São Paulo, domingo, 25 de abril de 2004

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ELIO GASPARI

Napoleão Berzoini na Rússia

Governo que não sabe para onde vai é assim: no dia 13, o ministro Ricardo Berzoini assinou uma portaria determinando que os sindicatos só poderiam cobrar taxas dos trabalhadores quando eles concordassem prévia e expressamente com o pagamento. Pressionado pela CUT e pela Força Sindical, Berzoini fugiu com a coragem de Napoleão na Rússia. Adiou a vigência de suas convicções para 2005. Num governo que produz números recordes de desemprego, o ministro do Trabalho e do Emprego revogou uma medida que protegia o bolso de quem trabalha. Liberou uma mordida que poderá ficar entre um ou três dias de trabalho por ano.
De cada cem trabalhadores urbanos, 17 eram sindicalizados em 2001. A choldra (sindicalizada ou não) trabalha um dia por ano para manter os sindicatos. Existem duas outras "contribuições": a "confederativa" e a "negocial". A taxa confederativa fica em torno de 20% de um salário mensal por ano. Há sindicatos que cobram taxas negociais abusivas. Elas ficam, na média, em 25% de um salário mensal. Para cobrar essa taxa, o sindicato precisa da aprovação de uma assembléia da categoria. Um estudo do IBGE informa que 32% dos sindicatos urbanos cobram a taxa negocial. Deles, dois em cada três vão ao bolso de toda a categoria.
O meio sindical brasileiro tem grandes momentos e alguns números amargos. De cada quatro sindicatos, um não presta nem sequer assistência jurídica aos seus associados. Metade não presta nem intermedeia assistência médica. Na hora de escolher suas diretorias, cerca de 75% dos sindicatos ficam no sistema de chapa única.
A portaria falecida era simples como água: para cobrar uma taxa dos trabalhadores, os sindicatos precisariam de uma autorização prévia, expressa e escrita de cada um deles. Não é uma exigência absurda. Admitindo-se que a patuléia tem discernimento suficiente para escolher o presidente da República, por que não pode decidir para onde deve ir o seu dinheiro?
Se a CUT e a Força Sindical batalhassem contra o desemprego como batalharam em benefício dessa tunga, o PT-Federal teria motivos para temê-las.

Lula e seu desemprego espetacular

Sob a presidência de Lula e a coordenação do doutor Antonio Palocci, a ekipekonômica deu seu quarto bis: a região metropolitana de São Paulo voltou à marca dos 2 milhões de desempregados.
É de justiça reconhecer que esses 2 milhões resultam da soma, pela Fundação Seade, de dois resultados. Um é o desemprego, chamado de "aberto" (passou de 12,6% para 13,3%, ou 1,3 milhão de pessoas). Outro é o desemprego oculto, onde estão as pessoas que desistiram de procurar trabalho ou aquelas que no mês anterior fizeram algum biscate. Esse índice passou de 7,2% para 7,3%. Somando, dá 20,6%.
Os números de Lula têm voz. Dois milhões de almas equivalem a toda a população de São Paulo em 1945, quando o pai de Luiz Inácio da Silva deixou o sertão pernambucano. Os desempregados com diploma de curso superior bateram os 100 mil. Ou seja, há em São Paulo mais desempregados com diploma superior do que a soma de todos os alunos da USP e da UFRJ.
Num só mês, Lula e sua ekipekonômica presidiram o sumiço de 94 mil vagas. Para que o número ganhe uma cara, pode-se lembrar que ele equivale a quase quatro vezes o número de metalúrgicos sindicalizados em São Bernardo em 1969, quando o pernambucano Taturana recebeu sua carteirinha número 25.958. No março negro do PT-Federal, Lula sumiu com 87 mil postos de trabalho na indústria paulista. No abril vermelho, o MST instalou 28 mil famílias em terras alheias. Para quem precisa comer, é melhor ir atrás do MST do que seguir os charuteiros petistas.
O estrago da ekipekonômica é amplo, geral e irrestrito. Quem se manteve no emprego trabalhou menos. A jornada caiu de 45 para 44 horas. A renda média da choldra baixou de R$ 985 para R$ 953. Pode-se ilustrar a ruína produzida pela ekipekonômica tucana arrendada ao PT-Federal com uma continha simples. Em 1998 seriam necessários oito trabalhadores para produzir a renda destinada a pagar o salário (R$ 6.830,42) e a aposentadoria (R$ 3.976) de Lula. Agora, para que ele receba a mesma quantidade de filé sem osso, são necessários os ganhos de 11,3 trabalhadores.
O programa Pobreza Zero do doutor Palocci é um êxito auto-sustentado. Entre fevereiro de 2003 e fevereiro de 2004, a renda dos 10% mais pobres da região metropolitana de São Paulo contraiu-se em 6%. Isso significa que, mantido esse ritmo, dentro de 12 anos a ekipekonômica poderá anunciar ao mundo a virtual erradicação da pobreza na cidade. Pela supressão dos pobres, mas como disse o milionário Osgood Fielding III para a Daphne (Tony Curtis) do filme "Quanto Mais Quente Melhor": "Ninguém é perfeito". Osgood está protegido pelo programa Bolsa-Riqueza. A renda dos 10% mais ricos aumentou em 2,9%. Nesse ritmo, em 20 anos, São Paulo terá uma percentagem de abonados superior ao principado de Mônaco.

