São Paulo, quinta-feira, 24 de maio de 2007

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JANIO DE FREITAS

No conjunto da obra

A atual modalidade de concorrência pública deu e dá margem a crimes sem fim

A S MUDANÇAS na Lei de Licitações, propostas pelo governo, já aprovadas na Câmara e agora em curso no Senado, nem de longe resolvem o problema das fraudes em concorrências públicas, particularmente as de obras cujo custo atrai grandes empreiteiras. Se o governo Lula tinha também o propósito de reduzir a imoralidade das concorrências, e não só o de agilizá-las para o seu Programa de Aceleração do Crescimento, precisaria ter estudado mais o assunto, pesquisar os truques da corrupção para restringi-los, de fato.
No boletim que publica como matéria paga, o "Janela" já está no 13º ano e na edição 683, o SindusCon, sindicato das empresas de construção de São Paulo, cobra dos senadores algumas "correções" no projeto, "sob pena de o Estado ficar legalmente impedido de contratar os melhores bens e serviços pelo melhor preço". Não se trata aqui de discutir as intenções do SindusCon, sejam quais forem, mas de fazer algumas observações, forçosamente ligeiras, sobre "correções" que deseja.
Uma delas é a exclusão do exame de preço como primeira etapa da concorrência, para depois ser verificada a habilitação técnica da empresa que propôs o melhor preço. Tal ordem, segundo o SindusCon, "abre o risco de contratação de empresas sem condições de executar a obra ou que a abandone pela metade". O argumento não é verdadeiro. O início da concorrência pela constatação do melhor preço não exclui, no projeto que o Senado examina, a verificação posterior da habilitação técnica. Se nessa segunda etapa o proponente do melhor preço não for aprovado, o segundo melhor preço entra em pauta, para exame de sua habilitação.
A vigente precedência do exame técnico tem sido importante para a longeva fraudulência nas licitações. De saída, pela margem que oferece para já no edital ser dirigido o resultado. Aqui mesmo revelou-se, na série de concorrências desmascaradas, o truque de um mínimo quesito intrometido em longo e complexo edital: para a aprovação técnica, era necessário ter a experiência de colocação de 20 mil m2 de piso de granito. Quem sabe colocar um metro quadrado está apto a fazê-lo em qualquer dimensão. Mas, como foi mostrado aqui, era o quesito quase imperceptível que decidia a concorrência: só a construtora Andrade Gutierrez tinha os 20 mil m2 para exibir, na construção do novo aeroporto de Belo Horizonte. A revelação levou a anularem aquela concorrência, mas as artimanhas de editais não se extinguiram ali.
Depois de truques como aquele, o preço pode ter a altura que tiver, porque os demais candidatos já estão eliminados. Outro fator contrário à precedência do exame técnico é facilitar a dúvida, a priori, sobre os que exponham menos exuberância técnica, embora suficiente. Mesmo que seu preço seja melhor e a habilitação atenda ao exigido, a grandiosidade, o prestígio e a força política do outro concorrente facilitam a deformação do resultado.
Em sentido oposto, o SindusCom argumenta que, se primeiro for feita a escolha a empresa com o melhor preço, "muitos administradores públicos se sentirão constrangidos a inabilitá-la, caso ela não atenda a todas as demais exigências". Só se esses administradores públicos estiverem dispostos a ver-se denunciados e a enfrentar processos criminais por prevaricação ou improbidade.
Por fim, apesar de haver muito mais a ser considerado e dito, a evidência é que a atual modalidade deu e dá margem a crimes sem fim, sob o nome de concorrência pública. Quem se impressiona com os feitos da Gautama não faz idéia, ainda bem, do quanto são pouco expressivos no conjunto da obra desta e outras empreiteiras. E governos.


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