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ENTREVISTA DA 2ª
Para consultor jurídico da OEA, faltam ao país "ferramentas legais" contra crimes da globalização
País não pune corrupção global, diz advogado
JOSÉ MASCHIO
DA AGÊNCIA FOLHA, EM LONDRINA
O Brasil não tem "ferramentas
legais" para combater crimes típicos da globalização de mercado,
segundo o advogado Luiz Regis
Prado, nomeado consultor jurídico da OEA (Organização dos Estados Americanos) para o Brasil.
Prado, 48, está elaborando um
parecer técnico-jurídico sobre a
legislação brasileira no combate à
corrupção, que servirá para que a
OEA faça sugestões ao governo
federal a fim de adequar a legislação à Convenção Interamericana
de Combate à Corrupção.
O Brasil é signatário da convenção desde 1996, mas o Congresso
ainda não ratificou a participação
brasileira no combate à corrupção. Das nações que integram a
OEA, apenas o Brasil e outros cinco países ainda não adequaram
suas legislações.
Prado faz questão de frisar que é
um consultor independente da
OEA e que sua nomeação indicaria uma preocupação do órgão
com a demora do Brasil em ratificar a convenção. Leia a seguir os
principais trechos da entrevista.
Agência Folha - Qual vai ser a dificuldade para o Brasil adequar sua
legislação à Convenção Interamericana de Combate à Corrupção?
Luiz Regis Prado - É bom que se
diga que o Brasil tem uma legislação relativamente boa em termos
de combate à corrupção. Mas há
uma grande lacuna, que talvez seja o principal problema: a falta de
tipificação para os crimes de corrupção e suborno transnacional.
São as ações delituosas que mais
cresceram depois da globalização
neoliberal e que vão exigir políticas de cooperação direta entre os
países. Por exemplo, suborno ou
corrupção nas concorrências e licitações internacionais. Daí o esforço da OEA em harmonizar as
legislações dos países membros.
A tipificação desses crimes, pelo
Brasil, possibilitaria penas mais
graves aos infratores.
Agência Folha - O que falta para
punir quem pratica esses crimes?
Prado - Outro problema no Brasil e em outros países latino americanos é a impunidade. É preciso
criar mecanismos para impedir
esse quadro. Um deles seria uma
maior autoridade do Ministério
Público nas investigações.
Agência Folha - Como isso poderia acontecer?
Prado - Isso não é objeto do meu
parecer. Mas defendo uma modificação no sistema brasileiro, que
hoje é muito burocratizado e nem
sempre adequado. Hoje o Ministério Público tem o controle externo das polícias, mas isso na
prática não funciona. Defendo o
controle total da investigação pelo
Ministério Público. Em tese, isso
já diminuiria a corrupção.
Agência Folha - É possível quantificar quanto um país como o Brasil
perde anualmente com corrupção?
Prado - Qualquer exercício para
levantar números seria mera especulação. A corrupção é muito
mais um crime meio para outras
ações delituosas, como tráfico internacional, contrabando, crime
de negócios e econômico etc. Sabemos que a corrupção em sua
ação nefasta significa menos escolas, menos hospitais, pois corrói
os investimentos para a melhoria
da qualidade de vida de um povo.
Agência Folha - Baseado na falta
dessas melhorias, é possível quantificar o quão corrupto é um país?
Prado - Não é tão simples. A corrupção é um fenômeno internacional, mas não dá para mensurar
em índices. O que diferencia de
um país para outro é o nível de
impunidade. Há também o fato
de que a corrupção nunca é detectada no ato, nem sempre vem à
tona. Na convenção há a proposta
de uma agência internacional para tentar fazer emergir essa corrupção que nem sempre aparece.
Agência Folha - Como seria essa
agência?
Prado - A convenção estabelece
que um cidadão de um país pode
denunciar corrupção mesmo em
outro país. Em cada país existirá
um órgão para receber essas denúncias e dar salvaguardas a
quem denunciou.
Agência Folha - Isso não poderia
levar a uma caça às bruxas?
Prado - Não. Vale lembrar que
todas as ações irão respeitar as garantias constitucionais de cada
país. Até no caso que prevê a aceleração da extradição de um país
para outro isso será respeitado.
Agência Folha - Como a convenção prevê essas extradições?
Prado - Hoje existe toda uma burocracia para a extradição. A convenção prevê a figura da entrega
administrativa, que é a entrega legal do agente da corrupção de um
Estado para outro, sem passar pelo entraves burocráticos.
Agência Folha - E o que poderá
ser feito para agilizar o retorno do
dinheiro desviado de um país para
outro?
Prado - A cooperação entre as
agências bancárias federais também abre a possibilidade do retorno do dinheiro. Isso em tese,
porque além de ratificar a convenção, cada país terá de ter vontade política para aplicá-la.
Agência Folha - O Brasil firmou a
convenção em 1996 e ainda não a
ratificou. Esse Congresso ou o que
será eleito terá vontade política
nesse sentido?
Prado - Sou otimista que sim. O
meu otimismo decorre de uma
nova consciência cívica da população brasileira, que hoje cobra
mais e não aceita a corrupção. Os
deputados e senadores que irão
disputar as próximas eleições estão cientes desse aumento da cidadania da sociedade. Agora não
creio que este Congresso ratifique
a convenção. Estamos quase no
recesso de meio de ano e depois
vai existir a campanha eleitoral.
Agência Folha - E os candidatos à
Presidência? O próximo presidente
teria interesse em integrar a convenção?
Prado - Não pensei sobre esse
prisma. Qualquer candidato vai
ter que respeitar que o Brasil é signatário da convenção desde 1996,
e mais, não acredito que entre eles
exista quem não sabe que a corrupção é algo extremamente nefasto para o país. A preocupação
da OEA não é com o Brasil deixar
de ratificar a convenção, mas sim
em fazer isso o mais rápido possível. A convenção interamericana
vai ser o grande instrumento dos
países membros da OEA no combate à corrupção, seja ela como
um fim ou um meio para as outras ações delituosas.
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