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ELIO GASPARI
Os radicais estão no FMI
e na Corte Suprema
Estão ruins os tempos para o andar de cima de Pindorama. Primeiro, o FMI diz que a banca brasileira é ineficiente e oligopolística. Logo a
mãezona onde se aninhou a
ekipekonômica que destruiu (e
continua destruindo) a produção nacional. Dias depois, vem
a Corte Suprema dos Estados
Unidos e diz que são constitucionais os mecanismos de admissão da Faculdade de Direito da Universidade de Michigan
destinados a forçar a entrada
de negros nas suas turmas. Para
um país onde as cotas para negros são vistas como uma reedição de Palmares, nada melhor que um banho de Corte Suprema.
Reanimou-se o voto dado em
1978 pelo juiz Lewis Powell, um
conservador sulista, em cujo escritório não havia advogado
negro. Agora, com um voto escrito por Sandra O'Connor, a
primeira mulher a entrar na
Corte, abriu-se uma nova época
para a ação afirmativa na sociedade americana. Diversos
pontos que Powell deixara deliberadamente obscuros em 1978
foram agora esclarecidos, em
benefício do direito dos negros.
Como o Supremo Tribunal
Federal deverá julgar a constitucionalidade dos sistemas de
cotas para negros instituídas
em algumas universidades públicas brasileiras, o debate americano pode reduzir o grau de racismo e rancor que ronda a
discussão nacional.
Nos Estados Unidos, como no
Brasil, discute-se uma maneira
capaz de aumentar a percentagem de negros nas universidades públicas. A idéia é essa. Portanto, se ela faz com que um
branco deixe de entrar na universidade porque um negro
ocupou o seu lugar, isso não é
uma anomalia, é o objetivo. A
Faculdade de Direito da Universidade de Michigan tem
3.500 candidatos para 350 vagas. Se a escola não forçasse a
entrada de negros, em 2000 eles
teriam sido 4% do corpo de alunos. Com a ação afirmativa, foram 14,5%. Não há estatísticas
desse tipo nas grandes universidades públicas brasileiras, mas
estima-se que na Universidade
de São Paulo os negros nunca
tenham chegado a 3%.
O sistema de admissão de um
garoto numa universidade
americana difere em muito do
brasileiro. Lá não existe o vestibular. Tomando-se o caso do
curso de direito na Universidade de Michigan, o estudante
passa por duas baterias de testes. Numa, entram suas notas
do curso de graduação. Noutra,
um exame específico da escola.
Além dessas notas, vão para a
panela da seleção dotes pessoais
e até cartas de recomendação.
Uma nota alta nos testes não
assegura a admissão, assim como uma nota baixa não significa exclusão. É nesse coquetel que a Universidade de Michigan botou o ingrediente racial,
com o propósito de formar uma
"massa crítica" de estudantes
negros, capaz de ensinar aos
brancos que não existe uma coisa chamada opinião dos grupos
minoritários, mas uma diversidade de opiniões. Nesse sentido,
o ingrediente racial dá ao corpo
docente um "plus" (nas palavras de Powell, repetidas por
Sandra O'Connor).
A Corte Suprema declara inconstitucionais as cotas automáticas desde 1978. Voltou a fazê-lo na segunda-feira, julgando os mecanismos de acesso de
outra faculdade da Universidade de Michigan, onde os negros
largavam com 20 pontos numa
escala de 150.
Num processo de seleção como o americano, pode-se praticar uma ação afirmativa sem cotas. No sistema público brasileiro, isso é praticamente impossível. O problema não está nos
negros ou na Constituição. Está
na anomalia pedagógica do
vestibular.
As cotas brasileiras vão ao Supremo. A Corte americana confirmou que julga constitucionais mecanismos que forcem a
entrada dos negros nas escolas.
(À custa dos brancos, dos verdes
ou dos azuis.) Por cá, sempre se
poderá dizer que a ação afirmativa depende do fim do vestibular, assim como a Lei dos Sexagenários deveria depender da
construção de asilos, a do Ventre Livre, da existência de creches, e a Abolição, de um mercado de trabalho mais forte. É o
deixa-pra-depois-pra-ver-como-é-que-fica. Fica mal, já se
sabe.
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