São Paulo, domingo, 25 de maio de 1997.



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Falta de rigor favorece impunidade

da Reportagem Local

"A noção de crime e castigo funciona bem se for tornada pública", diz o advogado Ary Oswaldo Mattos Filho, ex-presidente da CVM e cujo escritório já defendeu vários empresários que apresentaram recursos ao "conselhinho".
Mattos Filho cita como exemplo um tribunal que funciona na Bolsa de Londres. "Uma simples advertência contra um executivo financeiro publicada no 'Financial Times' pode levá-lo a mudar de ofício, tal a repulsa da comunidade", diz o advogado.
No Brasil, a falta de uma sanção social -a rejeição pela sociedade de práticas condenáveis ainda na esfera administrativa- é terreno fértil para que prospere a impunidade dos crimes financeiros.
Os envolvidos em irregularidades administrativas costumam minimizar as infrações com três argumentos: a) foram punidos por práticas "normais" e "corriqueiras" adotadas por todo o mercado à época; b) as irregularidades são irrelevantes, tanto que as multas aplicadas são pequenas; c) o mercado ousa, porque está preso a uma legislação superada.
Como as penalidades são julgadas anos depois da infração, não contribuem para inibir os crimes.
Mesma trilha
"Nós pagamos o preço de ser criativos, pois a regulamentação do BC não se atualiza", diz Antônio Carlos Castrucci, presidente da ABBC (a entidade reúne bancos médios e bancos estrangeiros).
Castrucci -que também já foi multado por atrasar balancetes- sucedeu na ABBC Antonio Hermann Dias Menezes de Azevedo.
Quando era vice-presidente do Banco Itamarati, que pertencia ao ex-rei da soja Olacyr de Moraes, Hermann foi multado por descumprir normas do BC, maquiar balanços e fechar contratos irregulares com empresas não-financeiras. Eram os chamados "contratos de gaveta", acordos paralelos prevendo remuneração indexada ao dólar, o que era proibido.
Hermann perdeu o recurso no "conselhinho" e pagou a multa.
Uma operação do Banco Itamarati com empresa controlada -a Itamarati Comercial Importadora e Exportadora Ltda.- motivou denúncia do Ministério Público Federal, no ano passado.
A operação não tinha autorização do BC e podia representar uma transferência de crédito de qualidade duvidosa, aparentemente para melhorar o balanço do banco. Hermann diz que obteve "habeas corpus", interrompendo a ação.
Ex-diretor do Banespa, Hermann também conseguiu "habeas corpus", livrando-se de processos nos casos de empréstimos do banco oficial sob investigação.
Piloto de carros de corrida, Hermann é amante da velocidade nas pistas e acha normal a ultrapassagem das regras pelo mercado. "A fiscalização é perversa, não permite inovações, e o mercado sempre anda um pouco na frente do regulador das normas", costuma dizer.
Balanços falsos
Hermann não está faltando com a verdade. Pelas mesmas práticas que eram comuns com a inflação elevada, o conselho rejeitou recurso de Antônio Carlos Lemgruber, ex-presidente do BC e ex-membro do conselho pela Febraban.
Lemgruber e José Júlio Senna, outro diretor do BC, foram multados (em R$ 813, cada) quando ocuparam cargos de diretoria no Banco Boavista, por operações com ajustes informais diferentes dos permitidos pela legislação.
Executivos que já estiveram no governo, eles fizeram na iniciativa privada o que é proibido pelo órgão regulador ao qual serviram.
Por causa do mesmo artifício, além da apresentação de balanços maquiados, o "conselhinho" decidiu multar o Banco de Investimento Planibanc, ou seja, a pessoa jurídica, mas absolveu os administradores da época, entre os quais o atual presidente do BNDES, Luiz Carlos Mendonça de Barros.
"No exterior, balanço maquiado provoca punição séria", diz o advogado Luis Octavio da Motta Veiga, ex-presidente da CVM.
No período analisado pela Folha, houve apenas uma punição a empresa que audita balanços, a Bianchessi (nos anos 80, fato raro, a CVM também advertiu a Price Waterhouse, processo arquivado depois pelo conselho). (FV)



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