São Paulo, domingo, 24 de fevereiro de 2002

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Apesar do crescimento, programa não atingirá a meta prometida por FHC

Total de equipes de saúde preventiva quadruplicou

AURELIANO BIANCARELLI
DA REPORTAGEM LOCAL

O número de equipes do Programa Saúde da Família na gestão de José Serra no Ministério da Saúde saltou de 3.147 para 13.661. De 1998 a janeiro deste ano, houve um crescimento de 334%.
O programa foi iniciado em 1994 no governo Itamar Franco. No ano da posse do ministro, quatro anos mais tarde, 10,8 milhões de pessoas eram assistidas pelo programa. Hoje, os beneficiados chegam a 47,1 milhões.
Apesar do salto, será difícil que o sucessor de Serra chegue às 20 mil equipes e aos 69 milhões de atendidos até fins de 2002, como era promessa do governo FHC.
De todo modo, os assistidos pelo programa já são 27,7% da população total, contingente que certamente pesará na balança das eleições. O PSF, sigla pela qual o programa da família ficou conhecido, é defendido por todos os adversários de Serra.
Um de seus principais méritos está na relação dos serviços de saúde com o paciente. Enquanto o hospital espera a chegada do doente, os agentes do programa vão até a casa das pessoas.
Cada equipe do PSF é formada por um médico, uma enfermeira, dois auxiliares de enfermagem e cinco agentes comunitários. Atende entre 600 e mil famílias.
O PSF é uma evolução do Programa de Agentes Comunitários, o PAC, implantado oficialmente em 1991 durante o governo Fernando Collor. No PAC, pessoas da comunidade são treinadas para visitar as famílias, tirar pressão, pesar crianças e ensinar cuidados básicos e a fazer soro caseiro.
Nos anos Serra, o número desses agentes saltou de 88 mil para 155 mil, ultrapassando em 5.000 a meta do governo FHC.
A idéia do "agente comunitário" vem ainda dos jesuítas que iam de oca em oca tratando e convertendo indígenas, lembra Gilson Carvalho, especialista em políticas de saúde e que foi secretário de Assistência à Saúde do ministério no governo Itamar Franco.
"O grande incentivador do Programa Saúde da Família foi o Adib Jatene [ex-ministro da Saúde", mas Serra tem o mérito de ampliá-lo rapidamente de tal forma que a um próximo governo não será mais possível desmontá-lo", diz Paulo Elias, professor de medicina preventiva da USP e pesquisador do Centro de Estudos de Cultura Contemporânea.
"Graças ao PSF, vamos ter uma porta de entrada organizada no sistema de saúde", diz Eduardo Jorge, secretário municipal da Saúde de São Paulo, querendo dizer que os pacientes agora chegarão aos hospitais encaminhados pelos médicos do programa.
Eugênio Vilaça Mendes, consultor em sistemas de saúde e autor de várias publicações sobre saúde pública, considera o PSF a melhor solução para a "atenção básica", termo empregado pelos técnicos para indicar os cuidados básicos e preventivos em saúde.
Ele acha, no entanto, que o salto dado nos números não vem sendo acompanhado pela qualidade. Levantamento feito nos números do SUS revelou que 33,3% das internações no ano passado eram "sensíveis à atenção ambulatorial". Significa que um terço de todas as internações poderia ser evitado caso o paciente tivesse recebido a atenção básica adequada.
Enquanto o número de pessoas atendidas pelo PSF de 1998 a 2001 chegou a dobrar, as internações evitáveis caíram apenas 2 pontos percentuais (de 35,2% a 33,3%).
Entre os exemplos mais comuns estão diabéticos que sofreram amputações e hipertensos que precisaram ser hospitalizados por terem abandonado a medicação.

"Recentralização"
Embora tenha dado impulso à atenção básica, a gestão Serra foi marcada por uma "recentralização" das decisões na área da saúde, observam os especialistas. A partir de 98, quando uma nova legislação passou a valer (a Norma Operacional-96), os municípios começaram a perder a autonomia sobre os destinos das verbas que recebiam. Até então, as cidades grandes e médias decidiam onde aplicariam o dinheiro.
Hoje, Brasília condicionou a distribuição desses recursos ao cumprimento de mais de 80 programas. São campanhas de cirurgia de catarata, de varizes, do câncer do cólon do útero, do câncer de próstata, do combate ao mosquito da dengue etc.
"Ao fazer isso, Brasília subtraiu do nível municipal o poder de decidir suas prioridades", diz Elisabeth Barros, consultora em políticas públicas de saúde e ex-dirigente da Abrasco (Associação Brasileira de Saúde Coletiva). Alguns municípios que necessitavam de especialistas, por exemplo, ampliaram o número de suas equipes do PSF e "repassaram" o dinheiro para esse atendimento.
Para o ministério, a prática de campanhas e mutirões permitiu que milhares de pacientes nas filas fossem atendidos. As cirurgias de catarata passaram de 130 mil para 235 mil, por ano.
O excesso de programas, de burocracia e de portarias estaria também dificultando os repasses do ministério aos municípios. "Prefeitura que não consegue preencher a papelada em tempo hábil fica sem o recurso", diz Gilson Carvalho. Segundo ele, o ministério publicou mais de dez portarias por dia útil em 2000.


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