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NO PLANALTO
Companhia de Jesus é reprovada na filantropia
JOSIAS DE SOUZA
DIRETOR DA SUCURSAL DE BRASÍLIA
Os jesuítas aportaram no
Brasil em 1549, pouco depois de Cabral. Começaram catequizando índios. Hoje, vendem
ensino e seus derivativos a uma
vasta clientela bem-posta. Têm
escolas espalhadas por vários Estados.
Dividem o país em regiões. Numa delas, que chamam de região
centro-leste, encontra-se assentada a SEAS (Sociedade de Educação e Assistência Social). Frequenta a lista das 200 maiores filantrópicas do país.
A SEAS tem sede em Belo Horizonte. Esparrama-se por Juiz de
Fora, São Paulo, Goiânia e Brasília. Ao todo, são oito unidades.
Todas geridas por padres jesuítas.
Estima-se que seu faturamento
anual passe dos R$ 40 milhões.
Mero regato a compor a corredeira que faz girar o moinho financeiro da Companhia de Jesus. O
grosso do dinheiro é obtido no ramo de escolas privadas e no comércio de livros.
Portadora de certificado de filantropia da Previdência e de
certidão de utilidade pública da
Justiça, a SEAS, assim como o
restante da grande rede católica
de ensino (1.412 escolas e 34 universidades em todo país), não paga impostos. Em troca, deveria
destinar pelo menos 20% de sua
receita a programas que lançassem bóias aos náufragos sociais.
Deveria, mas...
Fiscais da Receita e do INSS fizeram incursões pela contabilidade da SEAS. Constataram que
a benemerência praticada é ínfima perto do benefício tributário
usufruído: oscila, conforme documentos oficiais, entre 3,2 % e
8,6% da receita. Um despautério.
Em representações endereçadas ao CNAS (conselho filantrópico da Previdência), o fisco e o
INSS pediram a cassação do certificado que mantém os jesuítas
longe dos guichês do erário. Seria
lógico que, munida de dados colecionados por seus próprios fiscais, a representação governista
no conselho (nove membros, de
um total de 18) agisse de modo
coordenado, em defesa dos cofres
públicos.
Em Brasília, porém, muitas vezes a lógica tem cara de lógica,
tem cauda de lógica, mas muge
como absurdo. Quando a SEAS
já se encaminhava para o cadafalso, foi socorrida por alguém
credenciado a atuar como inquisidor.
Chama-se Gilson Assis Dayrell.
Representa no CNAS o Ministério do Trabalho. Notabiliza-se
pela indulgência no trato com
entidades ligadas à Igreja. Pediu
para ver o processo. Saiu-se com
um relatório inusitado: manda
às favas o trabalho da fiscalização. E sugere a manutenção do
certificado filantrópico da SEAS.
Intrigado, João Donadon, que
representa a Previdência no
CNAS, comprou briga com Dayrell. Pediu vista do processo. E jogou sobre a mesa um parecer que
endossa o trabalho dos fiscais e
corrobora o pedido de cassação
do certificado.
Os dados da fiscalização são
eloquentes. A cota de filantropia
da SEAS é artificialmente engordada por gastos como a concessão de bolsas de estudo a dependentes de professores e funcionários, uma obrigação consagrada
em convenção coletiva de trabalho.
O logro foi detectado nas duas
escolas do grupo: o Colégio dos
Jesuítas de Juiz de Fora e o Colégio Loyola de Belo Horizonte, assim batizado em homenagem ao
santo espanhol Inácio de Loyola
(1491-1556), fundador da ordem
religiosa.
Os "gastos" assistenciais são vitaminados também por repasses
monetários feitos a outras entidades filantrópicas e a unidades
do mesmo grupo. Entre as beneficiárias está um apêndice da
SEAS na cidade de São Paulo.
Chama-se Edições Loyola.
Está-se falando de uma das dez
maiores editoras do país. Seu carro-chefe são os livros religiosos.
Mas imprime de obras de auto-ajuda a infantis e didáticos. Sua
carteira de clientes inclui até o
Ministério da Educação.
Analisaram-se os balanços da
SEAS relativos ao período de
1993 a 1997. Expurgadas as impurezas filantrópicas, registraram-se percentuais de benemerência inferiores a 10%. Em ordem cronológica, começando de
1993: 3,20%, 6,70%, 7,09%,
7,90% e 8,60%.
Há mais: embora considere
doações que faz a outras entidades como gastos sociais, a SEAS
exclui do bolo de gratuidades as
doações que recebe de pessoas físicas e jurídicas. Um artifício
contábil que, só entre 1994 e 1997,
expurgou do cálculo de filantropia R$ 26,3 milhões, em valores
da época.
De resto, parte do investimento
"filantrópico" da SEAS serve
mais à Igreja do que à malta.
Drenam-se recursos, por exemplo, para o Instituto Santo Inácio, escola de formação de padres
situada em Belo Horizonte. Ou
para a Vila Fátima, uma chácara
que abriga, nos arredores da capital mineira, uma casa de retiros espirituais e encontros religiosos.
Há também a Casa da Juventude em Goiânia, voltada à "promoção da juventude", seja lá o
que isso signifique. E ainda um
Centro Cultural em Brasília, que
promove cursos de formação espiritual e religiosa frequentados
inclusive por parlamentares.
Em defesa da SEAS, o padre
Bahige Schahin, um dos procuradores da entidade, diz: "No instante em que renovou o nosso
certificado de filantropia, o
CNAS fez publicar no "Diário
Oficial", em 23 de dezembro de
1997, decisão que concluía que
aplicamos em gratuidade 20,1%
da receita bruta. Agora estão
questionando. Mas nós fazemos,
não tenha dúvidas".
O embate entre Gilson Dayrell
e João Donadon, os dois conselheiros governistas do CNAS, gerou uma nova visita do INSS aos
livros da SEAS. Uma espécie de
prova dos nove, ainda em curso.
"Não vão achar nada de errado",
diz o padre Schahin.
A TV brasileira não sabe o que
está perdendo. Transformado
num show à "Big Brother", o
CNAS seria campeão de audiência. É pena que sejam sonegadas
ao público cenas como o barraco
armado entre Dayrell e Donadon, em que o governo sai no tapa consigo mesmo.
Entrada em anos, a trupe do
CNAS, que inclui até uma veneranda freira, não tem muito a
oferecer em termos de músculos e
glúteos. Ainda assim, sabendo-se
patrocinador da fuzarca, o contribuinte não perderia nenhum
lance.
Aos poucos, o conselho social
da Previdência vai assumindo
ares de desnecessário levado longe demais. Será divertido ver até
onde FHC vai permitir que o lodo
escorra.
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