São Paulo, domingo, 25 de maio de 1997.



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MERCADO
Reuniões na véspera de julgamentos geram 'vazamentos'; presidente da entidade diz que não aceita pressões
Lobbies influenciam atuação de conselho

da Reportagem Local

Como o Conselho de Recursos do Sistema Financeiro Nacional é um órgão paritário, a participação de representantes do mercado abre espaço para os lobbies.
Reuniões na véspera dos julgamentos costumam gerar "vazamentos", quando advogados podem ser orientados sobre a melhor condução da defesa oral.
Ocorre o que os advogados chamam de "embargos auriculares" (tentativas de convencimento dos pares antes da votação).
"O conselho é uma instituição muito séria. Se houve exageros, foi mais com o rigor do que com a condescendência", diz Salo Seibel, ex-coordenador do PNBE (Pensamento Nacional das Bases Empresariais) e ex-representante da Abrasca (reúne as companhias abertas) no conselho.
"Nos casos mais sérios, não lembro de ter havido diferença de julgamento entre os representantes da iniciativa privada e os do governo", diz Seibel. "Nos casos de 'troca de chumbo' (empréstimos de bancos a empresas ligadas) o conceito era muito claro, os envolvidos sempre eram condenados."
Freio oficial
O balanço dos casos apurados sugere que o conselho consegue frear pressões e em várias decisões se revelou intransigente em relação ao lobby privado.
"Eu não estaria aqui se fosse para aceitar pressões", costuma dizer Clair Ienitte Gobbo, 61, presidente do conselho, capixaba, ex-funcionário do Banco do Brasil e ex-contador-geral do Banco Central.
Auditor, formado em administração e direito, Gobbo não gosta de fotos e não aceita dar entrevistas. Ele concordou em receber a Folha, junto com o ex-secretário-executivo, Manuel Teixeira, o novo secretário, Marcos Martins de Souza, e o procurador da Fazenda, Luiz Alfredo Paulin (conhecido por sua atuação incisiva durante os julgamentos).
O "conselhinho" já puniu instituições como o Citibank (por não atendimento a determinação do BC), advertiu o Banco de Tókio e multou o Banco Nederlandsche.
O conselho multou, entre outros, o ABC-Roma, o Banco Santista, e o Banco Sudameris (por empréstimos vedados). Por operações "casadas", puniu instituições como o Garantia e o Bancesa.
O conselhinho manteve multa ao ex-presidente da Febraban Leo Wallace Cochrane Júnior (R$ 813,40), sob a acusação de maquiagem nos balanços do Noroeste.
O banco não registrou créditos em liquidação (ou seja, tinha contas a receber de clientes que não honraram empréstimos e deixou de fazer provisão, uma reserva que reduziria o lucro). O banco ainda vendeu aquele "crédito podre" a uma empresa ligada.
Explicação do banco: num programa de desmobilização, o Noroeste vendeu imóveis de valor contábil baixo. Se vendesse pelo valor de mercado, pagaria um Imposto de Renda elevado.
Como a financeira do grupo tinha prejuízo fiscal, o banco vendeu os imóveis a essa coligada pelo valor contábil. A financeira revendeu ao mercado pelo valor real.
Com isso, criou um lucro para a financeira e reduziu a carga tributária do banco. Para pegar o lucro de volta, o Noroeste fez uma "cessão de créditos" à financeira (venda de créditos). Para o BC, a financeira deixou de registrar o lucro.
Mercado de capitais
O ex-presidente da Bovespa Fernando Nabuco sofreu punição grave porque sua corretora, a Baluarte, registrou lastro insuficiente, apresentou contabilidade lacunosa e fez adiantamento a diretores, o que é proibido por lei.
Dois ex-vice-presidentes da Bolsa foram duramente atingidos: Pedro Luiz de Toledo Piza (inabilitado pelo BC, teve a pena reduzida para multa) e Ricardo Thompson (inabilitado por dois anos).
Por irregularidades menores, o "conselhinho" manteve punições contra o atual presidente da Bovespa, Alfredo Rizkallah, e sua corretora (Novação).
Foram acusados de registro irregular de operações, manipulação de contabilidade e de documentação comprobatória, e prestação de informações inexatas ao BC.
A corretora Magliano, do vice-presidente da Bovespa, Raymundo Magliano Filho, foi multada em R$ 813,4 -punição mantida pelo "conselhinho"- por "venda de Letras do Banco Central a clientes, a preço unitário notadamente superior aos de mercado, em decorrência de insuficiência de lastro".
A Magliano também teve recurso rejeitado -por unanimidade- por omissão de dados nas fichas cadastrais de clientes.
Ação discreta
O "conselhinho" só costuma aparecer nos julgamentos mais polêmicos. Foi assim quando acolheu recurso do ex-presidente da Fiesp, Luis Eulalio de Bueno Vidigal Filho, em 1987, tornando sem efeito punição da CVM no "caso Cobrasma" (emissão milionária de ações em 1986, estimulada com previsões de lucro infundadas).
O julgamento também beneficiou o Bradesco, o BCN e o Crefisul, que garantiram a emissão.
Por ironia, um dos conselheiros que absolveu Vidigal foi o então representante da Febraban, Germano de Brito Lyra, ex-diretor do Nacional, que hoje está com os bens em indisponibilidade.
Caso controvertido
O "conselhinho" reapareceu publicamente em 1996, quando manteve a pena de inabilitação aplicada pelo BC ao ex-presidente da BM&F (Bolsa de Mercantil & de Futuros) Manoel Pires da Costa.
A punição -em votação desempatada pelo presidente do conselho- depois foi suspensa por liminar obtida na Justiça).
Antes da decisão do "conselhinho", o processo do ex-presidente da BM&F -acusado de operações que teriam dado prejuízo à sua instituição financeira- teve idas e vindas legais.
Um juiz federal deixou de acolher o pedido de arquivamento formulado por um promotor que elogiara a atuação de Pires da Costa e de seus sócios.
O feito mais recente do "conselhinho" foi manter a punição aplicada a Naji Nahas, quando havia rumores de um forte lobby para absolver o megainvestidor. Ele foi acusado de fazer negócios em Bolsas com empresas do próprio grupo (as operações conhecidas como "Zé-com-zé"). (FV)



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