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São Paulo, domingo, 24 de agosto de 2003

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ELIO GASPARI

A derrota de Marta é sonho

A oposição tucana e pefelê a Lula cultiva um sonho. É assim: a economia continua patinando, sobretudo em São Paulo. As dificuldades nacionais influenciam o curso da eleição municipal, Marta Suplicy não consegue se reeleger e começa assim um declínio petista que irá até a sucessão presidencial de 2006.
Deixando-se de lado a vocação da prefeita para heroína de opereta, o mais provável é que ela se reeleja. Isso poderá acontecer pelo mais elementar dos motivos: a boa qualidade de sua administração.
O governo petista de São Paulo tem sucessos que poucas administrações nacionais já tiveram. Entregou uniformes (jaqueta, bermuda e duas camisetas) e mochilas com material escolar a 900 mil crianças, numa rede de um milhão. Ninguém esquece o dia em que foi com a mãe à papelaria e não conseguiu levar para casa o compasso que estava na vitrine. As mochilas da prefeitura têm lápis, caneta, caderno, compasso e até o maldito transferidor. A prefeitura transporta diariamente 100 mil crianças que vivem nas áreas pobres da cidade e moram a mais de dois quilômetros da escola. Isso e mais 21 escolões que receberão 50 mil crianças em regime de tempo integral. (O conservadorismo nacional acha que isso é desperdício. Abrir túneis para bairros abastados é urbanismo.)
Talvez o mais instigante programa da prefeitura petista seja o de renda mínima, concebido e gerido por um craque: o economista Márcio Pochmann. Seu negócio é dar dinheiro para gente pobre. Em dois anos, queimou R$ 314 milhões (1% do custo do Proer) em 50 dos 96 distritos da cidade. Atendeu a cerca de 300 mil famílias (metade dos miseráveis do pedaço). Resultado: as mortes violentas caíram 10%, e a evasão escolar, à metade. A arrecadação de ISS nos distritos atendidos subiu 11%.
Estranho governo o do PT. Faz coisa séria para o andar de baixo e demagogia para o de cima: prometendo uma fonte luminosa e uma casa de espetáculos para o parque do Ibirapuera, como se aquela parte da cidade precisasse de botox cultural. Se os tucanos fizessem coisa parecida, seriam chamados de elitistas.
A principal crítica feita à prefeitura petista é a da voracidade tributária. É falsa. Numa cidade com 2,6 milhões de contribuintes, a prefeitura aumentou o IPTU de 800 mil residências. Os demais, ou ficaram isentos ou passaram a pagar menos do que pagavam. Pode-se sustentar que o "seguro-apagão" é uma tunga, mas deve-se reconhecer que morar (bem) em São Paulo deve custar bom dinheiro. Tunga, sem dúvida, é a taxa do lixo. Mesmo assim, 86% dos paulistanos pagam menos de R$ 12,50 por mês.
São muitas as pessoas que desejam o colapso eleitoral da Martaxa. Seus motivos devem ser respeitados, mas podem se submeter a um teste. Já viram alguma criança com o uniforme vermelho da prefeitura? Caso não tenham visto, devem se perguntar se não vivem num outro mundo. Nele, não há crianças pobres.
Até onde a vista alcança, além da boa administração, o PT tem a seu favor a falta de adversários. Um dos candidatos do tucanato é o secretário da Segurança do Estado, Saulo de Castro. Teve notável desempenho ao explicar, em abril passado, a permanência do delegado Laertes Calandra na divisão de inteligência da polícia paulista. (Calandra é acusado de ter sido o doutor Ubirajara da central de torturas do Doi-Codi durante a ditadura.) Há uma semana o delegado foi transferido para outra função pelo governador Geraldo Alckmin.

