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São Paulo, sexta-feira, 25 de julho de 2003

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INVESTIGAÇÃO

Ex-prefeito prestou esclarecimentos sobre movimentação financeira e disse ter deposto por espontânea vontade

Maluf é detido em Paris para explicar conta

Américo Mariano/Folha Imagem
O ex-prefeito Paulo Maluf acena ao final da entrevista diante do hotel Plaza Athénée, em Paris


ELIANE CANTANHÊDE
EM SÃO PAULO
ROBERTO COSSO
DA REPORTAGEM LOCAL

O ex-prefeito paulistano Paulo Maluf (PP) foi detido ontem em Paris e prestou depoimento durante cerca de quatro horas à unidade de inteligência financeira da França. Ele foi abordado por agentes policiais pela manhã em uma agência do banco Crédit Agricole e só liberado à tarde.
A informação de que Maluf foi detido pela brigada financeira foi dada por fontes diplomáticas dos dois países. Duas agências internacionais de notícias, a France Presse e a EFE, atribuíram a mesma informação a fontes policiais. Conforme a Folha apurou, a ordem partiu de um juiz do Tracfin, órgão de repressão à grande delinquência financeira.
Maluf, porém, negou em diversas entrevistas, concedidas ao longo do dia, que tenha sido coagido pela polícia a prestar depoimento. O ex-prefeito declarou ter aceito um convite espontaneamente (leia entrevista com Paulo Maluf nesta página).
A Embaixada do Brasil em Paris foi notificada da detenção pelo Quai d'Orsay, o Ministério das Relações Exteriores francês, às 15 horas de ontem (horário local). O aviso do Quai d'Orsay diz que o ex-prefeito foi "mis en examen", ou seja, posto em averiguação.
A legislação internacional obriga que os países notifiquem as embaixadas do país de origem de qualquer pessoa que seja detida ou presa. Por isso, a Embaixada do Brasil em Paris foi avisada.
O embaixador do Brasil em Paris, Sérgio Amaral, porém, disse à Folha que não estava se envolvendo nesse assunto: "É uma questão pessoal. A Embaixada [do Brasil] não tem informações nem comentários a fazer", disse.
O governo brasileiro decidiu tratar a questão com discrição. Apesar de antigo adversário de Maluf, o PT hoje é aliado do partido do ex-prefeito, o PP (ex-PPB), e conta com seus votos para as reformas constitucionais no Congresso. O discurso em Brasília é semelhante ao do embaixador Amaral: não se trata de questão de Estado, mas pessoal.

A conta
Maluf, que hoje deve viajar de Paris para Montecarlo acompanhado de sua mulher, Sylvia, foi abordado pelos policiais quando estava nas dependências de uma agência do Crédit Agricole. Na conta que possui, aberta em janeiro deste ano, foi feito um depósito no valor de US$ 1.455.321,50 no último dia 16 de abril, conforme a Folha revelou no dia 28 de junho.
Na época, Maluf admitiu a existência da conta, que segundo ele está em nome de sua mulher. Justificou a origem do dinheiro como resultado de herança familiar e venda de seu patrimônio.
Ontem, Maluf primeiro prestou esclarecimentos sobre a origem do dinheiro aos funcionários do banco; a seguir, foi levado para o Tracfin (Traitement du Renseignement et Action contre les Circuits Financiers Clandestins).
Lá, Maluf prestou um depoimento formal sobre suas atividades financeiras em território francês. Em abril deste ano, após suspeitar das movimentações de Maluf, o Tracfin enviou um documento ao Brasil, no qual relata as operações realizadas pela conta no Crédit Agricole.
Segundo o documento, o depósito de US$ 1.455.321,50 foi feito pela Fundação Blackbird, uma empresa criada em Liechtenstein (um conhecido paraíso fiscal na Europa) por Flávio Maluf, filho do ex-prefeito.
A Fundação Blackbird possui uma conta no banco Barings, em Genebra (Suíça), cuja origem dos recursos jamais foi esclarecida pela família de Maluf. A propriedade da empresa não consta das declarações de Imposto de Renda de Flávio Maluf.
As autoridades francesas agora vão analisar as movimentações financeiras de Maluf e o depoimento prestado pelo ex-prefeito para avaliar a possibilidade de abrir um procedimento de investigação (uma espécie de inquérito) em relação ao caso.

Outras investigações
A França não é o único país que investiga as operações financeiras realizadas pelo ex-prefeito. Há também suspeitas de que ele tenha realizado operações irregulares em instituições financeiras na ilha de Jersey (um paraíso fiscal no canal da Mancha), na Suíça e nos Estados Unidos.
As autoridades de Jersey bloquearam contas com pelo menos US$ 200 milhões em nome de Maluf e de familiares dele, conforme a Folha revelou em 2001. O país discute com o Ministério da Justiça brasileiro a possibilidade de enviar cópia da documentação bancária do ex-prefeito ao Brasil.
Em setembro de 2001, o governo da Suíça informou ao Brasil que Maluf manteve uma conta no Citibank de Genebra entre 1985 e 1997, quando a transferiu para o mesmo banco em Jersey. A Justiça suíça já autorizou a remessa dos documentos ao Brasil, mas Maluf pode entrar com recurso para aditar o envio das informações.
Desde junho de 2001, Maluf nega enfaticamente que tenha conta no exterior. Quando admitiu a conta em Paris, continuou negando a existência das demais.
A Promotoria de Nova York também investiga operações financeiras de envio de recursos do Brasil para a Suíça, que supostamente teriam sido realizadas para enviar às contas de Maluf na Europa dinheiro eventualmente desviado na construção da avenida Água Espraiada, durante a gestão do ex-prefeito. Maluf diz que suas contas foram aprovadas "com louvor" pelo Tribunal de Contas do Estado de São Paulo.

Hotel
Localizado na região do Champs-Elysées, centro do turismo de luxo de Paris, o hotel Plaza Athénée, onde o ex-prefeito está hospedado desde domingo com a mulher, Sylvia, e o filho Flávio, cobra em média 1.845 euros (cerca de R$ 6.100) pela diária em seus quartos. A suíte real, a mais cara, chega a custar 6.050 euros (aproximadamente R$ 20 mil).
Maluf, que foi governador de São Paulo (1979-1982) e duas vezes prefeito da capital paulista (1969-1971 e 1993-1996), afirmou que costuma se hospedar no Plaza Athénée toda vez que viaja a Paris, desde a sua lua-de-mel.

Colaboraram FERNANDO EICHENBERG e THIAGO STIVALETTI, free-lancers para a Folha em Paris, e as agências FRANCE PRESSE e EFE


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