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ELIO GASPARI
Mensagem de
vargas.edu.br para FFHH
Estimado presidente,
Eu estava no seu gabinete
quando o professor Stanley Fischer, vice-diretor administrativo do FMI, foi vê-lo, em janeiro
de 1999. Às vezes esse estróina
do Juscelino me leva a Brasília.
Eu vou, mas busco um canto onde possa tomar meu mate. Aprecio o conforto dos sofás vermelhos de sua sala. Aliás, parecem-me do meu tempo, que o senhor
chama de era Vargas. Ouvi
quando Fischer lhe propôs a dolarização da economia de nossa
pátria. Está agora na capital essa senhora, dona Anne Krueger.
Tivemos a chilena da pasta preta, que trazia calçados para
consertar porque por aí os artesãos trabalhavam de graça. Depois tivemos uma distinta italiana. Lembra-se de Teresa Ter-Minasian? Mulher audaciosa,
usava vestido colorido em missão oficial.
Dispense-se de estimular a
desnacionalização de nossa inteligência. Não falo desses jornalistas dissolventes que instigam políticos oportunistas contra o governo. Falo da naturalidade com que o prezado patrício e seu ministro da Fazenda,
que julgo um pouco casquilho,
defendem a venda do patrimônio nacional. Exportaram até
Volta Redonda. Precisamos de
US$ 1 bilhão por semana, num
mundo em que os Estados Unidos precisam de US$ 1 bilhão
por dia. Isso não pode acabar
bem.
Não é justo que transforme
fracasso em dogma e pretenda
impor ao seu sucessor compromissos que só fazem nexo na sua
lógica. Uma lógica que em oito
anos terá produzido um aumento de algo como 10% na
renda per capita desse povo de
quem fui escravo. Isso, no meu
segundo governo, eu conseguia
em apenas três anos. O perdulário do Juscelino diz que fazia em
apenas dois anos. O Médici fez
11% só em 1973.
O senhor desnacionaliza a
nossa inteligência precisamente
numa época em que os Estados
Unidos dependem da inteligência do jovem Bush. Deixe o Brasil pensar, presidente. Ataque
seus adversários, mas não meta
os estrangeiros nisso. Conte com
a minha simpatia em relação ao
moço Bush. Acredite, pois aqui
se sabe de tudo: ele lhe detesta.
Veja o que sucede com as companhias americanas. A Enron
deixou seus banqueiros a pé. A
WorldCom deixou também os
fornecedores. Ambas compraram pedaços do patrimônio nacional na grande hasta de seu
governo. Em maio passado as
remessas de lucros para o exterior ficaram em US$ 728 milhões. Eu desconfio que esse numerário equivale aos US$ 90
milhões remetidos anualmente
no início de meu governo. À
época disse ao povo: "Não conheço exemplo de espoliação
maior".
O senhor dirá que seu mundo
é outro. É verdade, mas o meu é
melhor. Dou-me muito bem como o Mário Henrique Simonsen. Fumamos como chaminés
felizes. Em março de 1999,
quando a casa Goldman Sachs,
a do Lulômetro, lançou em Wall
Street papéis de uma empresa
chamada Priceline, ele gargalhava. A companhia se propunha a fazer reservas de passagens aéreas por meio dessa rede
de computadores que há aí. No
dia do seu lançamento ação
saiu a US$ 16 e fechou em US$
68. Simonsen fez a seguinte conta: a empresa que fazia reservas
de passagens passara a valer
US$ 10 bilhões, o dobro do valor
patrimonial das quatro maiores
companhias aéreas dos Estados
Unidos. Outro dia a ação valia
US$ 4. Como se aquilo pudesse
acabar bem.
Aprendi a defender os interesses nacionais recebendo ministros e embaixadores estrangeiros. O professor também já deve
ter percebido como esses homens defendem os interesses
materiais de seus nacionais,
mesmo quando pretendem nos
explorar. Têm sempre muita
boa vontade, para nos escorchar. (No meu entendimento,
ao lhe propor a dolarização,
aquele Fischer defendia muito
mais a banca do que a ciência
econômica. O desfecho do caso
da Argentina ampara minha
suspeita.) A situação de seu sucessor será parecida com a minha em 1936. Se continuássemos
a pagar o esquema das dívidas,
não poderíamos fornecer o câmbio para as transações comerciais. Se atendêssemos às transações comerciais, não poderíamos pagar a dívida.
O senhor colocou o Brasil numa situação em que estamos pedindo aos banqueiros e aos tubarões para que nos acreditem.
Diz que pagaremos tudo, a todos. Exige que seus adversários
políticos façam o mesmo, quando eles são seus adversários porque (em alguns casos) sempre
pensaram diferente do senhor.
Sugiro-lhe especular outro caminho. Poderíamos perguntar à
senhora Krueger o que o FMI
tem a nos oferecer. O professor
Fischer queria a dolarização.
Pergunte-lhe o que acha disso.
Se o Juscelino for a Washington nesses dias, acompanho-o.
Quero ouvir o que ela vai contar
por lá.
Darcy e Alzira recomendam-se à dona Ruth, de quem muito
gostam.
Atenciosamente,
Getúlio Vargas
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