São Paulo, quarta-feira, 24 de julho de 2002

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ELIO GASPARI

Mensagem de vargas.edu.br para FFHH

Estimado presidente,
Eu estava no seu gabinete quando o professor Stanley Fischer, vice-diretor administrativo do FMI, foi vê-lo, em janeiro de 1999. Às vezes esse estróina do Juscelino me leva a Brasília. Eu vou, mas busco um canto onde possa tomar meu mate. Aprecio o conforto dos sofás vermelhos de sua sala. Aliás, parecem-me do meu tempo, que o senhor chama de era Vargas. Ouvi quando Fischer lhe propôs a dolarização da economia de nossa pátria. Está agora na capital essa senhora, dona Anne Krueger. Tivemos a chilena da pasta preta, que trazia calçados para consertar porque por aí os artesãos trabalhavam de graça. Depois tivemos uma distinta italiana. Lembra-se de Teresa Ter-Minasian? Mulher audaciosa, usava vestido colorido em missão oficial.
Dispense-se de estimular a desnacionalização de nossa inteligência. Não falo desses jornalistas dissolventes que instigam políticos oportunistas contra o governo. Falo da naturalidade com que o prezado patrício e seu ministro da Fazenda, que julgo um pouco casquilho, defendem a venda do patrimônio nacional. Exportaram até Volta Redonda. Precisamos de US$ 1 bilhão por semana, num mundo em que os Estados Unidos precisam de US$ 1 bilhão por dia. Isso não pode acabar bem.
Não é justo que transforme fracasso em dogma e pretenda impor ao seu sucessor compromissos que só fazem nexo na sua lógica. Uma lógica que em oito anos terá produzido um aumento de algo como 10% na renda per capita desse povo de quem fui escravo. Isso, no meu segundo governo, eu conseguia em apenas três anos. O perdulário do Juscelino diz que fazia em apenas dois anos. O Médici fez 11% só em 1973.
O senhor desnacionaliza a nossa inteligência precisamente numa época em que os Estados Unidos dependem da inteligência do jovem Bush. Deixe o Brasil pensar, presidente. Ataque seus adversários, mas não meta os estrangeiros nisso. Conte com a minha simpatia em relação ao moço Bush. Acredite, pois aqui se sabe de tudo: ele lhe detesta.
Veja o que sucede com as companhias americanas. A Enron deixou seus banqueiros a pé. A WorldCom deixou também os fornecedores. Ambas compraram pedaços do patrimônio nacional na grande hasta de seu governo. Em maio passado as remessas de lucros para o exterior ficaram em US$ 728 milhões. Eu desconfio que esse numerário equivale aos US$ 90 milhões remetidos anualmente no início de meu governo. À época disse ao povo: "Não conheço exemplo de espoliação maior".
O senhor dirá que seu mundo é outro. É verdade, mas o meu é melhor. Dou-me muito bem como o Mário Henrique Simonsen. Fumamos como chaminés felizes. Em março de 1999, quando a casa Goldman Sachs, a do Lulômetro, lançou em Wall Street papéis de uma empresa chamada Priceline, ele gargalhava. A companhia se propunha a fazer reservas de passagens aéreas por meio dessa rede de computadores que há aí. No dia do seu lançamento ação saiu a US$ 16 e fechou em US$ 68. Simonsen fez a seguinte conta: a empresa que fazia reservas de passagens passara a valer US$ 10 bilhões, o dobro do valor patrimonial das quatro maiores companhias aéreas dos Estados Unidos. Outro dia a ação valia US$ 4. Como se aquilo pudesse acabar bem.
Aprendi a defender os interesses nacionais recebendo ministros e embaixadores estrangeiros. O professor também já deve ter percebido como esses homens defendem os interesses materiais de seus nacionais, mesmo quando pretendem nos explorar. Têm sempre muita boa vontade, para nos escorchar. (No meu entendimento, ao lhe propor a dolarização, aquele Fischer defendia muito mais a banca do que a ciência econômica. O desfecho do caso da Argentina ampara minha suspeita.) A situação de seu sucessor será parecida com a minha em 1936. Se continuássemos a pagar o esquema das dívidas, não poderíamos fornecer o câmbio para as transações comerciais. Se atendêssemos às transações comerciais, não poderíamos pagar a dívida.
O senhor colocou o Brasil numa situação em que estamos pedindo aos banqueiros e aos tubarões para que nos acreditem. Diz que pagaremos tudo, a todos. Exige que seus adversários políticos façam o mesmo, quando eles são seus adversários porque (em alguns casos) sempre pensaram diferente do senhor. Sugiro-lhe especular outro caminho. Poderíamos perguntar à senhora Krueger o que o FMI tem a nos oferecer. O professor Fischer queria a dolarização. Pergunte-lhe o que acha disso.
Se o Juscelino for a Washington nesses dias, acompanho-o. Quero ouvir o que ela vai contar por lá.
Darcy e Alzira recomendam-se à dona Ruth, de quem muito gostam.
Atenciosamente,
Getúlio Vargas



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