São Paulo, segunda, 25 de janeiro de 1999

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ENTREVISTA DA SEGUNDA
Real faz empresa levar dois "tombos' em 4 anos

Ernesto Rodrigues/Folha Imagem
Fernando Machado, diretor da Máquinas Operatrizes Zocca Ltda., no galpão da empresa, onde máquinas estão paradas por causa da crise


FREDERICO VASCONCELOS
da Reportagem Local


A Máquinas Operatrizes Zocca Ltda., uma indústria de porte médio do interior de São Paulo, é o retrato exemplar da situação de muitas empresas que foram atingidas duplamente pelo Plano Real.
Em 1994, diante da abertura indiscriminada da economia, foi obrigada a mudar seu perfil de produção. Para enfrentar a concorrência de máquinas asiáticas mais baratas, a Zocca passou a importar componentes.
Desde o Plano Real, a empresa encolheu. O quadro de pessoal e o faturamento caíram pela metade.
Com a crise cambial, os componentes importados ficaram mais caros, agravando a situação do setor de máquinas, cujas encomendas já vinham definhando com os juros elevados. A Zocca enfrenta hoje uma ociosidade de 70%.
Para retomar a produção e aumentar o nível de componentes nacionais, se houver uma retomada da economia, a Zocca -depauperada e sem capital de giro- terá que investir como se estivesse implantando uma nova fábrica, o que leva, no mínimo, um ano.
"O segmento industrial foi desamparado. A impressão que a gente tem é que foi feita uma abertura neste país para jogar mesmo a indústria no chão", diz o engenheiro mecânico Fernando Machado de Paula Eduardo, 47, gerente comercial da Zocca.
Empresa familiar tradicional, a Zocca foi fundada por imigrantes italianos em 1926, em Jaboticabal (345 km a noroeste de São Paulo).
Ela produz máquinas operatrizes de usinagem para a indústria mecânica e metalúrgica (como fresadoras e tornos), ou seja, são máquinas de fazer máquinas.
Indústrias de grande porte, como Mercedes-Benz, Volkswagen, Ford, Fiat e Gradiente, por exemplo, têm máquinas da Zocca.
Machado concedeu entrevista à Folha, por telefone, de Jaboticabal, na última quinta-feira.
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Folha - Por que a Zocca começou a importar componentes?
Fernando Machado -
Do Plano Real para cá, houve uma abertura muito rápida, com redução drástica das alíquotas de importação. E nós ficamos expostos. Hoje, o índice de nacionalização está em torno de 65% a 70%. Antes, era de mais de 90%.
Folha - Como era a concorrência?
Machado -
Havia produtos de tecnologia igual ou superior e com preço bastante competitivo. Nós tínhamos que lidar com câmbio totalmente irreal, com uma carga de impostos muito elevada e custo muito elevado do capital de giro. O produto lá fora é fabricado com outra realidade. Então, começamos a ter uma competição dura com produtos importados, principalmente de países asiáticos, como China, Taiwan, Coréia.
Folha - A abertura da economia era necessária?
Machado -
Era necessária, mas o governo tinha que aparar o caminho, fazer uma abertura gradual. Estava entrando muita máquina de baixa tecnologia. Também havia muita fraude (máquinas importadas com declarações falsas, para obter isenção de imposto).
Folha - Ou seja, era uma concorrência dupla...
Machado -
Com a abertura, o importador capitalista aplicava o dinheiro num banco, lotava contêineres com máquinas baratas na Ásia. Pagava com uma carta de crédito de 360 dias, e mais 90 dias, negociava no banco, aqui, e pagava ao exportador um ano e tanto depois. O importador trazia essa máquina de baixa tecnologia, vendia a um preço baixo e financiava o comprador com recursos próprios, porque tinha um ano para pagar. Ficou difícil competir.
Folha - Qual foi a saída?
Machado -
Tivemos que baixar os preços. Fizemos importação também. Começamos a diminuir o índice de nacionalização das máquinas, agregando componentes importados a um valor mais baixo.
Folha - Ao aumentar o índice de componentes importados, qual foi o efeito na sua estrutura?
Machado -
Por força de crises, não só da reestruturação, por força da terceirização de serviços e da substituição de componentes importados, no fim, de 300 funcionários que tínhamos, havia 10, 12 anos, nós temos 120 hoje. Nós temos um parque fabril enorme, metade das máquinas (ou mais) não é utilizada e não será mais.
Folha - Mesmo que haja uma reativação da economia?
Machado -
Elas serão substituídas por máquinas computadorizadas. Isso acarreta, infelizmente, desemprego.
Folha - Como isso se reflete na região onde a empresa atua?
Machado -
As pessoas ficam amarguradas. Uma empresa que é muito conhecida, quando passa por situações desse tipo, numa cidade pequena, isso causa um trauma, desânimo. A indústria de máquinas-ferramenta gera impostos, é multiplicadora de impostos. Mas o setor foi desagregado. Acho que menos da metade das empresas que existiam em 1990 existe hoje.
Folha - Não havia ineficiência na sua linha de produção?
Machado -
No primeiro momento, o problema era de eficiência, mesmo. A gente tinha preços elevados. A Zocca já vinha, antes da abertura, começando a fazer acordos de transferência de tecnologia com empresas da Europa para modernizar a linha de produtos. Para fabricar a um custo baixo, de forma eficiente, implicaria investir maciçamente em automação, numa época em que isso era inviável, nem formas para financiar havia.
Folha - Qual foi o impacto da crise dessas duas últimas semanas?
Machado -
O mercado continua parado. Não existem novas encomendas. Enquanto os juros estiverem no patamar em que estão, ninguém compra máquinas.
Folha - Qual é a sua previsão?
Machado -
O ambiente de negócios para o fabricante brasileiro de máquinas aparentemente melhorou. Mas a máquina importada vai aumentar de 25% a 30%.
Folha - Fala-se muito que a volta da produção com mais componentes nacionais seria imediata...
Machado -
Isso é conversa de político. Você não consegue aumentar significativamente a produção do dia para a noite. Não há capital para isso. É como se fosse uma nova implantação industrial.
Folha - Uma retomada traria de volta os empregos perdidos?
Machado -
O empresário vai buscar produtividade com equipamentos cada vez mais sofisticados. Seria ilusão dizer que, se o mercado aumentar 100%, nós vamos dobrar o número de funcionários.
Folha - Uma indústria como a Zocca, para continuar no setor, vai ter que ter muita disposição...
Machado -
O grupo só sabe fazer máquinas. Uma multinacional, se cair o faturamento, fecha a unidade. No nosso caso, é uma teimosia, no bom sentido.



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