São Paulo, Domingo, 25 de Julho de 1999
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CELSO PINTO
O tamanho do risco externo

As declarações do presidente do Fed, Alan Greenspan, sinalizando que os juros americanos podem voltar a subir, agravaram os temores de turbulência externa, já fortes em função da Argentina. Qual o impacto potencial sobre o câmbio e os juros no Brasil?
Em tese, pode ser grande, mas só se a crise externa for além do esperado. A turbulência na Argentina vai continuar, mas há indicações de que o FMI e o Tesouro estão preparados para apoiar o país, com muita fala e algum dinheiro.
A Argentina poderia levantar de US$ 6 bilhões a US$ 10 bilhões na nova linha contingente do FMI, o suficiente para financiar o que falta neste segundo semestre. Não resolve os problemas do país a médio prazo, mas torna menos provável um colapso total a curto prazo.
No caso dos juros americanos, um novo aumento de 0,25% dos juros está dentro dos cálculos. Haveria um impacto mais sério se o aumento fosse maior, especialmente se viesse acompanhado por uma queda mais forte na Bolsa de Nova York.
Tanto uma turbulência sem colapso na Argentina quanto algum ajuste nos juros americanos já eram eventos previstos no "Relatório da Inflação" feito pelo Banco Central quando anunciou as metas inflacionárias. Portanto, algum impacto já está incorporado nas projeções contidas no relatório.
O que essas projeções indicam é que, se fosse mantida a taxa de juro atual de 21%, a inflação no final de 2000 ficaria em torno de 4% e não nos 6% previstos para a taxa média e, no ano 2001, em torno de 2% e não nos 4% previstos. Traduzido: existe um espaço bastante razoável para reduzir os juros sem comprometer os objetivos de inflação de médio prazo.
Mas, e se a turbulência externa reduzir os dólares para o Brasil, provocar um salto na taxa de câmbio e uma pressão potencial sobre a inflação? Essa questão é mais complicada, mas existem pistas para a resposta.
O governo aposta que as contas externas fecharão neste ano apenas com os investimentos diretos, sem precisar de capital de curto prazo. Se for verdade, não deve haver pressão maior sobre o câmbio. Mas, e se ela acontecer e o câmbio subir?
O diretor do BC Sérgio Werlang já mencionou que ele trabalha com a hipótese de que cada 10% de desvalorização gera 0,5% de inflação a curto prazo (três meses) e de 2% a 2,5% a longo prazo (mais de um ano).
Quando o BC fez as projeções para a inflação, no final de junho, o câmbio estava em R$ 1,77 por dólar e a projeção era de uma taxa de R$ 1,75 no final de dezembro. E se o câmbio médio, no segundo semestre, ficasse em R$ 1,85, pouco acima da taxa atual? Qual seria o impacto sobre a inflação?
Usando o coeficiente do BC, a desvalorização adicional de 5,7% geraria uma inflação adicional de 1,14% ao longo de 12 meses. Como a projeção do BC (com juro fixo de 21%) gerava uma "folga" de 2% na inflação do próximo ano, mesmo com um câmbio a R$ 1,85 seria possível reduzir os juros atuais sem comprometer as metas. Só um câmbio médio a R$ 1,95, no segundo semestre, indicaria que os juros não poderiam cair de 21%.
É claro que esse é um exercício, baseado em modelos e cenários que podem se revelar errados. O fato é que essa é a base teórica pela qual o BC vai se mover, pelo menos até que a realidade prove que ela está equivocada. A direção continua sendo a de reduzir os juros, mesmo com o câmbio um pouco mais pressionado.
Uma parte do mercado, no fundo, continua cética em relação ao sistema de metas inflacionárias. Suspeita que, se as coisas se complicarem, o BC vai tentar segurar o câmbio, subindo juros para atrair dólares.
Isso, contudo, seria o oposto da lógica do câmbio flutuante com meta inflacionária. Com essa combinação, os ajustes se dão pela taxa de câmbio e ela só afetará os juros se gerar inflação indesejada.
O jogo não é mais atrair dólares de curto prazo subindo os juros. Nem se preocupar com saídas de investidores internos: uma remuneração real menor, num mês, não compensa o risco cambial de tirar o dinheiro do país, sem saber a que câmbio ele poderá voltar. Tampouco há razões para recear que um juro real menor, num mês, possa levar a uma corrida inflacionária por consumo.
Tudo isso é lógico, mas não basta. O mercado só vai se convencer quando e se o BC construir uma credibilidade do novo sistema. E isso leva tempo.



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