São Paulo, domingo, 24 de setembro de 2006

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ELIO GASPARI

Lula não é Nixon, Mello não é Bob Woodward


Essa comparação é curiosa para um cidadão, impertinente para um magistrado, absurda para um presidente de tribunal

O PRESIDENTE DO Tribunal Superior Eleitoral, ministro Marco Aurélio de Mello, precisa conter a devoção que tem pela voz do doutor Marco Aurélio de Mello. Sua comparação das malfeitorias petistas com o caso Watergate é curiosa para um cidadão, impertinente para um magistrado, absurda para o presidente de um tribunal eleitoral.
Numa entrevista aos repórteres Luiz Orlando Carneiro e Tales Faria, o ministro produziu uma salada. Perguntaram-lhe se via "semelhanças" entre os dois casos e ele disse:
"Não, não vejo.... É algo muito pior! Não há comparação. Aquela escuta foi realmente muito terrível. Mas, agora, o que temos é uma somatória de desvios de poder."
Se o ministro acredita que o caso do PT é realmente "muito pior", mistura duas equipes de tabajaras, uma americana e outra brasileira, associando um episódio passado (a renúncia do presidente Richard Nixon) e uma crise recente (o envolvimento de Lula nas malfeitorias petistas).
A associação é capenga. Nixon encrencou-se quando dois assessores testemunharam que havia usado a Presidência para obstruir o trabalho da Justiça. Foi a pique quando teve que entregar as fitas das gravações clandestinas que fazia no Salão Oval. (Ele não foi o primeiro. O grampo presidencial tornara-se rotina nas reuniões de John Kennedy e nos telefonemas de Lyndon Johnson.)
Há uma diferença essencial entre o Watergate e as malfeitorias petistas: ninguém provou (ainda) que Lula obstruiu investigações policiais ou a ação da Justiça. A idéia de "pior" sugere um nível de malfeitoria que não chegou (ainda) ao campo das provas. O que vem a ser um "desvio de poder", não se sabe, mas até onde a vista alcança, se alguém cometeu desvios foi o doutor Ricardo Berzoini com seu dispositivo de mídia.
Uma das boas coisas da vida para colunistas e redatores é a construção de vinhetas históricas comparando alhos com bugalhos. (A nota aí de baixo é um exemplo disso.) Quando o presidente do Tribunal Superior Eleitoral entra nesse tipo de exercício, a Justiça perde. Os repórteres Bob Woodward e Carl Bernstein achavam que o caso Watergate era "muito pior" do que se pensava, mas eram repórteres, não eram magistrados.
Enquanto a ministra Ellen Gracie estiver na presidência do Supremo, bem que se poderia criar um sistema de cotas verbais: todos os ministros podem falar quanto quiserem fora da Corte, desde que não ultrapassem em dez vezes o tamanho das falas da presidente. Como ela raramente excede duas frases por semana, ficaria tudo mais simples.

La Cicarelli tem o seu momento Jacqueline

Daniela Cicarelli quer processar quem divulgar seus momentos de alegria nas areias e nas águas de Cádiz, na Espanha. É provável que a Justiça lhe dê razão em diversos países. Mesmo assim, quem entende do negócio sugere que, em vez de brigar para trás, ela faça como Jacqueline Kennedy, que brigou para a frente.
Em 1974 a linda senhora (45 anos, quem diria) estava no seu paraíso particular da ilha de Skorpios, na Grécia. Vestia um biquíni preto. Primeiro tirou a parte de cima. Ao trocar-se, tirou o que faltava. Foram mais de 30 fotos, em todos os ângulos, sem bolina. Meses depois, circulou uma história segundo a qual, ao encontrar-se com ela, o economista John Kenneth Galbraith disse-lhe: "Muito prazer em te ver vestida, Jackie".
Nas fotos de Skorpios havia um enigma. O milionário Aristóteles Onassis, com quem Jacqueline se casara em 1968, também aparecia, com o torso nu e enrolado numa toalha. Bingo. Foi ele quem contratou os fotógrafos que campanaram a madame. Passada a sensação, discretamente, as cenas saíram do mercado. A primeira negociação passou pelo pornógrafo Larry Flynt, dono da revista "Hustler", que comprara os direitos das fotos.

Lula e Delfim
Nosso Guia defende a abertura de negociações com a oposição para definir uma agenda para um eventual segundo mandato. De um lado e de outro fica a pergunta: como fazer isso? Um bom início de conversa é pedir a Lula e ao deputado Antônio Delfim Netto que divulguem a receita das conversas que tiveram nos últimos quatro anos.
Delfim e Lula encontraram-se pelo menos seis vezes, sempre no Planalto, sempre por mais de uma hora. A última conversa aconteceu há duas semanas. Lula jamais disse que chamou Delfim e Delfim nunca revelou que foi ao palácio. Uma das prerrogativas que a inércia dá a um ex-ministro (1969-1974 e 1979-1984) é o acesso ao andar do presidente pela garagem do Planalto e pelo elevador privativo das autoridades.
Lula e Delfim conversaram na presença de Antonio Palocci ou de Tarso Genro. Nunca cuidaram de varejo e faltou pouco para que chegassem a um acordo na busca do déficit zero. As conversas não mudaram as idéias de nenhum dos dois, mas ajudaram o governo e o Congresso a trabalhar melhor.

Bomba na descarga
Para a crônica do dispositivo de mídia do professor Berzoini: É muito provável que Freud Godoy esteja na história do ervanário petista como Pilatos no Credo. Preso, Gedimar Passos quis livrar o cacique a quem se reportava (Jorge Lorenzetti) e deu o nome de uma figura discreta, de nome esquisito. Não sabia de quem estava falando. Algo como se a bomba de Hiroshima tivesse o detonador ligado na descarga da privada do japonês da piada.

Bis
Durante jantar com plutocratas, há dez dias, Nosso Guia deu a seguinte resposta ao empresário Eugênio Staub, que lhe perguntou como superaria os obstáculos que atrapalham seu projeto: "Staub, não acorde o demônio que tem em mim, porque a vontade que dá é de fechar esse Congresso e fazer o que é preciso". O dispositivo de mídia do Planalto desmentiu-a. Convidados que a ouviram confirmaram-na.

O PT baleou Ciro
Em julho de 2002, Paulo Pereira da Silva, candidato a vice na chapa de Ciro Gomes, tomou uma bordoada de um dossiê. Era acusado de ter comprado um sítio com dinheiro da venda ao governo de uma fazenda superfaturada. Referindo-se à denúncia, Ciro defendeu seu parceiro dizendo o seguinte: "Setores a serviço da plutocracia, da propaganda do governo, dos arreganhos do sistema financeiro internacional vão tentar agredir, atacar, levantar calúnia". O doutor deve desculpas à plutocracia, ao governo FFHH e ao sistema financeiro internacional. Wagner Cinchetto, integrante do equipe de demônios que em 2002 manipulava denúncias para beneficiar Lula, contou o seguinte ao repórter Rubens Valente: - Ciro Gomes teve um crescimento muito grande nas pesquisas que mostravam que, num segundo turno, ele derrotaria Lula. Nós passamos a trabalhar no ponto fraco (...) dele. O trabalho do grupo foi dar um pouco mais de transparência à imprensa. (...) Assim que o Ciro começou a cair, o pessoal chegou a me agradecer pelo trabalho realizado.

O arreganho foi petista.
Nosso Guia diz que "esse nunca foi e nunca será o meu estilo". A patuléia finge que acredita.


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