São Paulo, quarta-feira, 25 de setembro de 2002

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JANIO DE FREITAS

A fantasia dos inquietos

O governo estará pagando hoje um lucro extra entre R$ 1 bilhão e R$ 1,2 bilhão aos bancos e outros puxadores da elevação do dólar. É o acréscimo provocado no montante de US$ 1,5 bilhão de títulos de dívida governamental que vencem hoje e são regulados, no resgate, pelo valor do dólar na véspera do vencimento.
É a lógica dos títulos de dívida indexados ao dólar e lançados pelo Banco Central do governo que afirma haver acabado com a indexação. Quanto mais alto o dólar, maior o lucro do detentor de títulos.
Diante da simples multiplicação dos títulos cambiais pela diferença entre o dólar de aproximadamente R$ 2,85 e o de ontem, deve-se deduzir que o nome do bilhão e tal de lucro extra seja "inquietação eleitoral" ou "perigo Lula". Do contrário, não se entenderia o noticiário econômico sobre a movimentação do dólar.
Transcrevo, por representarem toda a mídia neste caso, os dois principais jornais de São Paulo e Rio de ontem, na informação explicativa sobre o recorde do valor do dólar.
Folha: "A pesquisa Datafolha, divulgada no final de semana, foi o principal motivo para a alta de ontem. O resultado mostrou que são grandes as chances de o candidato do PT, Luiz Inácio Lula da Silva, vencer a disputa já no primeiro turno. Esse cenário desagrada aos investidores, a que fez crescer a procura por dólares. O candidato do mercado é o candidato do governo, José Serra (PSDB), associado à manutenção da atual política econômica".
"O Globo": "A escassez de dólares e o nervosismo eleitoral, acirrado pela divulgação da última pesquisa do Datafolha, criaram o terreno fértil ontem [segunda-feira] para a especulação e levaram a moeda americana a uma nova cotação recorde no real".
Explicações seguras, claras e precisas, como convém proporcionar ao leitor, para a subida só aparentemente estapafúrdia do dólar. Não seria preciso continuar a leitura pelos detalhamentos talvez maçantes da informação já bem dada. Mas há pessoas persistentes, ou, quem sabe, apenas disponíveis. E estas, antes de chegarem à exaustão, embora não muito longe dela, defrontaram-se com trechos curiosos e inesperáveis.
Folha: "O dólar subiu também devido ao vencimento de US$ 1,5 bilhão de dívida cambial, amanhã [quarta-feira". Na semana passada, o BC optou por não fazer a rolagem desses papéis. Como a liquidação é feita pelo Ptax (preço médio do dólar, medido diariamente pelo BC) de hoje [terça-feira], quanto mais alto estiver o câmbio maior será o ganho do detentor dos títulos. Segundo operadores, os bancos estariam tentando pressionar a cotação. O dólar pode ter mais um dia de alta hoje [terça-feira], por esse motivo".
"O Globo": "A incerteza provocada pela pesquisa, que criou a expectativa de uma decisão do pleito presidencial ainda no primeiro turno a favor do candidato da oposição, foi o pano de fundo para a atuação dos investidores interessados em forçar a alta do dólar -aqueles que têm papéis da dívida do governo que vence amanhã, no valor de US$ 1,5 bilhão, que o governo já avisou que não vai rolar. Como o pagamento desses papéis é baseado na média da cotação do dólar calculada pelo Banco Central, a chamada Ptax, interessa a esses investidores que o dólar esteja alto para ter remuneração maior".
Pois é, o dólar subiu "TAMBÉM devido" à fabricação forçada de um lucro extra de R$ 1 bilhão ou mais, sacado dos cofres públicos em retribuição a absolutamente nada. Ou, na outra formulação, devido à "atuação de interessados em forçar a alta do dólar", para colher o mesmo ganho extra sob a fantasia de inquietação eleitoral ou medo de Lula.
A Presidência da República, o Ministério da Fazenda e o Banco Central do governo Fernando Henrique Cardoso mantiveram-se inertes diante do assalto especulativo ao Tesouro Nacional. Sem dúvida, os fabricantes de lucros fáceis têm motivo para temer um governo que mude.


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