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São Paulo, domingo, 23 de novembro de 2003

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ANÁLISE

Estilos conflitantes do PFL vêm à tona com crise

ELIANE CANTANHÊDE
DIRETORA DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

A crise entre os senadores Jorge Bornhausen (SC) e Antonio Carlos Magalhães (BA), na semana passada, foi oportuna para o PT, porque ajudou a diluir as trapalhadas do governo, mas não teve nada de nova. Ao contrário, foi apenas mais uma e resultado da própria origem e dos estilos conflitantes do PFL.
Bornhausen e um grupo de parlamentares dissidentes do então PDS articularam e fundaram o PFL em 24 de janeiro de 1985. ACM fez um vôo solo de rompimento com o regime militar, não teve nada a ver com a criação do partido e só aderiu a ele um ano depois, em 4 de janeiro de 1986. Aliás, por falta de opções.
Mas, se o grupo de Bornhausen sempre teve o comando formal e programático do partido, ACM manteve um poder mais concreto: o controle da Bahia e sólidos votos no Congresso. Bornhausen é homem de articulação política, e ACM, de palanques e votos.
Enquanto o primeiro sempre tentou ter uma atuação mais estratégica no Congresso, ACM preferiu e prefere uma ação tática. Bornhausen, por exemplo, liderou a votação maciça da quebra dos monopólios estatais e nas reformas privatizantes do governo Fernando Henrique Cardoso e agora sustenta a oposição ao governo Luiz Inácio Lula da Silva.

Interesses baianos
ACM age e arregimenta votos de acordo com interesses mais diretos da Bahia. Ora pode ser a favor do governo Lula, ora contra. E tem canal direto com o chefe da Casa Civil, José Dirceu.
O elo de ACM tanto com Bornhausen quanto com Fernando Henrique Cardoso era o deputado Luís Eduardo Magalhães, seu filho morto em 1998. Depois disso, o velho senador, agora aos 76 anos, rompeu com o governo FHC em 2001, acabou com o mito da "unidade" do PFL e envolveu-se em escândalos.
Por personalidade, estilo e força individual, ele sempre atuou sozinho. Ou melhor, dando as ordens ao seu exército baiano, que começou a registrar defecções depois da morte Luís Eduardo e principalmente depois da renúncia ao mandato sob denúncia de violação dos votos secretos no Senado e, agora, de suspeita de grampos na Bahia.

Imagem do partido
Como presidente do PFL, Bornhausen usa o desgaste de ACM como dado real e como pretexto para excluí-lo dos programas e comerciais partidários veiculados na TV. Poderia "comprometer a imagem do partido". É o pano de fundo para a atual crise.
Se ACM age na base do "manda quem pode, obedece quem tem juízo", Bornhausen é homem de colegiado e tem maioria na Executiva do PFL. Seus principais aliados são o vice-presidente do partido e agora presidente interino, José Jorge (PE), e o líder no Senado, José Agripino Maia (RN), mas ele ganha apoios na Bahia, inclusive do pivô da atual crise com ACM: o líder na Câmara, José Carlos Aleluia.
Se nunca pôde disputar espaço na Bahia com Luís Eduardo, Aleluia não aceita não poder disputar também com o neto de ACM, Antonio Carlos Magalhães Neto, jovem deputado federal em primeiro mandato. A resistência surgiu no site do partido nacional, que publicou entrevista de Aleluia a um jornal concorrente do de ACM, com o título: "ACM Neto ainda tem que aprender".
ACM acusou Bornhausen de "estar roubando o partido" para favorecer facções, e Bornhausen reagiu pedindo a expulsão dele, que sempre foi útil por ter votos e também um problema, por vincular o PFL ao mandonismo, ao caciquismo, ao fisiologismo.
Um precisava de sigla, o outro, de votos. Agora, Bornhausen revela que ACM ameaçou lhe dar uma bofetada. Depois de quase 20 anos de uma convivência forçada e de conveniência, esse casamento foi quase liquidado na semana que passou. Mas a retratação de ACM por meio de carta evitou que chegasse às vias de fato.


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