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ENTREVISTA da 2ª/GAY TALESE
Nos EUA, os piores presidentes não tiveram amantes
Autor de "A Mulher do Próximo" diz que americano não está mais moralista e que falar de sexo simplifica a política
Paul Hawthorne - 12.jan.05/Getty Images
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O escritor e jornalista americano Gay Talese, que escreveu livro-reportagem sobre sexo nos EUA |
DANIEL BERGAMASCO
DE NOVA YORK
GAY TALESE está resfriado. Telefona para o
repórter da Folha, atendendo ao pedido
deixado na secretária eletrônica, e avisa,
raspando a garganta: "Me resfriei e vou
viajar, não posso receber você em casa. Mas posso falar agora sobre o Spitzer, tenho poucos minutos", diz
o escritor de 76 anos, um dos pais do jornalismo literário, autor de reportagens antológicas reunidas nas
coletâneas "Aos Olhos da Multidão" e "Fama e Anonimato" e de obras como "O Reino e o Poder", sobre o
"The New York Times", onde atuou como repórter.
Talese diz que a sociedade
americana não está mais ou
menos moralista desde que ele
publicou em 1980 "A Mulher
do Próximo", livro-reportagem
que retrata a transformação sexual e moral dos Estados Unidos entre as décadas de 1960 e
1970. Contudo, diz, a mídia repete tanto as informações sobre escândalos sexuais que faz
que as pessoas se importem
com eles, como no caso do ex-governador de Nova York Eliot
Spitzer, que, casado, renunciou
no último dia 12 após confirmar que era cliente fiel de uma
rede prostituição. Nesse caso,
afirma Talese, o escândalo foi
bem-vindo.
"Não é que ele esteja vivendo
uma vida tão diferente de muitas outras pessoas, tendo uma
prostituta, uma amante. Mas a
diferença é que ele preconizava
uma posição de moralidade, ele
quis fechar bordéis, e aí aparece
que ele era cliente de bordéis. É
bom que ele seja exposto", diz o
escritor.
FOLHA - O que mudou no moralismo americano entre "A Mulher do
Próximo" e o escândalo sexual do
governador Eliot Spitzer?
TALESE - O moralismo não mudou. A mídia mudou.
FOLHA - De que forma?
TALESE - Quando escrevi "A
Mulher do Próximo", a mídia
não discutia tanto infidelidade,
não transformava a vida privada das pessoas em colunas de
notícias. John Kennedy foi presidente dos Estados Unidos e
teve muitos casos, mas ninguém escrevia sobre sua vida
sexual. Havia rumores, mas isso nunca foi conhecido, como
foi com Bill Clinton, ou agora,
com o governador de Nova
York, ou com o senador [Larry]
Craig, o homossexual [que renunciou após assediar um homem em banheiro de aeroporto, em 2007]. Na França, quando François Mitterrand foi presidente, não havia discussão sobre seu filho ilegítimo. Mas a
mídia americana publica hoje
sobre qualquer coisa.
FOLHA - Os eleitores levam em
conta o comportamento sexual do
candidato?
TALESE - Não acho que faz diferença nenhuma desde que não
se relacione com seu trabalho.
John Kennedy foi um presidente muito bom e tinha amantes. Bob Kennedy, seu irmão,
tinha amantes. Eram casados e
tinham amantes. Lyndon
Johnson tinha amantes. Eisenhower. Todos nossos bons
presidentes tinham amantes. O
presidente Richard Nixon não
tinha amantes e foi um presidente ruim. Esse cara, George
W. Bush, é um presidente ruim.
E não tem amantes. Entende?
Bill Clinton foi muito bom e teve. Os piores presidentes são os
que não tiveram amantes. Nixon foi o pior de todos os tempos. E Bush é o segundo pior. Se
Bush tivesse amantes, talvez
não estaria matando tanta gente no Iraque e tendo essa politica de destruir a vida de tanta
gente.
FOLHA - O senhor quer dizer que,
se a vida sexual de Bush fosse menos comportada, seu governo seria
melhor?
TALESE - Não digo que seria melhor, mas quando você olha...
Os bons presidentes não eram
pessoas que se "comportavam"
sexualmente. Martin Luther
King tinha muitas amantes.
Matin Luther King! Nós temos
um feriado para ele, ele é um
herói nacional. E tinha muitas
amantes. Muitas. Ele era um
cara mau? Não, não era.
