São Paulo, quarta-feira, 24 de agosto de 2005

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ESCÂNDALO DO "MENSALÃO"/OS INTELECTUAIS

Filósofa não comenta acusações de corrupção que cercam o governo Lula e chama pensadores ligados ao PSDB de "ideólogos"

Chaui silencia sobre crise e ironiza tucanos

DA REDAÇÃO

Em sua fala de 90 minutos ontem, durante o ciclo de palestras "O Silêncio dos Intelectuais" em São Paulo, a filósofa Marilena Chaui evitar criticar diretamente as acusações de corrupção que cercam o governo Lula, justificou o silêncio dos intelectuais e ironizou a atitude dos pensadores tucanos, aos quais chamou de "ideólogos", diante da crise.
Ela diferencia "intelectual" de "ideólogo", dizendo que o primeiro fala contra a ordem vigente e o segundo, em favor dela. Este, segundo a filósofa, "está cada vez mais tagarela".
A discussão política, diz a professora, está sendo pautada pelos tucanos, que têm criticado o governo Luiz Inácio Lula da Silva por supostamente incorporar uma imagem oposta àquela que partidários do PSDB teriam de si próprios: de que são sérios, modernos, responsáveis e competentes. "A crítica que se faz atualmente ao governo é a de falta de seriedade, incompetência e irresponsabilidade", afirmou.
Apesar de discorrer sobre as razões do atual silêncio dos intelectuais no mundo, disse que, no Brasil, atualmente, eles têm falado bastante. Ela justifica seu argumento apontando uma série de artigos, entrevistas e aparições deles nos meios de comunicação.
"Não acho que os intelectuais estejam em silêncio. Estão falando sem parar. Não sei de onde vem essa idéia de que, neste momento no Brasil, os intelectuais estão em silêncio. Essa questão é incompreensível para mim."
Ela observa que o silêncio da intelectualidade no mundo não se trata de uma recusa, mas de uma impossibilidade de interpretar a realidade presente. E, o que resta neste caso, segundo diz, é o silêncio. Uma das razões disso é o retraimento da figura do intelectual engajado em razão, dentre outros fatores, do "ceticismo desencantado", do fracasso da "Glasnot" (reforma política) na antiga União Soviética, do recuo da social-democracia e da aparente legitimação da ordem vigente, o que impossibilitaria uma perspectiva de transformação futura.
Ela aponta também para a substituição da figura do intelectual pela do "especialista competente", na lógica da restrição da esfera pública -imprescindível para o intelectual exercer o seu papel social-, da privatização dos direitos e do recuo da cidadania.

"Silêncio responsável"
Porém, mais do que uma questão de impossibilidade, ela justifica o silêncio pelo senso de responsabilidade do intelectual. Tanto em sua palestra em São Paulo como no Rio, Chaui relembrou a polêmica nos anos 50 entre os filósofos franceses Jean-Paul Sartre e Maurice Merleau-Ponty.
Partidária do segundo, ela ataca a idéia de que o intelectual deva ceder à pressão social e opinar sobre todos as questões que lhe são propostas, sobre fatos isolados.
"Manifestar-se sobre tudo, mudar de atitude conforme mudem os ventos, abandonar a obra já feita, desdizendo-a e desdizendo-se, é irresponsabilidade, não é liberdade. Muitas vezes o verdadeiro engajamento exige que fiquemos em silêncio, que não cedamos às exigências cegas da sociedade."
Apesar de não criticar o governo Lula diretamente, Chaui diz que o PT errou ao não eleger como prioridade de governo a reforma política e a reforma tributária, privilegiando a aprovação da reforma da Previdência.
A deficiência do sistema partidário e eleitoral, segundo diz, é uma das causas da atual crise política, o que justificaria a reforma política. Quanto a tributária, seria uma maneira viável de promover a distribuição de renda no país, financiando programas sociais como o Fome Zero.
Outra crítica que faz ao governo é quanto ao caráter aparentemente não transitório da política econômica. O que era para ser uma transição para outro modelo, segundo ela, parece ter se transformado em política definitiva.
Ela entende que esse seria o motivo principal de o governo ter perdido apoio de boa parte dos intelectuais ligados ao PT desde a posse do presidente Lula.


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