São Paulo, sábado, 24 de agosto de 2002

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Os sombras


"Arapongas" invadem a campanha eleitoral, fingem-se de repórteres e recolhem munição contra os adversários


LILIAN CHRISTOFOLETTI
JULIA DUAILIBI
DA REPORTAGEM LOCAL

O incidente envolvendo o presidenciável Ciro Gomes (PPS) e o cinegrafista do PT, ocorrido anteontem em Fortaleza, trouxe à tona uma estratégia adotada sem restrições pelos partidos: a espionagem política.
Enquanto gravava para seu programa eleitoral, Ciro viu entre os cinegrafistas um que não usava o crachá de imprensa. Foi a senha para descobrir que o profissional estava infiltrado para monitorar seus movimentos.
"Agora, em todo o lugar que eu ando, tem um provocador", afirmou o presidenciável após o episódio. Além de Ciro, outros candidatos à eleição de 2002 também têm motivos para acreditar nisso.
Durante uma semana, a Folha conversou com partidos, com marqueteiros e com correligionários sobre arapongagem política. Oficialmente, todos negam a prática e se colocam como vítimas da artimanha. Nos bastidores, no entanto, relatam as "medidas de proteção".
"Sei que esse trabalho não é dos mais virtuosos, mas estamos em uma guerra e precisamos nos proteger", afirmou Gustavo, um dos assessores do PT, destacado para acompanhar eventos de Geraldo Alckmin (PSDB) e de Paulo Maluf (PPB), principais adversários do candidato petista ao governo de São Paulo, José Genoino.
O nome fictício, a pedido do assessor petista, atende à regra número um da arapongagem, que é a de manter o anonimato.
Para isso, Gustavo, municiado de um bloquinho de anotações e de um gravador, ao lado de um fotógrafo -também espião-, mistura-se aos repórteres destacados para cobrir o evento. Atentos, eles registram tudo: as placas de carros oficiais usados em campanha, as gafes do adversário e mesmo detalhes que podem render desconforto ao inimigo.
Foi Gustavo, por exemplo, que flagrou, no último dia 15, o uso de carros oficiais em evento político de Alckmin. Após passar uma hora em frente ao prédio do evento, o fotógrafo que o acompanhava fez cerca de 120 fotos. Em seguida, Gustavo ligou para as redações.
Mas o que faz um espião político se não ocorrer nada de interessante? A ordem, então, é partir para o ataque. Durante entrevistas coletivas, por exemplo, são instruídos a fazer, de forma insistente, perguntas constrangedoras e provocativas ao candidato.
"Como o senhor justifica os gastos com o Rodoanel?", perguntou várias vezes, à queima-roupa, um espião do PPB a Alckmin na última quarta-feira, após a sabatina realizada pela Folha. A obra é um dos temas favoritos de Maluf para provocar o adversário.
Um dia depois, quando foi a vez de Maluf ser sabatinado, o mesmo entrevistador desfilava no local do evento com um crachá do PPB dependurado no peito.
"Não fazemos isso", diz o presidente do PPB em São Paulo, Jesse Ribeiro. "Se algo assim ocorre, são pessoas que fazem por conta."
Maluf, que está em sua oitava campanha para um cargo majoritário, tem como praxe não responder a perguntas agressivas de repórteres desconhecidos. Invariavelmente, pergunta para qual veículo a pessoa trabalha. "Faço isso porque sempre colocam alguém para me espionar", diz.

Olhos abertos
Um cuidado comum às assessorias é identificar os repórteres. Antes de o presidenciável José Serra (PSDB) chegar a um evento, uma equipe fica responsável pelo mapeamento do local e pela identificação dos profissionais.
"A nossa preocupação é com o que temos de mais valioso: a informação", diz Edmilson Miranda, 51, agente aposentado da Polícia Federal e ex-secretário de Segurança de Alagoas, que colabora com a campanha de Serra.
Para identificar um agente secreto transvestido de repórter, prestam atenção ao teor e ao modo como a pergunta é formulada. Câmeras de vídeo e máquinas fotográficas que destoem dos equipamentos utilizados pela imprensa em geral também colocam a equipe em alerta.
"Às vezes, aparece um cinegrafista com uma câmera diferente, aí você repara. Outras vezes, um falso repórter, com gravador em mãos, faz perguntas insistentes e agressivas com a clara finalidade de embaraçar o candidato", diz o marqueteiro de Maluf, José Maria Braga. O conselho, segundo ele, é ficar de olhos abertos sempre.



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