UOL

São Paulo, quarta-feira, 25 de junho de 2003

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

ELIO GASPARI

Os radicais estão no FMI e na Corte Suprema

Estão ruins os tempos para o andar de cima de Pindorama. Primeiro, o FMI diz que a banca brasileira é ineficiente e oligopolística. Logo a mãezona onde se aninhou a ekipekonômica que destruiu (e continua destruindo) a produção nacional. Dias depois, vem a Corte Suprema dos Estados Unidos e diz que são constitucionais os mecanismos de admissão da Faculdade de Direito da Universidade de Michigan destinados a forçar a entrada de negros nas suas turmas. Para um país onde as cotas para negros são vistas como uma reedição de Palmares, nada melhor que um banho de Corte Suprema.
Reanimou-se o voto dado em 1978 pelo juiz Lewis Powell, um conservador sulista, em cujo escritório não havia advogado negro. Agora, com um voto escrito por Sandra O'Connor, a primeira mulher a entrar na Corte, abriu-se uma nova época para a ação afirmativa na sociedade americana. Diversos pontos que Powell deixara deliberadamente obscuros em 1978 foram agora esclarecidos, em benefício do direito dos negros.
Como o Supremo Tribunal Federal deverá julgar a constitucionalidade dos sistemas de cotas para negros instituídas em algumas universidades públicas brasileiras, o debate americano pode reduzir o grau de racismo e rancor que ronda a discussão nacional.
Nos Estados Unidos, como no Brasil, discute-se uma maneira capaz de aumentar a percentagem de negros nas universidades públicas. A idéia é essa. Portanto, se ela faz com que um branco deixe de entrar na universidade porque um negro ocupou o seu lugar, isso não é uma anomalia, é o objetivo. A Faculdade de Direito da Universidade de Michigan tem 3.500 candidatos para 350 vagas. Se a escola não forçasse a entrada de negros, em 2000 eles teriam sido 4% do corpo de alunos. Com a ação afirmativa, foram 14,5%. Não há estatísticas desse tipo nas grandes universidades públicas brasileiras, mas estima-se que na Universidade de São Paulo os negros nunca tenham chegado a 3%.
O sistema de admissão de um garoto numa universidade americana difere em muito do brasileiro. Lá não existe o vestibular. Tomando-se o caso do curso de direito na Universidade de Michigan, o estudante passa por duas baterias de testes. Numa, entram suas notas do curso de graduação. Noutra, um exame específico da escola. Além dessas notas, vão para a panela da seleção dotes pessoais e até cartas de recomendação. Uma nota alta nos testes não assegura a admissão, assim como uma nota baixa não significa exclusão. É nesse coquetel que a Universidade de Michigan botou o ingrediente racial, com o propósito de formar uma "massa crítica" de estudantes negros, capaz de ensinar aos brancos que não existe uma coisa chamada opinião dos grupos minoritários, mas uma diversidade de opiniões. Nesse sentido, o ingrediente racial dá ao corpo docente um "plus" (nas palavras de Powell, repetidas por Sandra O'Connor).
A Corte Suprema declara inconstitucionais as cotas automáticas desde 1978. Voltou a fazê-lo na segunda-feira, julgando os mecanismos de acesso de outra faculdade da Universidade de Michigan, onde os negros largavam com 20 pontos numa escala de 150.
Num processo de seleção como o americano, pode-se praticar uma ação afirmativa sem cotas. No sistema público brasileiro, isso é praticamente impossível. O problema não está nos negros ou na Constituição. Está na anomalia pedagógica do vestibular.
As cotas brasileiras vão ao Supremo. A Corte americana confirmou que julga constitucionais mecanismos que forcem a entrada dos negros nas escolas. (À custa dos brancos, dos verdes ou dos azuis.) Por cá, sempre se poderá dizer que a ação afirmativa depende do fim do vestibular, assim como a Lei dos Sexagenários deveria depender da construção de asilos, a do Ventre Livre, da existência de creches, e a Abolição, de um mercado de trabalho mais forte. É o deixa-pra-depois-pra-ver-como-é-que-fica. Fica mal, já se sabe.


Texto Anterior: Aliado político de Dante deve presidir CPI
Próximo Texto: Congresso: Senado veta indicado de Lula para a ANP
Índice


UOL
Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.