São Paulo, sábado, 24 de março de 2007

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Franklin critica cultivo de mídia simpática

Futuro ministro de Lula defende circulação plural de idéias, mas diz que ao governo só cabe garantir liberdade de imprensa

Jornalista, que vai chefiar a rede pública de TV, afirma que ela deve ter conteúdo variado e não funcionará com a lógica comercial


Sérgio Lima/Folha Imagem
O jornalista Franklin Martins, 58, que vai assumir pasta de imprensa e publicidade do segundo governo de Lula, concede entrevista à Folha


KENNEDY ALENCAR
DA SUCURSAL DE BRASÍLIA

O jornalista Franklin Martins, futuro ministro das áreas de imprensa e publicidade do governo Lula, diz que esses "guichês serão separados".
Diz, porém, que a imprensa "será criticada sempre que avançar o sinal". Para ele, isso ocorre quando a mídia tenta "puxar a sociedade pelo nariz para um lado e para o outro".
Indagado se o governo incentivaria a criação de órgãos simpáticos, como prega o PT, diz: "Não cabe ao governo plantar, regar e colher veículos de comunicação simpáticos a ele".
Ele defende a criação de uma rede pública de TV, dizendo que ela não deve funcionar com lógica comercial. Diz que o governo poderá indicar a diretoria, mas sem partidarismo. "Senti na conversa com o presidente que é TV pública e não estatal. Plural e não partidária."
Franklin defende um encontro entre Lula e o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso para que se mantenha uma agenda comum nacional, que quase se perdeu na crise do mensalão devido à "luta política" entre PT e PSDB. Diz ter "orgulho" de ter combatido a ditadura militar de 1964. "Lutei do lado certo."
Franklin, 58, acumulará a função de secretário de imprensa com a de ministro até indicar um substituto para o cargo hoje exercido pelo jornalista André Singer. Para porta-voz, nomeará alguém "de fala concisa".
 

FOLHA - Colocar numa mesma pasta a verba publicitária do governo e a relação com a imprensa não traz o risco de tentativa de manipulação política da mídia?
FRANKLIN MARTINS -
Viver é muito perigoso, como dizia Guimarães Rosa. Risco sempre existe, mas não é um risco novo. No governo federal, sempre foi assim. Tivemos casos em que o porta-voz do presidente [diplomata Sérgio Amaral, no governo Fernando Henrique] controlava a publicidade.

FOLHA - No segundo mandato, FHC separou as funções. E Lula as deixou assim até agora.
FRANKLIN -
O Sérgio Amaral controlou a verba de publicidade e isso não resultou em coisa escusa, malandragem. Não houve nada.

FOLHA - Separar publicidade e imprensa não é mais imparcial?
FRANKLIN -
Os guichês serão absolutamente separados. As empresas de comunicação no Brasil, de modo geral e em sua maioria, são empresas sérias. Não aceitariam misturar os guichês. Sou uma pessoa séria e não aceito misturar os guichês. O governo é serio e não aceita misturar os guichês.

FOLHA - Concorda com a tese do PT de que é preciso democratizar os meios de comunicação, estimulando a criação de veículos de comunicação simpáticos ao governo, dando-lhes financiamento?
FRANKLIN -
Essa questão de democratização dos meios de comunicação é uma fórmula na qual cabe tudo. Sou a favor, óbvio. Quanto mais democrática e plural a circulação de idéias na sociedade, melhor. Mas não cabe ao governo plantar, regar e colher órgãos de comunicação simpáticos a ele. Quem cria órgãos de comunicação é a sociedade. O governo tem uma função na relação com a imprensa: garantir a liberdade de imprensa. Ponto. O resto é a sociedade quem faz.

FOLHA - A rede pública de TV não corre risco de virar uma nova Radiobrás ou TV Voz do Brasil? Ela terá qual formato?
FRANKLIN -
Não vai funcionar guiada pela questão comercial. Isso coloca limitações para uma série de TVs que necessitam adquirir uma determinada escala de audiência e respondem a estímulos comerciais porque são empresas que visam lucro. As televisões privadas não podem fazer determinadas programações que são importantíssimas.

