São Paulo, domingo, 25 de março de 2007

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Na terra de d. Odilo, católicos e protestantes vivem misturados

Em Toledo, no Paraná, irmão de novo arcebispo de São Paulo diz que cidade é ecumênica há tempos

Localidade foi ocupada no início dos anos 50, quando famílias de trabalhadores rurais, na maioria de origem alemã, para ali se mudaram

Tuca Vieira/Folha Imagem
Bruno, um dos 12 irmãos Scherer, mostra foto da família logo após a chegada a Dois Irmãos; ele não sabe dizer qual dos três meninos de camisa clara (à dir.) é d. Odilo

RAFAEL CARIELLO
ENVIADO ESPECIAL A TOLEDO (PR)

"Unidos em Cristo" é o que está escrito na cruz à entrada da igreja da vila de Dois Irmãos, distrito de Toledo, no oeste do Paraná, localidade onde d. Odilo Scherer passou a infância e o início da adolescência.
Toda a região, distante cerca de 100 km da divisa com o Paraguai, começou a ser ocupada no início dos anos 50, quando famílias de trabalhadores rurais, em sua maioria gaúchas e de origem alemã, como era o caso dos Scherer, para ali se mudaram atraídas pela terra boa.
Bastante religiosos, em sua maioria católicos, luteranos ou batistas, esses migrantes e seus descendentes são de fato mais unidos na crença em Jesus Cristo que respeitadores de divisões religiosas criadas há séculos. No local em que o novo arcebispo de São Paulo aprendeu suas primeiras lições de religiosidade, católicos e protestantes freqüentam missas uns dos outros, casam-se entre si e dão aos filhos liberdade para passar de uma religião à outra, o que eles fazem, com a benção de padres e pastores.
"O ecumenismo já era praticado aqui há muito tempo", afirma Flávio Scherer, irmão de d. Odilo e morador de Toledo, sobre o congraçamento das religiões na região. "Nas escolas católicas, na hora do catecismo, quem não era católico era dispensado, para que não lhes fosse imposta a doutrinação. O mesmo acontecia nas escolas dos evangélicos."
Flávio afirma que o mesmo chegou a acontecer na escola freqüentada por ele e seus irmãos. Havia dois meninos, filhos de um administrador luterano de fazenda vizinha a Dois Irmãos, que ia ao mesmo colégio que a maioria católica local. "Quando chegava a aula de catecismo, eles eram dispensados. Nos acostumamos desde cedo com essa diversidade."
O que agora parece de fato unido "em Cristo" -fiéis de religiões diferentes-, o homem tentou separar no início da ocupação do local, afirma Flávio. A "colonizadora" da região, uma empresa que vendeu as terras para os migrantes gaúchos, encaminhava para cada pequeno vilarejo os seguidores desta ou daquela religião.
Assim, para Quatro Pontes, paróquia que engloba Dois Irmãos, foram majoritariamente católicos. Para o município vizinho de Marechal Rondon, principalmente luteranos. E para Nova Santa Rosa, 20 km adiante, as demais denominações protestantes.

Divisão
Com o tempo e novas migrações, a rígida divisão inicial foi esmaecida, mas os números de católicos em cada localidade, de acordo com o censo de 2000, ainda mostram os resquícios dessa tentativa de "compartimentalização". Em Quatro Pontes, eram no início da década 82,23% os católicos. Em Marechal Rondon, 56,15%, e em Nova Santa Rosa, 35,89%.
É nessa última cidade que mora Carlito José Henz, 40, católico. Seu irmão Ilio Jacó Henz, 43, após o casamento, tornou-se luterano, religião da mulher. Outro irmão, Glicério Henz, 46, foi levado pela mulher para a Igreja Evangéilca Congregacional.
"Meu sogro é evangélico e minha sogra é católica", diz Carlito Henz. "Os dois vão nas duas religiões. Já minha esposa vai só na católica" diz.
Mauro Cassimiro, 34, que se diz "o padre mais preto da região" (na verdade, ele não é preto, nem branco, nem índio), afirma que "luteranos e católicos se freqüentam principalmente em celebrações especiais, como crismas, casamentos e batizados".
A menção à cor da pele feita pelo padre não é gratuita, já que, por ali, tanto quanto a fé, a origem germânica parece ser um fator crucial a unir diferentes famílias. Ele diz precisar de intérpretes para entender alguns moradores quando vai visitar os doentes "de mais idade", que só falam alemão. Idêntico relato é feito pelo padre José Beffa, 40, da vizinha Nova Santa Rosa.
Na tarde da última quinta-feira, padre Mauro foi a Dois Irmãos celebrar uma missa de corpo presente para Maria Muskob, falecida no dia anterior. Maria foi criada como evangélica, disseram conhecidos seus. Casou-se com um morador de Dois Irmãos e converteu-se ao catolicismo. Cerca de 200 pessoas compareceram para homenageá-la. Ao final da missa, suas amigas do grupo de idosos local cantaram "Maria Mãe de Deus" em coro, belamente. Cada palavra, do início ao fim, em alemão.


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