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JANIO DE FREITAS
A fantasia dos inquietos
O governo estará pagando
hoje um lucro extra entre R$
1 bilhão e R$ 1,2 bilhão aos bancos e outros puxadores da elevação do dólar. É o acréscimo provocado no montante de US$ 1,5
bilhão de títulos de dívida governamental que vencem hoje e
são regulados, no resgate, pelo
valor do dólar na véspera do
vencimento.
É a lógica dos títulos de dívida
indexados ao dólar e lançados
pelo Banco Central do governo
que afirma haver acabado com
a indexação. Quanto mais alto
o dólar, maior o lucro do detentor de títulos.
Diante da simples multiplicação dos títulos cambiais pela diferença entre o dólar de aproximadamente R$ 2,85 e o de ontem, deve-se deduzir que o nome do bilhão e tal de lucro extra
seja "inquietação eleitoral" ou
"perigo Lula". Do contrário, não
se entenderia o noticiário econômico sobre a movimentação
do dólar.
Transcrevo, por representarem toda a mídia neste caso, os
dois principais jornais de São
Paulo e Rio de ontem, na informação explicativa sobre o recorde do valor do dólar.
Folha: "A pesquisa Datafolha,
divulgada no final de semana,
foi o principal motivo para a alta de ontem. O resultado mostrou que são grandes as chances
de o candidato do PT, Luiz Inácio Lula da Silva, vencer a disputa já no primeiro turno. Esse
cenário desagrada aos investidores, a que fez crescer a procura por dólares. O candidato do
mercado é o candidato do governo, José Serra (PSDB), associado à manutenção da atual
política econômica".
"O Globo": "A escassez de dólares e o nervosismo eleitoral,
acirrado pela divulgação da última pesquisa do Datafolha,
criaram o terreno fértil ontem
[segunda-feira] para a especulação e levaram a moeda americana a uma nova cotação recorde no real".
Explicações seguras, claras e
precisas, como convém proporcionar ao leitor, para a subida
só aparentemente estapafúrdia
do dólar. Não seria preciso continuar a leitura pelos detalhamentos talvez maçantes da informação já bem dada. Mas há
pessoas persistentes, ou, quem
sabe, apenas disponíveis. E estas, antes de chegarem à exaustão, embora não muito longe dela, defrontaram-se com trechos curiosos e inesperáveis.
Folha: "O dólar subiu também devido ao vencimento de
US$ 1,5 bilhão de dívida cambial, amanhã [quarta-feira". Na
semana passada, o BC optou
por não fazer a rolagem desses
papéis. Como a liquidação é feita pelo Ptax (preço médio do dólar, medido diariamente pelo
BC) de hoje [terça-feira], quanto mais alto estiver o câmbio
maior será o ganho do detentor
dos títulos. Segundo operadores,
os bancos estariam tentando
pressionar a cotação. O dólar
pode ter mais um dia de alta hoje [terça-feira], por esse motivo".
"O Globo": "A incerteza provocada pela pesquisa, que criou
a expectativa de uma decisão do
pleito presidencial ainda no primeiro turno a favor do candidato da oposição, foi o pano de
fundo para a atuação dos investidores interessados em forçar a
alta do dólar -aqueles que têm
papéis da dívida do governo que
vence amanhã, no valor de US$
1,5 bilhão, que o governo já avisou que não vai rolar. Como o
pagamento desses papéis é baseado na média da cotação do
dólar calculada pelo Banco
Central, a chamada Ptax, interessa a esses investidores que o
dólar esteja alto para ter remuneração maior".
Pois é, o dólar subiu "TAMBÉM devido" à fabricação forçada de um lucro extra de R$ 1 bilhão ou mais, sacado dos cofres públicos em retribuição a
absolutamente nada. Ou, na
outra formulação, devido à
"atuação de interessados em
forçar a alta do dólar", para colher o mesmo ganho extra sob a
fantasia de inquietação eleitoral ou medo de Lula.
A Presidência da República, o
Ministério da Fazenda e o Banco Central do governo Fernando
Henrique Cardoso mantiveram-se inertes diante do assalto
especulativo ao Tesouro Nacional. Sem dúvida, os fabricantes
de lucros fáceis têm motivo para
temer um governo que mude.
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