São Paulo, quarta-feira, 25 de setembro de 2002

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REGRAS DO JOGO

Os bandidos no cenário eleitoral

LUÍS FRANCISCO CARVALHO FILHO

Desde sábado nenhum candidato pode ser preso, salvo em flagrante delito. E a partir de 1º de outubro (até 48 horas depois das eleições), o princípio vale também para os eleitores em geral: ninguém poderá ser preso -nem mesmo um criminoso com a folha corrida de Elias Maluco- , só em flagrante ou em cumprimento de sentença condenatória por crime inafiançável.
É uma espécie de estado de exceção e isso causa estranhamento nas pessoas. Sobretudo num momento em que prender bandidos é a palavra de ordem mais prazerosa...
A origem da garantia está na proteção da liberdade política. Vem de uma época em que candidatos indesejáveis e eleitores de oposição eram arbitrariamente detidos nas vésperas da votação para assegurar a vitória de algum coronel.
O sentimento de todos é o de que o estado de vigilância da opinião pública, hoje muito mais agudo pela perspectiva da informação instantânea, em tempo real, inibe esse tipo de abuso. Não é que os coronéis tenham acabado. Há hoje mecanismos menos grosseiros de dominação.
Dois casos concretos chamam a atenção do país: o ex-todo-poderoso Jader Barbalho, candidato a deputado federal no Pará, às voltas com a acusação de desvio de verbas da Sudam, e Pedro Passos, companheiro de Joaquim Roriz e candidato a deputado pelo Distrito Federal, com prisão decretada por grilagem de terras públicas no coração da República.
Em plena campanha, Jader Barbalho e Pedro Passos permaneceram escondidos durante os últimos dias, à espera da chegada do sábado, e conseguiram suspender temporariamente os mandados de prisão expedidos por conta da garantia prevista no Código Eleitoral.
Fica a sensação de que a justiça é uma farsa e que a impunidade é uma regra. Jader é o retrato de um político que não precisaria mais existir e, com efeito, não se tolera mais essa mania esquisita de deixar Brasília ser alvo de aventureiros imobiliários.
Mas a questão não é tão simples. Se há o argumento de que as duas ordens de prisão são anteriores e se relacionam com delitos comuns, praticados num passado mais distante, pode existir a desconfiança de uma motivação ideológica, não processual, no cerne das duas decisões judiciais. Por que só agora a prisão dos réus se tornou inadiável, necessária? Com a palavra os tribunais.
Querem ver como o momento político é capaz, sim, de estimular agressões à liberdade individual?
Enquanto Elias Maluco, preso em 19 de setembro, era exibido para mídia, o secretário da Segurança afirmava, orgulhoso, que, no Rio de Janeiro, não há poder paralelo: lá, dizia ele, em discurso sem intenções eleitorais, só existe poder legítimo, democraticamente eleito...
O secretário vira as costas e uma cena constrangedora de poder paralelo transcorre livremente. A reportagem da Folha merece ser reproduzida pelo que contém de espírito crítico e corajosa diferença em relação à cobertura dos outros jornais: "Ao final da apresentação, após a saída das autoridades, jornalistas xingaram Maluco, insistindo que ele levantasse a cabeça. Um policial apertou as nádegas do traficante, que reagiu a chutes. Ele não conseguiu acertar o policial."
Ninguém liga porque se trata de Elias Maluco, o suposto assassino de Tim Lopes, da TV Globo. É a imprensa e a polícia de mãos dadas. Salve-se quem puder.

lfcarvalhofilho@uol.com.br


LUÍS FRANCISCO CARVALHO FILHO, advogado criminal e articulista da Folha, escreve às quartas nesta coluna


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