São Paulo, Domingo, 24 de Outubro de 1999
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

SISTEMA FINANCEIRO
Dívida do banco de Calmon de Sá cai 50% desde janeiro
Alta do dólar beneficia o dono do Econômico

FELIPE PATURY
da Reportagem Local

O tempo conspira a favor de Ângelo Calmon de Sá. Depois de ser excluído do mercado financeiro pelo insucesso no Econômico, que foi o sexto maior banco do país e o mais antigo da América Latina, Calmon de Sá assiste às dívidas que deixou na praça encolherem.
Desde janeiro, o rombo do Econômico, estimado em mais de R$ 3 bilhões, caiu pela metade. O milagre veio da valorização das garantias dadas pelo Econômico ao empréstimo de R$ 6,6 bilhões do Proer, o programa de reestruturação do sistema financeiro do governo.
Para conseguir o empréstimo, o Econômico entregou ao governo R$ 3,6 bilhões em títulos públicos corrigidos pela variação cambial. Os papéis, Notas do Tesouro Nacional, foram emitidos exclusivamente para o Proer com as mesmas características de títulos brasileiros da dívida externa.
Os títulos estavam cotados no mercado a R$ 1,4 bilhão no final do ano passado. Com a desvalorização do real no último mês de janeiro, que acumula 63,5% até agora, a cotação dos títulos do Econômico saltou para R$ 2,6 bilhões em junho e está próxima do dobro hoje.
Com tantas boas notícias, não há mais no Banco Central quem duvide de que o ex-banqueiro conseguirá pagar todas as suas dívidas e liberar seu patrimônio pessoal, que foi apreendido para assegurar o ressarcimento dos credores.
"A lógica indica que ele poderá pagar as contas", diz Luiz Carlos Alvarez, diretor de Fiscalização do Banco Central. Enquanto os bens de Calmon de Sá aumentam de valor, suas dívidas estão praticamente estacionadas. São corrigidas apenas pela TR sem qualquer juro adicional.
"As leis de falência beneficiam o empresário", diz o diretor do BC. Apesar disso, o banqueiro não deve tirar nada do Econômico, mesmo que sobre dinheiro quando todos os credores forem pagos.
Nesse caso, os juros que incidiam sobre as operações e foram suspensos com a liquidação voltam a correr para beneficiar os credores. "Ele vai levar zero para casa", diz Alvarez. Ainda assim, Calmon de Sá tem razões de sobra para comemorar.
Ele deve manter seu patrimônio intocado, mas não são apenas seus negócios que melhoram. Depois da quebra do Econômico, em agosto de 1995, o empresário passou a levar uma vida de reclusão. Perdeu todas as suas empresas, que ficaram sob administração do Banco Central.
A Coca-Cola obrigou-o a vender sua engarrafadora a Tasso Jereissati porque não queria ver o nome de Calmon de Sá associado a seu produto. Seu iate Maui Maui II, que usava para a pesca oceânica, foi arrestado para pagar as dívidas com os credores do Econômico.
Calmon de Sá não recuperou o prestígio que tinha à frente do Econômico e que lhe permitiu ser presidente do Banco do Brasil e ministro duas vezes. Mas, entre outros rendimentos, recebe R$ 20 mil de uma aposentadoria paga pelo fundo de pensão dos funcionários do Econômico.
Dá expediente na Aratu Empreendimentos, uma de suas holdings, discute a gestão de suas empresas com o liquidante do Econômico, Flávio Cunha, e até voltou a participar dos campeonatos de pesca com o Maui Maui II, devolvido pelo BC. "A fase da depressão já passou", diz seu advogado Nelson Felmanas.
O ganho do Econômico com a desvalorização do real é tão grande que o problema do Banco Central agora é pagar o Imposto de Renda sobre todos os lucros da massa falida do Econômico.
As estimativas dos funcionários do BC são de que as dívidas com o fisco podem chegar a R$ 500 milhões por causa da valorização cambial. O pagamento do imposto tem de ser feito tão logo seja publicado o balanço do Econômico, que trará todas as dívidas da instituição reconhecidas pelo Banco Central.
O pior é que o imposto será pago sem que os lucros tenham sido apropriados pela massa falida do Econômico. Isso só vai acontecer depois que as Notas do Tesouro Nacional forem a leilão.
Calmon de Sá também contou com a ajuda da desvalorização para ver crescer o valor da Conepar, o braço petroquímico do Econômico. A participação do Econômico na Conepar chegou a ser estimada em 1997 em US$ 500 milhões pelo Swiss Bank, contratado pelo Banco Central para avaliar as empresas.
Na época, o mercado achou que as ações de Calmon de Sá tinham sido superavaliadas e a venda da empresa micou. O edital de leilão da Conepar, que chegou a ser publicado pelo Banco Central, foi retirado porque havia risco de não haver compradores.
A desvalorização e a alta do petróleo e seus derivados no mercado internacional trouxeram lucros para a Conepar. Uma das suas empresas, a Ciquine, operou oito anos no prejuízo e, desde a desvalorização, está no azul. Hoje, os US$ 500 milhões já parecem justos ao mercado.
A Econtrading, outra empresa do Econômico, virou líder de mercado na Bahia. A Cajuba, de sucos, outra empresa do grupo, está sendo negociada pelo Banco Central com empresários americanos e a fazenda Nova Aliança está sendo avaliada para ir a leilão.
A apreensão sobre o futuro do Econômico está, agora, no BC. As estimativas dos técnicos apontam para ativos do Econômico de R$ 8 bilhões e passivos de R$ 11 bilhões. O pior é que, no meio desses ativos, há dinheiro que ninguém pensa em receber.
É o caso de R$ 1,2 bilhão emprestados a usineiros, os maiores devedores do banco, ou R$ 150 milhões devidos pelo governo de Alagoas. Créditos agrícolas concedidos pelo Proagro, o seguro agrícola oficial, chegam a R$ 3 bilhões, mas o BC estima que não valham mais do que R$ 20 mil.
Na mesma situação estão R$ 2,5 bilhões de créditos do Fundo de Compensação das Variações Salariais (FCVS) obtido com financiamentos habitacionais. "Isso vai ser pago, mas só quando os títulos vencerem"", diz Alvarez.


Texto Anterior: Jânio de Freitas: Os riscos do socorro
Próximo Texto: Reforma agrária: Verba para ensino de assentados é cortada
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Agência Folha.