São Paulo, domingo, 24 de junho de 2001

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SUCESSÃO NO ESCURO

Presidenciável se vê vítima de preconceito paulista e diz que Tasso tem perfil de seu ministro da Fazenda

Ciro teme histeria moralista na campanha

RENATA LO PRETE
DA REPORTAGEM LOCAL

É improvável que se ouça Ciro Gomes declarar hoje, ao menos em público, algo como "Fernando Henrique não rouba, mas deixa roubar", frase sua que tanto barulho causou no ano passado.
A um ano e três meses da eleição, o pré-candidato do PPS à Presidência repete que sempre defendeu a honestidade, mas diz esperar que a "histeria moralista" não se transforme na questão central da campanha sucessória.
A mudança de tom coincide com uma agenda de palestras pelo Brasil cada vez mais lotada. "São apresentações técnicas, exclusivamente sobre economia", define Ciro, para em seguida reconhecer que, uma vez encerrada a exposição inicial, querem mesmo é lhe perguntar o que fará se chegar ao Planalto.
Há de produtores rurais a associação de donos de farmácia entre os contratantes de suas palestras, mas basta conferir compromissos recentes para perceber que está em curso um périplo de Ciro pelo mercado financeiro.
Na entrevista abaixo, feita em São Paulo na terça-feira passada, o segundo colocado na pesquisa Datafolha elogia com alguma reserva o pré-programa de governo divulgado pelo PT.
Defende seu noivado com o PTB, firmado para que Ciro não morra na praia como um sem-televisão. A aliança petebista pode dar ao pré-candidato do PPS no mínimo dois minutos a mais na campanha de TV.
Lança dúvida sobre a análise de que o governo já está fora do segundo turno, rejeita o estigma de aventureiro e ataca intelectuais que, a seu ver, fazem defesa velada de Fernando Henrique e tucanos próximos, como o ministro e possível candidato José Serra.
"Muito melhor bater palma para a Marília Pera, que apoiou o Collor. Ou agora para a Gal Costa, que em sua santa ingenuidade foi lá apoiar o Antonio Carlos Magalhães." Leia a seguir os principais trechos da entrevista:

Folha - O sr. parece ter moderado o tom de suas críticas ao governo.
Ciro Gomes -
A batalha moral a oposição já ganhou. Eu, que em outros momentos senti necessidade de simbolizar para os extratos mais simples da população o nível da crítica que faço, acho que está na hora de moderar a palavra. Esticar a corda não interessa ao país, não interessa à oposição.
Tenho total compromisso com a ética na política. Mas uma hora dessas nós, da oposição, vamos governar.
Se legitimarmos agora o ataque espetaculoso, o atropelo dos processos legais, lá na frente seremos derrubados, porque não somos sistêmicos.

Folha - Por falar em moderação, que avaliação o sr. faz do pré-programa de governo apresentado pelo PT?
Ciro -
Saúdo a iniciativa como demonstração de um estágio a mais no processo de amadurecimento do PT, em direção à idéia de que a política não deve se resumir à satanização do adversário e à oferta voluntarista de soluções que desconsideram a realidade. Acho positivo, ainda que o documento venda algumas ilusões.

Folha - Por exemplo?
Ciro -
O imposto sobre grandes fortunas. Tem efeito retórico fantástico, mas não arrecada nada.

Folha - Em 98, o PTB ensaiou uma aliança com o sr. e depois se entendeu com o governo. O que o leva a achar que será diferente desta vez?
Ciro -
Em primeiro lugar, não me resta senão acreditar na palavra deles e na intenção, manifestada pela nova cúpula, de tirar do PTB a imagem de legenda de aluguel.
Em segundo, comigo o PTB se torna alternativa para pessoas que gostariam de aderir à minha candidatura, mas têm pouca identificação com meu partido, o PPS.

Folha - Entre essas pessoas está o ex-governador de Minas Eduardo Azeredo, mencionado como possível vice em sua chapa?
Ciro -
Isso é especulação.

