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INCONSCIENTE ELEITORAL
Técnicos, jornalistas e marqueteiros
MARCELO COELHO
Demorei um tempo para
aprender que a Embratel era
o 21. Depois veio a Intelig, que é
23, eu acho, mas saber que o camisa 23 na seleção brasileira é o
atacante Kaká, e que esse também é o número de Ciro Gomes
na eleição, aí também é exagero.
Havia algo de excessivamente
montado e artificial na cena do
jogador entregando a camisa 23
para Ciro, antes do jogo com o
Paraguai. O Brasil perdeu, e a caprichada cena fotográfica terminou tendo efeito indesejado. "Pé-frio", cutucou a Folha. "Seleção
apóia Ciro e apanha do Paraguai", disse o jornal Agora.
É provável que o leitor identifique nessas palavras o velho e bom
espírito de porco dos jornalistas.
Até mesmo os cronistas esportivos, mais suspeitos de passionalidade do que de malevolência, foram acusados nesta última Copa
de torcerem contra o Brasil. Não
havia espírito de porco contra o
Brasil neste amistoso, mas sem
dúvida houve prazer com o malogro do pequeno circo canarinho
em torno de Ciro.
Há eleições em que tudo parece
ser uma questão do Bem contra o
Mal. Não tem sido esta a interpretação predominante, a meu ver,
da disputa entre Lula, Serra, Ciro
e Garotinho. Cada candidato tem
seu pé na sombra, e mesmo se
vangloria da impureza de suas
alianças. Apontar contradições,
incoerências, não cola muito se o
candidato quer justamente dizer
que mudou, que é tolerante, conciliador etc.
O tropeço com a camisa da seleção atendeu, creio, a uma demanda reprimida da imprensa.
Minha impressão é que estas eleições, mais do que as anteriores,
trazem consigo um embate corporativo, um jogo de rivalidades
profissionais, que é subterrâneo e
talvez prévio ao confronto dos
candidatos.
A rivalidade, aqui, é entre entre
jornalistas e marqueteiros. Nenhum candidato nestas eleições
presidenciais é tão odiado quanto
o foram Fernando Collor ou Paulo Maluf em outras épocas; nenhum candidato é tão rejeitado,
talvez, quanto o são Duda Mendonça, Nizan Guanaes ou Nelson
Biondi. Precisam inventar, quem
sabe, um marqueteiro de marqueteiros.
O profissional do marketing, interessado em maquiar a verdade,
é inimigo do jornalista, que quer
-não digo descobrir a verdade
sempre, mas pelo menos destruir
a maquiagem.
O encontro de Ciro com a seleção ganha outras dimensões,
aliás, dado o forte componente
"elitista", "técnico", cientificista,
da sua candidatura. O que Ciro
tem de estourado não significa
necessariamente algo de emocional; ele se irrita friamente e está
pronto a desfiar números e argumentos técnicos.
Usar o futebol, nessas circunstâncias (o mesmo valeria para
Serra), tem algo de inadequado.
De resto, a Copa do Mundo não
produziu garotos-propaganda de
boa qualidade. O mais bem-sucedido é Felipão. Tem a imagem do
sujeito combatido e antipático,
mas que chega lá, que é vitorioso,
graças a...
Fico em dúvida. Graças a quê?
À decisão de não convocar Romário? Ao seu comportamento turrão? À sua capacidade de não se
importar com as críticas que recebeu? Talvez o sucesso de Scolari
como garoto-propaganda se explique por outra coisa: é que sua
atuação como técnico não teve
nada de marqueteiro.
Ele vira garoto-propaganda por
ser o tipo do sujeito que não faz
propaganda de nada; daí sua credibilidade.
É a personagem-sonho de todo
jornalista; coisa que nenhum candidato está disposto a ser neste
momento.
Marcelo Coelho, colunista da Folha, escreve aos sábados nesta coluna
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