Lula fuma cigarrilhas holandesas

Se Lula for um exemplo para o consumidor brasileiro, o espetáculo do crescimento ocorrerá em diversos países, menos em Pindorama. Ele está fumando cigarrilhas holandesas Café Crème. Elas se juntam ao Omega australiano que o leva para o serviço e aos roupões de fio egípcio que usará em casa.
Fumar cigarrilhas holandesas num país onde a lavoura e a indústria do fumo dão o que fazer a 750 mil pessoas é descaso pelo trabalhador nacional. Quem fazia isso, pitando cigarros Parliament, era o general João Batista Figueiredo.
O dólar de R$ 1,20 do tucanato ajudou a quebrar a centenária fábrica de cigarrilhas Suerdieck. Hoje, o setor está em grande forma. O Brasil é o maior exportador de fumo do mundo (US$ 1 bilhão em 2002). No ano passado, o tabaco pôs R$ 5,5 bilhões na Bolsa da Viúva, dinheiro equivalente a toda a arrecadação com IPTU.
As cigarrilhas Café Crème são banais. Não chegam a ser um Omega, muito menos um Romanée Conti. Também não se pode dizer, como Ratinho, que são "fedorentas". As caixinhas de dez custam R$ 13. Equivalem às Palomitas nacionais, que custam R$ 25 numa caixa de 50. Lula sabe que é difícil perceber a diferença entre as duas.
Se o presidente do Brasil não consome carros, roupões nem cigarros nacionais, porque os consumidores de outras terras haverão de comprar produtos deste país?

O Piauí inaugurou o hipopetismo

Mais uma dos jornalistas piauienses. O repórter Luciano Coelho revelou que Sérgio Vilela, secretário de Desenvolvimento Rural do governo petista de Wellington Dias, arrematou um terço de um cavalo quarto-de-milha de dois anos por R$ 7.000 (seu salário é de R$ 6.000). Ele comprou o bicho num leilão, em sociedade com dois amigos: um, plantador de arroz, o outro, criador de cabras. O pagamento foi dividido em prestações.
Vilela é um engenheiro agrônomo sem-haras. Hospedou o companheiro quadrúpede num "hotel de cavalos" na zona sul de Teresina. O secretário explica: "O dinheiro é meu e posso fazer com ele o que quiser". É uma versão pobre da famosa observação de John D. Rockefeller: "O meu dinheiro foi Deus quem deu". (O pai de Rockefeller foi ladrão de cavalos. O filho, como o ilustre petista piauiense, proprietário.)

Jogo virado

José Serra conseguiu a presidência do PSDB depois de uma maratona de conversas com a caciquia tucana em Brasília. Quando a semana começou, ela estava praticamente perdida. Talvez sem sabê-lo, o deputado Arnaldo Madeira esteve a um passo da escolha. Tinha a simpatia de FFHH.

Eletrotunga

Circula na burocracia federal mais um projeto de eletrotunga. Trata-se de eternizar o "seguro-apagão". Caso exemplar de ataque ao bolso dos consumidores, esse seguro impõe uma sobretaxa de 2,9% às contas de luz de quem tem mais de cinco lâmpadas, televisão, geladeira e um chuveiro elétrico. Quando foi criado, em 2001, a mordida deveria durar até cinco anos, arrecadando R$ 2 bilhões. A idéia é repetir o golpe da CPMF, tornando permanente a sobretaxa.
A patuléia ficou sem luz e, além disso, teve que pagar uma compensação aos acionistas das empresas elétricas que perderam receita.
É dura a vida da choldra: quando ela tem que pagar, o provisório vira permanente. Quando tem que receber, reformam a Previdência.

Memória

O tamanho da encrenca iraquiana justifica que se relembrem dois episódios acontecidos com políticos americanos durante os anos 60, quando os Estados Unidos estavam lutando no Vietnã.
1) Um curioso perguntou ao senador George Aiken o que se deveria fazer. Resposta:
"Proclamar vitória e cair fora".
2) Outro curioso perguntou ao historiador Arthur Schlesinger Jr. como seria possível sair do Vietnã. Resposta:
"De navio".

