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JANIO DE FREITAS
Falta um zero e muito mais
Assim como o sábio samba de
distante Carnaval já antecipava
que "está faltando um zero no
meu ordenado", está faltando um
zero no montante que o Fernando Henrique Cardoso concede à
Ford, para que se instale na Bahia
como deseja o senador Antonio
Carlos Magalhães. Os R$ 180 milhões do noticiário, sendo anuais
durante dez anos, no final das
contas são, de fato, R$ 1 bilhão e
800 milhões. Meia Vale do Rio
Doce ao preço da privatização.
O provável é que a importância
final seja ainda mais alta, porque
a dispensa de imposto acompanha a quantidade de veículos, e
aquelas importâncias baseiam-se
na média mínima de produção
indicada pela Ford ao governo.
Quanto mais baixa a média apresentada nas negociações, maior
precisaria ser a concessão do governo, para chegar a uma soma
que a empresa considerasse, na
palavra de um diretor seu, "favorável".
Ainda há os muitos balangandãs concedidos pelo governo da
Bahia e cujo montante real talvez
nunca se saiba. Isso fica por conta
dos baianos. A concessão do governo federal, porém, mereceu
uma pretensa justificativa de Fernando Henrique que precisou ficar a meio do caminho. "Não foge
daquilo que foi feito para garantir o emprego em São Paulo", disse ele.
O complemento da frase é este, e
é aí que a coisa pega: os demais
Estados, a maioria muito mais
pobre do que a Bahia, é que vão
pagar metade do bilhão e 800 milhões, ou lá quanto venha a ser,
da concessão a Ford. Metade do
IPI que a Ford não pagará seria
repassado pelo governo federal
aos Estados, como é próprio desse
imposto.
Por aí pressente quanto dos Estados, todos muito mais pobres do
que São Paulo, foi transferido a
"locomotiva do país" pelo tal
"acordo automotivo", feito no governo Fernando Henrique para
que as numerosas indústrias automobilísticas paulistas parassem
de demitir.
Os vagões que empurram a locomotiva vão encarar um peso
extra. Mas não são os seus passageiros que reclamam, já habituados ao silêncio pusilânime. A gritaria indignada vem da locomotiva, que vai entrar com a sua quota para a Bahia, mas só está habituada a receber.
A volta
A quarta colocação no mundo
em casos de tuberculose, ocupada
pelo Brasil no levantamento agora divulgado pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância, é
obra direta da incúria governamental. Ainda na entrada da década a tuberculose figurava como
doença extinta no Brasil, onde fizera devastação por séculos.
Nos primeiros anos 90, grande
número de médicos lançou o
alarme: a tuberculose estava reaparecendo e requeria combate intenso e urgente, porque o crescente enfavelamento e a progressão
da pobreza favoreciam a proliferação da doença.
A quarta colocação deveria ser
celebrada com a condecoração
dos responsáveis. Sob a forma de
uma injeção de bacilos de Koch
concentrados.
Medida saudável
A posição trazida pelo novo ministro da Ciência e Tecnologia à
questão dos alimentos alterados
em sua natureza vai, com certeza,
sofrer forte pressões, inclusive a
partir de setores do governo mesmo. Mas Ronaldo Sardenberg faz
a abordagem mais sensata do
problema: "Isso não pode ser tratado de modo açodado, sem uma
consulta que transcende a esfera
do ministério. Vamos fazer uma
rediscussão extensa do problema,
com ampla participação para
exame sob todos os aspectos".
E se ainda assim não houver
certeza quanto a segurança alimentar, a incerteza é uma conclusão sólida. Inadmissível é que
seja induzido o consumo de mais
venenos do que os já ingeridos e
inspirados sem conhecimento disso.
O governo dos Estados Unidos
adotou nesta semana, por exemplo, uma atitude medieval. Aumenta em 100% o imposto alfandegário sobre numerosos produtos alimentícios exportados pela
Europa, em represália a recusa da
União Européia de importar carne americana tratada com seis
hormônios. Para melhor lucro
das multinacionais estaremos
obrigados a comer o que não queremos e até o que tememos?
Foi apenas provisória a suspensão judicial da liberação de soja
transgênica, feita pelos ex-ministros Bresser Pereira e Francisco
Turra. A decisão final está prevista para agosto. Mas Sardenberg
tem poderes e meios de torná-la
dispensável, com uma medida
ministerial que já é esperada.
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