São Paulo, Domingo, 25 de Julho de 1999
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JANIO DE FREITAS
Falta um zero e muito mais

Assim como o sábio samba de distante Carnaval já antecipava que "está faltando um zero no meu ordenado", está faltando um zero no montante que o Fernando Henrique Cardoso concede à Ford, para que se instale na Bahia como deseja o senador Antonio Carlos Magalhães. Os R$ 180 milhões do noticiário, sendo anuais durante dez anos, no final das contas são, de fato, R$ 1 bilhão e 800 milhões. Meia Vale do Rio Doce ao preço da privatização.
O provável é que a importância final seja ainda mais alta, porque a dispensa de imposto acompanha a quantidade de veículos, e aquelas importâncias baseiam-se na média mínima de produção indicada pela Ford ao governo. Quanto mais baixa a média apresentada nas negociações, maior precisaria ser a concessão do governo, para chegar a uma soma que a empresa considerasse, na palavra de um diretor seu, "favorável".
Ainda há os muitos balangandãs concedidos pelo governo da Bahia e cujo montante real talvez nunca se saiba. Isso fica por conta dos baianos. A concessão do governo federal, porém, mereceu uma pretensa justificativa de Fernando Henrique que precisou ficar a meio do caminho. "Não foge daquilo que foi feito para garantir o emprego em São Paulo", disse ele.
O complemento da frase é este, e é aí que a coisa pega: os demais Estados, a maioria muito mais pobre do que a Bahia, é que vão pagar metade do bilhão e 800 milhões, ou lá quanto venha a ser, da concessão a Ford. Metade do IPI que a Ford não pagará seria repassado pelo governo federal aos Estados, como é próprio desse imposto.
Por aí pressente quanto dos Estados, todos muito mais pobres do que São Paulo, foi transferido a "locomotiva do país" pelo tal "acordo automotivo", feito no governo Fernando Henrique para que as numerosas indústrias automobilísticas paulistas parassem de demitir.
Os vagões que empurram a locomotiva vão encarar um peso extra. Mas não são os seus passageiros que reclamam, já habituados ao silêncio pusilânime. A gritaria indignada vem da locomotiva, que vai entrar com a sua quota para a Bahia, mas só está habituada a receber.

A volta
A quarta colocação no mundo em casos de tuberculose, ocupada pelo Brasil no levantamento agora divulgado pelo Fundo das Nações Unidas para a Infância, é obra direta da incúria governamental. Ainda na entrada da década a tuberculose figurava como doença extinta no Brasil, onde fizera devastação por séculos.
Nos primeiros anos 90, grande número de médicos lançou o alarme: a tuberculose estava reaparecendo e requeria combate intenso e urgente, porque o crescente enfavelamento e a progressão da pobreza favoreciam a proliferação da doença.
A quarta colocação deveria ser celebrada com a condecoração dos responsáveis. Sob a forma de uma injeção de bacilos de Koch concentrados.

Medida saudável
A posição trazida pelo novo ministro da Ciência e Tecnologia à questão dos alimentos alterados em sua natureza vai, com certeza, sofrer forte pressões, inclusive a partir de setores do governo mesmo. Mas Ronaldo Sardenberg faz a abordagem mais sensata do problema: "Isso não pode ser tratado de modo açodado, sem uma consulta que transcende a esfera do ministério. Vamos fazer uma rediscussão extensa do problema, com ampla participação para exame sob todos os aspectos".
E se ainda assim não houver certeza quanto a segurança alimentar, a incerteza é uma conclusão sólida. Inadmissível é que seja induzido o consumo de mais venenos do que os já ingeridos e inspirados sem conhecimento disso.
O governo dos Estados Unidos adotou nesta semana, por exemplo, uma atitude medieval. Aumenta em 100% o imposto alfandegário sobre numerosos produtos alimentícios exportados pela Europa, em represália a recusa da União Européia de importar carne americana tratada com seis hormônios. Para melhor lucro das multinacionais estaremos obrigados a comer o que não queremos e até o que tememos?
Foi apenas provisória a suspensão judicial da liberação de soja transgênica, feita pelos ex-ministros Bresser Pereira e Francisco Turra. A decisão final está prevista para agosto. Mas Sardenberg tem poderes e meios de torná-la dispensável, com uma medida ministerial que já é esperada.




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