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São Paulo, domingo, 23 de novembro de 2003

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DIRETAS-JÁ - 20 ANOS

"Democracia resiste à estagnação"

DA REPORTAGEM LOCAL

O movimento das diretas-já alicerçou a democracia brasileira em bases tão profundas que a faz resistir até a 20 anos de estagnação econômica, analisa o sociólogo Francisco Weffort, 66.
Autor de "Qual Democracia?", livro de 1992 no qual analisa as democracias surgidas na América Latina após a falência dos regimes autoritários, Weffort participou da campanha das diretas como o número 2 do PT e aceitou, no final de 1994, ser ministro da Cultura de Fernando Henrique Cardoso.
Weffort, hoje decano do Iepes (Instituto de Estudos Políticos e Sociais), falou à Folha sobre as diretas e sobre o governo Lula, que para ele, reforça a idéia de que a esquerda aprendeu a ganhar eleições, mas não a administrar. (PLÍNIO FRAGA)
 

Folha - Qual a importância história da campanha das diretas-já?
Francisco Weffort
- O movimento pela Constituinte e pelas diretas resultou na grande bandeira da afirmação da democracia política de uma maneira que não acredito que tenha havido em outra época. Fincou a democracia em bases tão profundas capazes de resistir a 20 anos de estagnação econômica. Por mais que haja problemas na sociedade, ela é democrática.

Folha - As diretas-já foram responsáveis pela inclusão dos movimentos sociais na política?
Weffort
- Não pela inclusão dos movimentos sociais, mas da sociedade civil organizada. Foi uma espécie de desaguar para o crescimento da participação da sociedade civil na política. Foi uma tendência embrionária do crescimento dos movimentos sociais na política, mas eles corriam por linhas próprias, apesar de alguns líderes terem participação política.

Folha - O PT errou ao não participar do colégio eleitoral que elegeu Tancredo Neves após a derrota da emenda das diretas-já?
Weffort
- Criticar o PT por não ter aceitado o colégio eleitoral é um anacronismo. Não podia aceitar, porque, se tivesse naquele momento qualquer flexibilidade, abertura, seria engolido. Era um momento de ambiguidade, porque de rigidez do movimento social para garantir um mínimo de individualidade política. A rigidez não era obtusa. Tinha sentido. Lula mandou um telegrama de congratulações a Tancredo, que o recebeu na Granja do Torto, junto comigo, Jacob Bittar e Djalma Bom. Lula fez esse gesto político.

Folha - Como vê o governo Lula?
Weffort
- Quanto ao aspecto democrático, só a possibilidade de Lula se candidatar, vencer, governar e fazer alianças já mostra um ganho extraordinário. Do ponto de vista da cultura política, é bom porque acaba com certo messianismo, sebastianismo da política. Porque se descobre que não dá para fazer milagres, o que é um benefício para a democracia.
Na minha visão, Lula tem obtido êxito com as reformas. Apesar de não ser a que ele quer, a que nós queremos, mas tem obtido êxito na reforma possível. A condução da política econômica também tem sido competente.
A meu ver, o governo tem tido problemas de gestão. Aparecem sinais disso, por exemplo, quando a execução orçamentária só atinge 8% do previsto. Se o dinheiro já é pouco e não se investe nem o que pode....O [filósofo italiano Norberto] Bobbio escreveu que a esquerda aprendeu a ganhar a eleição, mas não a governar.


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