FOLHA - O desrespeito da privacidade dos políticos é sempre ruim?
TALESE - Depende. Não é bom
ou ruim. O que você quer dizer
com bom ou ruim? Spitzer é
um hipócrita, e é bom que ele
seja exposto como hipócrita.
Não é que ele esteja vivendo
uma vida tão diferente de muitas outras pessoas, tendo uma
prostituta, uma amante. Mas a
diferença é que ele preconizava
uma posição de moralidade, ele
quis fechar bordéis, e aí aparece
que ele era cliente de bordéis. É
bom que ele seja exposto. O outro cara que o substituiu [David
Paterson] diz que não tem um
casamento perfeito. Mas quem
tem? Pelo menos ele trouxe um
pouco de verdade para o governo. Spitzer é um hipócrita.
FOLHA - Como repórter, hoje em
dia, você publicaria matérias sobre
esse escândalo?
TALESE - Não vou dizer que não
publicaria, porque, se alguém
mais publicar, você tem que publicar. Você não pode fingir que
não viu, porque todo mundo sabe sobre isso, está na televisão,
nos websites. Se você está no
negócio de publicar jornais,
tem que publicar o que é considerado notícia. É que hoje em
dia tudo é notícia, o que não
acontecia 30 anos atrás. É bom
ou ruim? Eu não sei. O que
acontece é que pelo menos força as pessoas a viverem em coerência com o que dizem.
FOLHA - O sr. avalia mesmo que
nada mudou moralmente na sociedade? "A Mulher do Próximo" mostra, por exemplo, a revista "Playboy" como algo chocante e depois
mais respeitada, mas hoje em dia a
revista é uma instituição americana.
TALESE - Eu mostrava como
aquilo mudou naquela época.
Nós tivemos mudança real nos
anos 1960 e 1970, quando escrevi aquele livro. Pouca coisa
mudou desde então. Exceto
que a mídia fala mais sobre sexo agora porque há mais liberdade para isso. Mas você não vê
pessoas tendo relação sexual
com penetração na TV, não ouve certas palavras na TV. Há
restrição sobre o que você pode
dizer, o que você pode ver. Você
não pode ver homem nu na TV
mostrando o pênis, não pode.
No Brasil também não pode, tenho certeza.
FOLHA - Mas, se a mídia muda, a
percepção da sociedade não muda
juntamente com ela?
TALESE - Eu acho que a mídia
mantém a história viva. Quando Bill Clinton teve uma pequena vida sexual com Monica Lewinsky, isso não tinha nada a
ver com o trabalho dele como
presidente. Não ocupou muito
tempo dele. Mas a mídia fez
uma história enorme, e aí as
pessoas começam a se importar. Lembra que o papa João
Paulo 2º estava visitando [Fidel] Castro naquela época?
Ele estava indo para Havana
e toda a mídia estava lá para cobrir o papa. Quando houve o rumor de que o presidente Clinton teve esse pequeno caso sexual no Salão Oval, todo mundo
deixou Havana. Toda a mídia
foi embora. E o papa não tinha
com quem falar. Não havia cobertura de Castro encontrando
o papa. A mentalidade da mídia
está toda voltada para escândalos sexuais. A mídia conduz a
história.
FOLHA - Por quê?
TALESE - Sexo não é complicado. Política é complicado. Na
campanha, veja, as pessoas
não ligam para propostas.
Elas gostam de histórias simples, escandalosas, com o
mais baixo, o menor denominador comum. E a mídia provê isso. A mídia é que conduz a
história.
FOLHA - Mas por que o governador
renunciou, se as pessoas não se importam tanto assim?
TALESE - A mídia faz as pessoas
se importarem, porque repete,
repete, repete e repete a história. Fica batendo até a morte. A
mídia quer manter a história.
Acho que é bom que Spitizer tenha sido exposto como hipócrita, porque é. Já Bush não é um
hipócrita sexual, mas é hipócrita em várias outras formas.
FOLHA - Em que formas?
TALESE - Ele diz que estamos
tentando levar democracia
para o mundo. E não estamos.
Estamos invadindo o mundo,
forçando eles [outros países] a
se ajustarem a nossa política.
A administração de Bush critica os chineses em direitos
humanos, e nós invadimos os
países de outras pessoas e levamos atrocidades para esses
países. Não estamos em uma
posição em que podemos dizer que somos melhores que
os outros. Somos piores, de
certo modo.
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