Folha - Ainda sobre o vice, o presidente do PTB, deputado José Carlos Martinez, afirma que será um nome do partido. O presidente do PPS, senador Roberto Freire, diz que não necessariamente. Qual dos dois está certo?
Ciro -
Não há intriga possível a esse respeito. Eu vou escolher meu vice, ouvindo, é claro, as forças que me apoiarem.
É natural que o PTB, ao firmar acordo comigo tanto tempo antes da eleição, participe desse processo.

Folha - O sr. costuma dizer que suas credenciais para concorrer à Presidência da República são experiência, um conjunto de idéias e seu patrimônio moral. Como ficará o terceiro ponto uma vez associado à biografia de alguns petebistas?
Ciro -
Não vejo nenhum problema. A questão é a seguinte: para interditar a possibilidade de crescimento de uma novidade, Fernando Henrique fez com que a lei retroagisse.
Agora, o tempo de televisão é distribuído de acordo com o resultado da eleição passada. E aí começou-se a dizer que o Ciro iria morrer na praia porque não tinha tempo de TV. Eu não vou me deixar imolar. Eu sou um lutador.

Folha - Lula manifestou recentemente a opinião de que o governo, sem candidato no segundo turno, escolherá entre os dois finalistas aquele em condições de ser seu porta-voz, e que poderá caber ao sr. esse papel.
Ciro -
Eu acho que o Lula está mudando o conceito que faz das pessoas ao sabor da avaliação de conjuntura dele.
Até dias atrás ele acreditava que eu teria pouquíssimo tempo de televisão, ficaria em terceiro ou quarto lugar e era portanto uma pessoa a ser bem tratada, porque iria apoiá-lo.
Como o acordo com o PTB removeu esse obstáculo, ele começou a relativizar o discurso a meu respeito.

Folha - O sr. concorda com o prognóstico de um segundo turno sem candidato do governo?
Ciro -
Eu francamente não vejo como se possa dar de barato que as forças e os interesses representados no governo Fernando Henrique já estejam fora do segundo turno.

Folha - Em que cenário não estariam?
Ciro -
Visualizo uma possibilidade que alteraria todo o quadro. Um nome do PSDB, que tenha alguma biografia, no começo de 2002 diz assim: "Chega. Demos todo apoio, mas o governo não tem jeito. Esse tipo de entrega dos interesses nacionais, esse tipo de concessão a políticos do passado, que nós denunciamos na nossa origem, passou da conta. É hora de o PSDB mandar embora esses vendilhões da pátria, esses bandidos da política. Temos de salvar o país da irresponsabilidade da oposição".
Se alguém fizer isso, na mesma hora vai se tornar o encantador ao redor do qual se cicatriza toda a elite e boa parte da classe média zangada com a atual situação. E vira imediatamente um candidato competitivo.

Folha - Quem poderia ser o encantador?
Ciro -
Geraldo Alckmin. Não tem muito a natureza para fazer isso, mas o conteúdo poderia ser diferente, poderia ser com aquele jeito sereno dele.

Folha - Quem mais?
Ciro -
Tasso Jereissati. Qualquer um que tenha biografia. Mas precisa ter coerência. Não pode ser um ministro...

Folha - Como José Serra...
Ciro -
Fica pouco crível, embora o Serra esteja fazendo esse jogo. Nos salões todos aí ele esculhamba o governo, a equipe econômica, como se o governo não fosse um só, ao qual ele serve desde o primeiro momento.

Folha - A possibilidade descrita pelo sr. em tudo lembra a movimentação do governador do Ceará, Tasso Jereissati, que defende o rompimento do governo com o PMDB. A semelhança entre os dois discursos reforça a impressão de que o sr. e Tasso estão jogando em parceria.
Ciro -
Isso é falso. O que houve foi um gesto de coerência dele, que tem horror a essa turma que dominou o PMDB, mas também tem horror ao Itamar Franco. E Tasso tem a crença de que o PMDB abandonará o governo, de modo que não faz sentido fortalecer a posição do partido.
Segundo: se Itamar ganha com o rompimento, e se Itamar é adversário meu nas pesquisas, o gesto de Tasso me enfraquece, não o contrário.