FOLHA - Não é importante ter audiência?
FRANKLIN -
É importante. Eu estou falando de escala de audiência. Não tem obrigação de concorrer para liderar a audiência no horário nobre.

FOLHA - Quem vai escolher a diretoria da TV?
FRANKLIN -
Evidentemente, a escolha inicial parte do governo. Mas o governo não precisa escolher os partidários do governo. O que senti na conversa com o presidente é uma TV pública e não estatal. Plural e não partidária. Aberta para contribuição e presença das diferentes identidades regionais e não com uma programação com uma cara só. Com programação variada, com jornalismo, com parte cultural voltada para cidadania.

FOLHA - As primeiras reações de parte dos veículos privados têm sido de reticência.
FRANKLIN -
Foram reações próprias de um debate inicial. Editoriais, como os da Folha, criticavam a TV do governo, mas, se for uma TV pública, a coisa muda de figura. O que mais quero como ministro da comunicação social é ajudar a qualificar o debate político, o debate público. Pode haver gente tão a favor da liberdade de imprensa quanto eu, mais a favor não tem. A imprensa não está numa redoma. O presidente pode ser criticado, o ministro, o papa, a imprensa pode ser criticada e será criticada sempre que avançar o sinal. Quando isso ocorre? Quando vai além do trabalho de dar informação, de fazer circular a informação e de aumentar o debate público. Quando pretende puxar a sociedade pelo nariz para um lado e para o outro. Essa não é uma função da imprensa.

FOLHA - O sr. identifica veículos que avançam sinal hoje?
FRANKLIN -
A sociedade pode fazer essa crítica. Não sou eu quem devo fazer.

FOLHA - Como ministro, o sr. manterá o processo contra o jornalista Diogo Mainardi?
FRANKLIN -
Vou.

FOLHA - Por quê?
FRANKLIN -
Não estou fazendo nada contra a liberdade de imprensa. Manter o processo contra esse senhor não tem nada a ver sobre o que eu penso ou o que ele acha que eu penso. É um direito que ele tem. Ele me acusou de crimes, de ter praticado tráfico de influência e de ter participado da quebra de sigilo do caseiro Francenildo Costa. Sem nenhum elemento.
Mais do que isso, ele e a revista dele ["Veja"] se recusaram a publicar a minha resposta. Que liberdade de imprensa é essa na qual um lado fala e nem sequer publica o outro lado?
Fiz o que se faz no Estado de Direito. Quando se acha que sua honra foi atingida, se recorre à Justiça.

FOLHA - Como ministro, não ganhará mais peso esse processo em seu favor?
FRANKLIN -
A Justiça não vai agir assim porque sou ministro. Pelo ritmo no Brasil, a Justiça só terá julgado esse processo depois que eu deixar de ser ministro. Ele terá toda a oportunidade de provar todas as acusações. E, se for isso, quem vai ficar mal sou eu.

FOLHA - Esse episódio foi determinante para a sua saída da Globo?
FRANKLIN -
Fiz essa pergunta à direção, e eles disseram que não. A alegação que me deram é que eu estava com imagem fraca como jornalista. Eu disse a eles que achava que a explicação não me convencia. A pergunta tem de ser feita à Globo.

FOLHA - Como o sr. pretende se relacionar com a Globo?
FRANKLIN -
Quem olha para trás vira estátua de sal. Será um relacionamento profissional.

FOLHA - Qual é a sua avaliação da cobertura da imprensa a respeito do governo Lula?
FRANKLIN -
Vou falar como acho que deve ser daqui para frente. Profissional, séria, crítica, sem preconceito.

FOLHA - O sr. participou da luta armada contra a ditadura militar de 1964. Como avalia hoje aquele período? Arrepende-se de algo? Faria diferente?
FRANKLIN -
[Faria] muitas coisas diferentes com a visão que tenho hoje. Não me arrependo do central. Lutei do lado certo. Lutei ao lado da democracia contra a ditadura.


Leia versão ampliada da entrevista

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