São Paulo, segunda-feira, 24 de junho de 2002

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ENTREVISTA DA 2ª

Para consultor jurídico da OEA, faltam ao país "ferramentas legais" contra crimes da globalização

País não pune corrupção global, diz advogado

JOSÉ MASCHIO
DA AGÊNCIA FOLHA, EM LONDRINA

O Brasil não tem "ferramentas legais" para combater crimes típicos da globalização de mercado, segundo o advogado Luiz Regis Prado, nomeado consultor jurídico da OEA (Organização dos Estados Americanos) para o Brasil.
Prado, 48, está elaborando um parecer técnico-jurídico sobre a legislação brasileira no combate à corrupção, que servirá para que a OEA faça sugestões ao governo federal a fim de adequar a legislação à Convenção Interamericana de Combate à Corrupção.
O Brasil é signatário da convenção desde 1996, mas o Congresso ainda não ratificou a participação brasileira no combate à corrupção. Das nações que integram a OEA, apenas o Brasil e outros cinco países ainda não adequaram suas legislações.
Prado faz questão de frisar que é um consultor independente da OEA e que sua nomeação indicaria uma preocupação do órgão com a demora do Brasil em ratificar a convenção. Leia a seguir os principais trechos da entrevista.
 

Agência Folha - Qual vai ser a dificuldade para o Brasil adequar sua legislação à Convenção Interamericana de Combate à Corrupção?
Luiz Regis Prado -
É bom que se diga que o Brasil tem uma legislação relativamente boa em termos de combate à corrupção. Mas há uma grande lacuna, que talvez seja o principal problema: a falta de tipificação para os crimes de corrupção e suborno transnacional.
São as ações delituosas que mais cresceram depois da globalização neoliberal e que vão exigir políticas de cooperação direta entre os países. Por exemplo, suborno ou corrupção nas concorrências e licitações internacionais. Daí o esforço da OEA em harmonizar as legislações dos países membros. A tipificação desses crimes, pelo Brasil, possibilitaria penas mais graves aos infratores.

Agência Folha - O que falta para punir quem pratica esses crimes?
Prado -
Outro problema no Brasil e em outros países latino americanos é a impunidade. É preciso criar mecanismos para impedir esse quadro. Um deles seria uma maior autoridade do Ministério Público nas investigações.

Agência Folha - Como isso poderia acontecer?
Prado -
Isso não é objeto do meu parecer. Mas defendo uma modificação no sistema brasileiro, que hoje é muito burocratizado e nem sempre adequado. Hoje o Ministério Público tem o controle externo das polícias, mas isso na prática não funciona. Defendo o controle total da investigação pelo Ministério Público. Em tese, isso já diminuiria a corrupção.

Agência Folha - É possível quantificar quanto um país como o Brasil perde anualmente com corrupção?
Prado -
Qualquer exercício para levantar números seria mera especulação. A corrupção é muito mais um crime meio para outras ações delituosas, como tráfico internacional, contrabando, crime de negócios e econômico etc. Sabemos que a corrupção em sua ação nefasta significa menos escolas, menos hospitais, pois corrói os investimentos para a melhoria da qualidade de vida de um povo.

Agência Folha - Baseado na falta dessas melhorias, é possível quantificar o quão corrupto é um país?
Prado -
Não é tão simples. A corrupção é um fenômeno internacional, mas não dá para mensurar em índices. O que diferencia de um país para outro é o nível de impunidade. Há também o fato de que a corrupção nunca é detectada no ato, nem sempre vem à tona. Na convenção há a proposta de uma agência internacional para tentar fazer emergir essa corrupção que nem sempre aparece.

Agência Folha - Como seria essa agência?
Prado -
A convenção estabelece que um cidadão de um país pode denunciar corrupção mesmo em outro país. Em cada país existirá um órgão para receber essas denúncias e dar salvaguardas a quem denunciou.

Agência Folha - Isso não poderia levar a uma caça às bruxas?
Prado -
Não. Vale lembrar que todas as ações irão respeitar as garantias constitucionais de cada país. Até no caso que prevê a aceleração da extradição de um país para outro isso será respeitado.

Agência Folha - Como a convenção prevê essas extradições?
Prado -
Hoje existe toda uma burocracia para a extradição. A convenção prevê a figura da entrega administrativa, que é a entrega legal do agente da corrupção de um Estado para outro, sem passar pelo entraves burocráticos.

Agência Folha - E o que poderá ser feito para agilizar o retorno do dinheiro desviado de um país para outro?
Prado -
A cooperação entre as agências bancárias federais também abre a possibilidade do retorno do dinheiro. Isso em tese, porque além de ratificar a convenção, cada país terá de ter vontade política para aplicá-la.

Agência Folha - O Brasil firmou a convenção em 1996 e ainda não a ratificou. Esse Congresso ou o que será eleito terá vontade política nesse sentido?
Prado -
Sou otimista que sim. O meu otimismo decorre de uma nova consciência cívica da população brasileira, que hoje cobra mais e não aceita a corrupção. Os deputados e senadores que irão disputar as próximas eleições estão cientes desse aumento da cidadania da sociedade. Agora não creio que este Congresso ratifique a convenção. Estamos quase no recesso de meio de ano e depois vai existir a campanha eleitoral.

Agência Folha - E os candidatos à Presidência? O próximo presidente teria interesse em integrar a convenção?
Prado -
Não pensei sobre esse prisma. Qualquer candidato vai ter que respeitar que o Brasil é signatário da convenção desde 1996, e mais, não acredito que entre eles exista quem não sabe que a corrupção é algo extremamente nefasto para o país. A preocupação da OEA não é com o Brasil deixar de ratificar a convenção, mas sim em fazer isso o mais rápido possível. A convenção interamericana vai ser o grande instrumento dos países membros da OEA no combate à corrupção, seja ela como um fim ou um meio para as outras ações delituosas.



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