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Mendes foge do padrão, dizem estudiosos
Para alguns especialistas, legislação favorece declarações do ministro; outros apontam eventual comprometimento da função de julgador
Para Rogério Arantes, da USP, cargo de presidente do STF leva a maior exposição; Oscar Vieira, da FGV, afirma que "o juiz fala no processo"
FLÁVIO FERREIRA
DA REPORTAGEM LOCAL
No seu primeiro ano como
presidente do STF (Supremo
Tribunal Federal), completado
anteontem, e do CNJ (Conselho Nacional de Justiça), o ministro Gilmar Mendes inovou
nos cargos ao incorporar a figura de "chefe do Poder Judiciário" e ao se manifestar constantemente sobre temas políticos
e jurídicos como nenhum outro
titular, segundo estudiosos do
Judiciário ouvidos pela Folha.
Para parte dos especialistas,
as constantes manifestações de
Mendes podem provocar uma
confusão sobre o papel do STF
e críticas sobre a imparcialidade do ministro para julgar os
processos em trâmite na corte.
Há pesquisadores que entendem, porém, que a conduta do
atual presidente é favorecida
pela legislação, que confere ao
tribunal a possibilidade de
apreciar questões de políticas
públicas e pelo fato de ele ocupar também a presidência do
CNJ -criado em 2005 para
exercer o controle administrativo e disciplinar do Judiciário.
O professor de direito da
FGV (Fundação Getúlio Vargas) Oscar Vilhena Vieira é um
dos críticos em relação às frequentes manifestações do presidente do STF. "Gilmar Mendes é um ponto fora da curva
em relação aos anteriores. O
[Nelson] Jobim tinha certa exposição, mas Ellen Gracie, Celso de Mello, Sepúlveda Pertence foram discretos. A tradição é
de uma certa discrição. O velho
jargão no direito é: o juiz fala
no processo", diz Vieira.
O professor de direito da
USP (Universidade São Paulo)
José Reinaldo Lopes afirma
que "Mendes não deveria se
manifestar sobre temas que
potencialmente chegarão ao
Supremo, já que o tribunal teve
poderes ampliados e pode ser
chamado a julgar assuntos de
interesse público".
Segundo Lopes, "o Poder Judiciário é, por definição, não
ativo, e age a partir da provocação da sociedade. É por isso
que ele pode dar a última palavra sobre a interpretação da
Constituição. O STF tem o poder extraordinário de, em última instância, definir as regras
do jogo, mas em contrapartida
não pode ter a iniciativa ou participar ativamente do jogo".
Ativismo político
A pesquisadora do Centro
Brasileiro de Estudos e Pesquisas Judiciais Maria Tereza Sadek afirma, porém, que a atitude de Mendes não a surpreendeu e que, a partir da Constituição de 1988, a tendência é um
ativismo político cada vez
maior dos ministros do STF.
"O modelo constitucional de
1988 permite que o Poder Judiciário exerça um papel de ator
político relevante. O Supremo
Tribunal Federal passou a ter a
possibilidade de tratar uma série de novas matérias, e por isso
os ministros são levados a se
pronunciar sobre muitos temas", afirma Sadek.
Segundo a pesquisadora, o
tribunal tornou-se mais aberto
à sociedade e isso também colaborou para uma maior exposição de seus ministros. Para Sadek, "o Supremo alterou-se
enormemente nos últimos
anos e, particularmente durante a presidência do ministro
Gilmar Mendes, ocorreram
mudanças significativas. O Supremo passou a ter, por exemplo, audiências públicas, o que
nunca ocorreu antes".
O professor de ciência política da USP Rogério Arantes
também diz que o STF possui
uma posição institucional que
favorece manifestações públicas frequentes de seus integrantes. "Não se pode exigir de
ministros do STF, que ocupam
cadeiras em um tribunal com
funções igualmente políticas, a
discrição ou o isolamento que
se espera de juízes de primeiro
grau. Mas é necessário ter equilíbrio na voz, para que manifestações públicas não comprometam o prestígio institucional
da corte, componente essencial
de sua legitimidade perante a
sociedade e os demais Poderes", afirma o professor.
Por meio da assessoria de comunicação do STF, Mendes informou que não iria se manifestar sobre as opiniões dos estudiosos ouvidos pela Folha.
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