Folha - O sr. já disse que seu ministro da Fazenda seria empresário, ou alguém "comprometido com a economia real", e político, com ênfase na segunda característica. Tasso cai como uma luva nesse perfil.
Ciro -
Claro.

Folha - Ele seria seu ministro da Fazenda?
Ciro -
Isso é você quem está dizendo. Eu disse que ele tem o perfil.

Folha - Algum dia o sr. conseguirá se livrar da pecha de "novo Collor"?
Ciro -
Se eu tivesse um Banpará ou um ranário na minha vida, não ficava todo mundo dizendo só isso. Compare minha origem social à do Collor. Compare minha vida pública, meu comportamento moral, as companhias que eu prefiro. Pode haver uma contradição aqui, outra ali, derivadas do fato de eu pretender governar um país onde a política é precária, mas veja o que me guiou a vida inteira.
Em que eu pareço com Collor? Sou relativamente jovem, venho do Nordeste e tenho um jeito afirmativo de falar que é característico da minha geração.
Eu tenho um temperamento, sim, mas um temperamento já esmerilhado.

Folha - Intelectuais demonstram preocupação com o acentuado desgaste do governo. Acham que o quadro pode favorecer o crescimento de um aventureiro em 2002. É no sr. que eles estão pensando?
Ciro -
Se estiverem, é uma injustiça engajada. Fui deputado de oposição aos coronéis no Ceará, líder de um governo de ruptura, prefeito de capital, ganhei prêmio mundial como governador do Estado pelo combate à mortalidade infantil, fui ministro da Fazenda, fiz um retiro acadêmico para me aperfeiçoar.
Eu quero ser julgado pela minha prática, não por versões interesseiras.

Folha - Quem seria então o aventureiro?
Ciro -
Essa conversa revela o desvio de um tipo medíocre de acadêmico. Se você olhar bem e espremer o que eles dizem, não presta nada no país real.
Fernando Henrique ajudou a construir isso. Príncipe dos sociólogos, linda biografia, patrocinou um governo desastrado. Ficou todo mundo com o pé atrás.
Coloque defeito, quantos eu não devo ter? Mas tem de ser real. Não vale subjetivismo, uma interdição que pretende substituir o julgamento popular.

Folha - Há bairrismo na teoria do aventureiro?
Ciro -
Sem dúvida.
Quem está fazendo uma crítica absolutamente lúcida e merece ser ouvido é o José Luís Fiori [cientista político da Universidade Federal do Rio de Janeiro, autor do recém-lançado "2001: O Brasil no Espaço"".
Agora, o último que eu li, francamente não sei quem é, elegeu-se no Cebrap [Fernando Limongi, novo presidente do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento", é algo impressionante [em entrevista à Folha, o cientista político opinou que a candidatura de Ciro não vai decolar".
O camarada põe, dispõe, diz quem pode e quem não pode ser candidato, não explica por quê e termina sem conclusão. Ou melhor, você conclui que tem de ser o Serra. Está ali, mas o sujeito não tem coragem de se engajar.
É como o José Arthur Giannotti defendendo o "espaço da amoralidade na política".
A relação entre moral e política é de fato complexa, mas em nenhuma hipótese essa discussão pode servir para justificar compra de votos ou balcão de negócios com dinheiro público para tirar assinatura de pilantra da CPI.
É bobagem interesseira. Muito melhor bater palma para a Marília Pera, que apoiou o Collor.
Ou agora para a Gal Costa, que em sua santa ingenuidade foi lá apoiar o Antonio Carlos Magalhães. Porque gosta dele, "pai da Bahia", ela acredita nisso.



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