O povo paga as greves da PF e do INSS

Os líderes das greves de servidores públicos resolveram transformar a patuléia em saco de pancadas. Depois de uma greve de 73 dias dos peritos do INSS, a Previdência voltou a parar. Se isso fosse pouco, a Polícia Federal, parada desde 9 de março, ameaça retomar a operação padrão nos aeroportos, destinada a azucrinar a vida dos cidadãos que precisam viajar.
Greves reivindicatórias são um direito e, às vezes, um bálsamo. Greves que se sustentam impondo constrangimentos ao povo são covardes exercícios de prepotência. É isso que está acontecendo na Polícia Federal e no INSS. A greve dos peritos já prejudicou cerca de 500 mil trabalhadores. Num triste episódio, o presidente da Federação Nacional dos Policiais Federais, Fernando Garisto, assegurou que o serviço de inteligência da PF deixou de colaborar com a Polícia Militar no monitoramento do tráfico de drogas no Rio de Janeiro.
Um servidor público, líder de sua classe, sente-se no direito de dizer à população que um dos braços do aparelho de segurança do Estado não está colaborando com o monitoramento do tráfico de drogas no Rio e isso lhe parece um sucesso.
Se a Polícia Federal pretende mostrar que é capaz de infligir danos e transtornos à população, ela deve entender que é direito dessa mesma população desejar que suas reivindicações se danem. O mesmo acontece com os grevistas do INSS. Eles pressionam o governo arruinando a vida de pobres trabalhadores.
Não é justo que policiais federais mutilem direitos dos contribuintes nem que os funcionários do INSS usem a turma do andar de baixo como bucha de canhão de suas reivindicações. Demonstram a força dos seus movimentos botando o povo em filas vergonhosas. Essa não é uma maneira de reivindicar. É uma modalidade de humilhação.
Dá gosto ver grevistas distribuindo pizzas Waldomiro, buzinando ou usando nariz de palhaço nas passeatas, até aborrecendo ministros. Senso de humor, criatividade e energia não fazem mal a ninguém.
Os mesmos grevistas que deixam os cidadãos na fila querem que a choldra otária, na condição de contribuinte, pague-lhes os dias durante os quais não trabalharam e aporrinharam os cidadãos. Levantam a bandeira de Eremildo, o idiota: "Greve geral até a vitória final, com pagamento dos dias parados".

Duas medidas

O doutor Waldomiro Diniz foi demitido da subchefia do Gabinete Civil "a pedido".
O físico Luiz Pinguelli Rosa foi exonerado da presidência da Eletrobrás sem ter pedido. Como disse Lula, o pobre professor não tinha votos no Senado.
Um sábio, capaz de envenenar a água de um orfanato caso seu nome seja revelado, informa: "Estão dizendo que o escândalo do Waldomiro paralisou o governo. Errado. A paralisia do governo deve-se à ausência do Waldomiro".

Agenda pontual

Se Lula quer uma agenda positiva, pode começar cuidando da pontualidade da sua. Chegou 40 minutos atrasado para a apresentação da ópera "Aída" no Teatro Municipal de Manaus. Certamente não sabia o que estava fazendo. Com quatro atos, a "Aída" consome três horas da agenda de quem vai vê-la. (Lula caiu fora ao fim do segundo ato). A média dos atrasos do companheiro está em 60 minutos. Na semana passada, atrasou-se meia hora numa cerimônia em que havia tropa formada, ao sol.
Lula já chegou com uma hora e meia de atraso para um almoço com a presidente da Finlândia. Com o costume de fazer esperar, já impôs memorável vaia ao sambista Paulinho da Viola. No ano passado, em Brasília, Paulinho tentou justificar o atraso das "autoridades". Foi mal.

