberg e José Jorge, signatantes do decreto que criou o "Grupo Técnico para Eficientização de Energia em Edificações".
Como diria Rubem Braga, toda vez que se acendem as luzes dos eletrotecas, a língua portuguesa entra em curto-circuito.

A greve de 2004

Um pedaço do governo planeja uma reforma do ensino universitário. Conjugará uma tunga salarial nos professores e, se possível, a cobrança de mensalidades aos alunos.
Outro pedaço planeja evitar uma das maiores greves estudantis de todos os tempos. 2004 é ano eleitoral.

MST made in USA

Saiu no Estados Unidos um bom livro sobre o MST ("To Inherit the Earth" - "Para Herdar a Terra"). Simpatiza com o movimento, derrapa em algumas curvas (chama o general Médici de almirante), mas vale pela sistemática e pelo método dos seus autores. É obra de dois professores. Wendy Wolford, da Universidade da Carolina do Norte, estuda o MST desde 1993, quando foi voluntária nas obras de construção em um assentamento sergipano. Angus Wright leciona ambientalismo na Universidade do Estado da Califórnia.
Dois petiscos:
Sabia que o MST tem 150 mil crianças nas suas escolas?
Sabia que São Paulo tem 240 pontos de pouso para helicópteros? Nova York tem dez.
O livro é uma mistura de caderno de viagens, estudo antropológico e crônica militante. Seu maior mérito está em ensinar que o MST, mesmo quando não dá terra, forma cidadãos.


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