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São Paulo, sexta-feira, 25 de julho de 2003

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OUTRO LADO

"Fui de espontânea vontade"

FREDERICO VASCONCELOS
DA REPORTAGEM LOCAL
FERNANDO EICHENBERG
FREE-LANCE PARA A FOLHA, DE PARIS

"A minha vida é um livro aberto. Eu sou um homem correto", disse o ex-prefeito Paulo Maluf, em entrevista à Folha, de Paris, em dois telefonemas, à noite. Maluf disse que foi dar informações ao banco por "livre e espontânea vontade". "Eu não gostaria que o banco tivesse nenhuma dúvida sobre a origem do dinheiro".
Maluf diz que a polícia fazendária foi chamada pelo diretor do banco Crédit Agricole quando estava prestando informações sobre o depósito de US$ 1,4 milhão que mantém na instituição. Disse que "os bancos têm todo o direito, mais do que isso, tem obrigação de suspeitar [de lavagem]. "E cada depositante de cada banco tem obrigação de dar as explicações".
Ele disse que a origem do dinheiro é a venda de um terreno, herança de seu pai. "Eu disse [às autoridades] que o dinheiro tem origem legal, está tudo declarado. É um patrimônio que eu tenho há mais de meio século", afirmou.
Maluf disse que o dinheiro depositado no banco veio pelo Banco Central, pelo BCN. "É relativo a um terreno que meu pai comprou, em 1940, que herdei em 25 de dezembro de 1943, na rua Vergueiro. Foi vendido no início do ano por R$ 8 milhões, dos quais 20% pertencem a mim. Uma parte desse dinheiro mandei para cá, e a outra ficou comigo, no Brasil".
Durante entrevista coletiva, questionado se teria havido uma transferência de dinheiro da Suíça, Maluf disse que "uma das transferências para o total da conta veio de uma fundação, está registrado no imposto de renda, de mais ou menos US$ 1,5 milhão".
Maluf disse que não tem conta na Suíça. "A Fundação Blackbird é do meu filho, criada por questões de herança". E acrescentou: "Prestei todas as declarações de maneira espontânea. Gostaria que todos os homens públicos brasileiros fossem investigados 1% do que sou investigado". Leia a seguir a entrevista:
 

Folha - O sr. disse [na entrevista anterior, por telefone] que tinha ido prestar depoimento por livre e espontânea vontade... O sr. foi convocado pelo banco? Há a informação de que a Embaixada do Brasil foi notificada da sua detenção.
Maluf -
Olha, do que a embaixada foi notificada, eu não sei. Estou dizendo que fui de livre e espontânea vontade falar com o sr. Jean-Marc Bouyge [diretor do Crédit Agricole].

Folha - Mas o sr. foi ao banco retirar o dinheiro?
Maluf -
Fui dar explicações das coisas que a Folha publicou [sobre a existência do depósito].

Folha - Mas o banco lhe havia pedido essas informações?
Maluf -
Não. Na hora que a Folha publicou, eu não gostaria que o banco tivesse nenhuma dúvida sobre a origem do dinheiro.

Folha - Não era uma convocação do banco? O banco é obrigado a informar...
Maluf -
Não. Eu marquei do Brasil. Eu telefonei do Brasil e fui lá na segunda-feira.

Folha - Por que o sr. foi novamente ao banco?
Maluf -
Eu fui porque eu tinha mais documentos para mostrar.

Folha - Quais eram os documentos que o banco estava pedindo?
Maluf -
Eles não me pediram nada. Eu fui mostrar a escritura formal de partilha onde esse terreno foi herdado, no dia 25 de dezembro de 1943.

Folha - O sr. estava conversando com o diretor...
Maluf -
Estava conversando com ele quando ele me disse: "Eu tenho que mandar essas explicações para o Ministério do Interior. Já que o sr. está na França, o sr. daria as explicações?" Eu disse: "Eu quero dar hoje, porque amanhã vou para Montecarlo".

Folha - A polícia já estava lá, quando o sr. chegou?
Maluf -
Não, foi chamada.

Folha - Foi chamada pelo banco?
Maluf -
Foi chamada por ele [pelo diretor]. Com certeza.

Folha - E o sr. foi em que condição? De detido?
Maluf -
Não. Fui na condição de declarante espontâneo.

Folha - O sr. me falou que o seu dinheiro tinha duas origens, a venda do terreno e a outra parte...
Maluf -
Leia a Folha, meu querido...

Folha - O que eles perguntaram? Qual era a dúvida deles? Era lavagem de dinheiro?
Maluf -
Para minha, por assim dizer, surpresa desagradável, quando você tem conta no banco, supõe-se que tem o mínimo de segredo bancário, até pela violência que está acontecendo em São Paulo.

Folha - Mas eles lhe perguntaram sobre a origem do dinheiro?
Maluf -
Eu telefonei para ele [para o diretor do banco] e perguntei: "Como é que a notícia chegou à Folha?".

Folha - Eles perguntaram sobre suspeita de lavagem?
Maluf -
Eu acho que eles têm todo o direito. Mais do que isso, têm obrigação de suspeitar. E cada depositante de cada banco tem obrigação de dar as explicações.

Folha - A informação que o jornal tinha é que houve notificação de um juiz, haveria um processo. O sr. estaria respondendo a um processo, apesar de o sr. dizer que foi prestar [declarações espontâneas]...
Maluf -
Estou lhe dizendo que fui de maneira espontânea... Se existia processo, foi por causa da notícia da Folha, mas eu desconheço. Desconhecia qualquer processo.

Folha - Pediram alguma coisa em seguida, para o sr. prestar novas informações? O sr. está em que condição, atualmente?
Maluf -
Agora? Eu estou no hotel...

Folha - O sr. pode sair a qualquer hora do país?
Maluf -
Se o sr. quiser jantar comigo, está convidado. Eu digo mais. Eu não vou voltar para o Brasil, pois se eu voltar para o Brasil ainda vem a exploração... Vou ficar aqui duas semanas.

Folha - O sr. faz alguma ligação desse episódio de hoje com a investigação que é feita no Brasil?
Maluf -
Eu desconheço investigação no Brasil. Estão me investigando há quatro anos. A cada quatro anos vem uma nova eleição e acusações sem provas. A minha vida é um livro aberto. Eu sou um homem correto. Sou o único brasileiro que entrou multibilionário na política...

Folha - E o que o sr. vai fazer com esse dinheiro que está no banco?
Maluf -
Ah... meu querido, isso eu não tenho que dar satisfações a você. Eu botei em nome da minha mulher e ela tem um marido vivo. Mas se um dia eu me for, é minha obrigação...

Folha - O valor é US$ 1,4 milhão. É isso?
Maluf -
É.


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