São Paulo, domingo, 24 de outubro de 2004

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CIÊNCIAS SOCIAIS

Para pesquisador do Ipea, ricos são os que se encontram no 1% com maior renda da população brasileira

Tempo de estudo não explica desigualdade

RAFAEL CARIELLO
DA REPORTAGEM LOCAL

As diferenças de escolaridade não explicam a desigualdade social e econômica do país.
Os ricos são ricos não porque puderam estudar mais -ou porque são brancos, homens e moram no Sudeste, embora tudo isso ajude-, mas principalmente por causa da "herança" que recebem de seus pais também ricos (que pode ser a oportunidade de ter uma educação de elite, de terem crédito, de terem uma rede de relações pessoais com outras pessoas também ricas que lhes garanta bons empregos ou, simples, herança financeira mesmo).
O que parecia senso comum ou ressentimento de classe -ah, esses pobres invejosos!- agora foi quantificado e medido por Marcelo Medeiros, 34, economista do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada).
Ele apresenta o trabalho -"Sobre as oportunidades de ser rico serem abertas a todos por meio do trabalho"- na reunião da Anpocs (Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Ciências Sociais), que começa terça-feira, em Caxambu (MG) .
Ricos, para Medeiros, são os que se encontram no 1% com maior renda de toda a população brasileira. Fatia pequena, mas que no entanto não tem rendimentos estratosféricos -o piso do grupo era de R$ 2.170 per capta, em valores de 1999, ano da última Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios) usada como base para a pesquisa.
No trabalho, o economista relaciona, primeiramente, os ganhos médios que cada ano de educação dá à renda do trabalhador. Na média, por exemplo, um ano de estudo representa um acréscimo de 18% em relação ao rendimento de um sujeito que nunca tenha ido à escola. Quinze anos ou mais, 754% a mais na conta do cidadão.
Os acréscimos seguem esse modelo -em escala pouco maior ou menor- para quase todas as faixas de renda. Quando chegamos ao topo da pirâmide, porém, os rendimentos são muito superiores aos esperados se considerados apenas os efeitos dos anos de estudo (fator principal), da região do país, do sexo e da cor da pessoa. Para ser exato, são 4,2 vezes maiores nos 2% do topo, e 7,4 vezes maiores, no 1% mais alto.
Quer dizer: prevêem e explicam muito pouco as razões da diferença. E ela é tão grande que, se os retornos médios dos atributos dos ricos (escolaridade etc.) fossem aplicados a todos os não-ricos, poucos entrariam no grupo dos que ganham acima de R$ 2.170.
Ou seja, se por um maná, se numa situação extremamente otimista e irreal (Medeiros fez a projeção), os não-ricos tivessem todos curso superior completo, a fatia dos ricos não chegaria a 2% da população. "Isso reforça a dimensão de elite. Você não é elite porque tem nível superior. As pessoas são da elite porque têm a melhor educação disponível no país. As famílias estão transmitindo seu status para seus filhos."
E continua: "Outra coisa, além da educação de elite, é o mercado de trabalho restrito. Um mercado que não coloca anúncio no jornal, que depende do círculo de relações pessoais. Como os ricos são socializados entre outros ricos, eles têm vantagens por conhecer pessoas mais ou menos ricas, que vão arrumar espaço. Você vê, por exemplo, como se arruma vaga para jornalista -sempre tem influência-, para economista também".
"No fundo, esse estudo é sobre mobilidade social no Brasil." No fundo, esse estudo é sobre aquilo que -quase- não há.


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