Boa notícia

Lula mostrou que não pretende desmanchar os direitos trabalhistas da choldra seguindo a receita do tucanato. Depois de ter retirado do Congresso a proposta de desidratação da CLT, retirou na semana passada a proposta de generalização das terceirizações.
O projeto tucano desembocava na criação da figura do empregador virtual. A empresa poderia ter mil trabalhadores a seu serviço, sem assinar a carteira de um só brasileiro.
A terceirização pode ser um fator de agilidade para as empresas. Pelo que se estava propondo, ela seria um fator de destruição dos direitos trabalhistas da patuléia.

ENTREVISTA

Claudio Salm

(61 anos, economista)

- Onde foi que Lula errou?
- Essa pergunta só admite respostas do tipo crítica-fácil. Não sei onde ele errou nem sei se ele errou. Pelo amor de Deus, não vamos botar a discussão nesses termos. Com os números ruins e a economia parada, é muito fácil dizer bobagem, basta ligar o verbo e atacar o governo. Como a situação está difícil, parece verdadeira qualquer afirmação atribuindo os problemas a uma eventual deficiência do governo. Assim é fácil, mas não é certo. Estou fora desse jogo. O buraco é muito mais adiante. O Brasil caiu numa armadilha. Estamos inteiramente dependentes de investimentos externos, que não virão na quantidade necessária. Na outra ponta, estamos amarrados ao pagamento de uma dívida. A conjunção dessas duas dependências nos obriga a ter juros altos. Os juros altos esfriam a economia e produzem desemprego. Vamos ficar nesse rame-rame ainda por muito tempo. É fácil dizer que o governo Lula agravou o problema. Eu não sei o que faria no lugar dele.
- Num só dia da semana passada o cidadão brasileiro recebeu três números: o desemprego de julho ficou 0,2% abaixo do mês anterior (mas acima do de julho de 2002), a renda do trabalhador caiu 16,4% em relação a 2002 e os juros caíram de 24,5% para 22% ao ano. Qual dos três é mais relevante?
- A curto prazo, a mais relevante é a queda da renda. A taxa de desemprego deve ser vista com muita atenção. Não devemos nos iludir dizendo que o desemprego caiu 0,2%. Primeiro, porque esse decimal está dentro da margem de erro da pesquisa. É absolutamente irrelevante. A taxa de desemprego não sobe ou desce numa linha reta. Ela é sazonal. Começa a aumentar em janeiro e a partir de abril ela reverte. Neste ano a reversão deu-se em julho. A retomada do emprego veio com atraso e em níveis insuficientes. Esse número justifica o que disse o vice-presidente José Alencar: 2003 está perdido.
- A queda da renda tem algum significado mais profundo?
- A persistência e o agravamento da queda da renda do trabalhador indicam que a situação continua indo mal. Não é uma dificuldade recente. Nós fizemos uma abertura com a economia crescendo a taxas baixas. O resultado foi a destruição de empregos qualificados e o crescimento de empregos de baixa qualidade. A idéia segundo a qual o operário industrial seria reciclado e aproveitaria novas oportunidades era uma tolice. Ele virou pipoqueiro. Não tem nada a ver com o que Lula esteja fazendo ou deixando de fazer. Finalmente, quanto aos juros, é bom que tenham baixado, mas nunca poderão baixar a ponto de espantar os investimentos de curto prazo de que dependemos. Digo isso porque os investidores de longo prazo dificilmente botarão dinheiro no Brasil: eles não gostam de aplicar em economias com baixo crescimento. É a tal da armadilha de que falei. Eu acho que a melhor coisa que se pode fazer hoje no Brasil é discutir essa armadilha. Até para entendê-la.

Corretor na Saúde

O comissário José Dirceu e seu companheiro José Genoino estilhaçaram a biografia política do médico Humberto Costa, ministro da Saúde. Transformaram-no em corretor e cobrador de votos de parlamentares.


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