Macumbas tucanas

Há uma poderosa macumba no PSDB para detonar a candidatura da deputada Denise Frossard à Prefeitura do Rio.
É o partido-antiquário. Sua única novidade é FFFHHH, a versão 0.3 de FFHH.
Em São Paulo, o governador Geraldo Alckmin revelou que seu secretário da Segurança (candidato a prefeito) pode ser considerado o "funcionário público número um".
O número dois pode ser o delegado Laertes Calandra, acusado de ser o "Capitão Ubirajara" do DOI-Codi. O "capitão" estava de serviço no dia 25 de outubro de 1975, quando Vladimir Herzog morreu no DOI. Foi ele quem requisitou a perícia.
Denunciada a sua posição na estrutura da segurança tucana, Alckmin e Saulo de Castro argumentaram que "Ubirajara" nunca respondeu a inquérito.
Certo. Quem respondia a inquérito era Herzog.

O leitor esclarece

O Ministério da Fazenda informa: o Fundo Nacional de Segurança Pública tem R$ 303,6 milhões em caixa. Esse ervanário não foi congelado, está disponível.
Tradução: o problema é do ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, que só administrou R$ 1.900.
O senador Demostenes Torres volta a atacar: há R$ 221 milhões no caixa do Fundo Penitenciário, destinado a construir cadeias. Neste ano, o governo administrou apenas R$ 128 mil.
FFHH foi-se embora deixando um déficit de 57 mil vagas nos presídios brasileiros. Lula levou a marca para 116 mil.

Entrevista

Luís Francisco Carvalho Filho

(46 anos, advogado, presidente demissionário da Comissão de Mortos e Desaparecidos Políticos)

- O senhor vai deixar a Comissão dos Desaparecidos porque estava fazendo papel de bobo?
- Não me sinto fazendo papel de bobo. Deixo a comissão por motivos pessoais, com um sentimento de frustração. Estaria fazendo papel de bobo se tivesse acreditado na declaração do ministro José Viegas, da Defesa, quando ele disse que os papéis relacionados com a guerrilha do Araguaia, em que desapareceram cerca de 50 brasileiros, haviam sido incinerados nos anos 80, de acordo com a lei. A administração pública não é uma loja de conveniência, onde você queima papéis velhos. A afirmação do ministro só fica de pé se vier acompanhada da exibição da lista dos documentos destruídos e dos autos de incineração, com data e nome de quem determinou a providência. O governo Lula não está sabendo lidar com a questão dos desaparecidos. Quando ele diz que os fatos ocorridos durante a ditadura estão superados, mostra como não sabe lidar com essas questões. Enquanto não houver o esclarecimento de coisas e crimes ocorridos durante o regime militar, não haverá superação. O presidente já recebeu centenas de comissões de brasileiros. Os familiares dos desaparecidos pedem para ser recebidos há mais de um ano. Não conseguem resposta.
- Quem ajudou e quem atrapalhou o trabalho da comissão?
- A comissão existe desde 1995. Durante o governo de Fernando Henrique Cardoso, nunca se praticou nenhum ato que limitasse sua independência. Estabelecemos a responsabilidade do Estado em 280 casos de desaparecimento e morte. Examinamos 366 processos. Fizemos investigações que de outra maneira não seriam feitas. As mentiras oficiais eram chocantes. Houve um caso (de Francisco José de Oliveira) em que, segundo a versão oficial, chegara ao necrotério com três tiros na cabeça 18 horas antes do tiroteio em que teria sido alvejado. No atual governo, a comissão teve dificuldade de interlocução com o secretário de Direitos Humanos, Nilmário Miranda, mais pela sua desorganização do que pelos seus propósitos. O ministro da Defesa, José Viegas, informou-nos oficialmente de que não era nosso interlocutor, passando o caso do Araguaia a uma comissão interministerial que jamais nos deu nenhum tipo de informação. A relação com os ministros Márcio Thomaz Bastos, da Justiça, e José Dirceu, da Casa Civil, foi positiva.
- O que o senhor sugere?
- Em primeiro lugar, espero ser substituído por uma pessoa que aumente a pertinácia da comissão e preserve a sua independência. A reação à busca da história dos desaparecidos é irracional. Essa questão já poderia ter sido resolvida. Não há sentimento de vingança na conduta de uma mãe ou de um irmão que quer saber o que aconteceu com seu parente. É a responsabilidade do Estado que se busca. Prosseguiu-se e até radicalizou-se uma política de silêncio. Com isso, Lula e o ministro da Defesa agravam o problema antigo e criam um novo. Os sucessivos governos brasileiros violaram os direitos dos familiares dos desaparecidos e dos cidadãos em geral ao se recusarem a dizer o que sucedeu a essas pessoas. O Brasil é signatário de convenções internacionais pelas quais seu governo não deveria se comportar dessa maneira.


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