São Paulo, domingo, 25 de setembro de 2005

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ESCÂNDALO DO "MENSALÃO"/ INTELECTUAIS

Janine critica moralismo na avaliação dos governantes e vê falta de ética na publicação de uma carta de professora da USP

Filósofo da USP apóia Chaui e diz que mídia não admite diferença

PAULO PEIXOTO
DA AGÊNCIA FOLHA, EM BELO HORIZONTE

O professor de filosofia da USP (Universidade de São Paulo) Renato Janine Ribeiro seguiu a colega Marilena Chaui e criticou a atuação da mídia na cobertura do escândalo do "mensalão". Janine disse que ela tem um discurso público que é "todinho feito por moral" e que "não admite diferença". "Se diverge, você é exposto à execração imediatamente."
Janine exemplificou sua tese recorrendo à própria Chaui e ao cientista político Wanderley Guilherme dos Santos, o primeiro intelectual a apontar em artigos um suposto "golpe branco", do qual seria vítima o governo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Chaui, por sua vez, em duas falas públicas recentes e numa carta dirigida a seus alunos da USP, defendeu o presidente Lula e criticou a mídia, acusando-a genericamente de "construir" o seu silêncio a respeito da crise.
"É claro, as pessoas se exaltam. Wanderley Guilherme escreve de maneira exaltada. Agora, o que é dito dele, o que é dito da Marilena na imprensa nesses tempos é absolutamente inaceitável, é desrespeitoso", afirmou Janine Ribeiro.
As declarações foram feitas em palestra sobre "O Cientista e o Intelectual", na sexta-feira à noite, na UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais), que faz parte do ciclo "O Silêncio dos Intelectuais", que começou em agosto.
Janine Ribeiro criticou a Folha por ter publicado a carta de Chaui. Ele se declarou "pasmo" com a sua divulgação e defendeu que a carta era "privada, por mais que circule". Faltou pedir autorização à autora, disse.
"Não há o que dizer, não há mais o que dizer, em absoluto. Quando um texto, que é uma carta, que é algo que pertence à pessoa, é expropriada dessa maneira, não há mais ética alguma nesse horizonte", disse Janine Ribeiro.
O palestrante também defendeu a necessidade de o país meditar sobre a atual crise, "sem defender o indefensável", mas também sem repetir os erros no curso da crise política que levou ao impeachment do então presidente Fernando Collor de Mello, em 1992. Para ele, o país não tirou boas lições daquele episódio.
"Ficou a convicção de que o presidente Collor foi afastado por ter faltado com a ética. Não foi. Ele foi afastado na verdade porque a política econômica dele não deu certo, porque não tinha apoio e sustentação política", disse.
Ele afirmou que não está, com isso, defendendo os que apoiaram Collor: "Estou apenas fazendo um balanço um pouco triste. A sociedade brasileira não se mostrou tão ética assim. Não foi um corte na história do Brasil. Foi um corte no sentido de que afastamos dentro da lei. Mas na verdade o discurso ético se construiu. E aí se reforçou uma coisa muito negativa no Brasil: todo o nosso juízo sobre a coisa pública passa pela moral".
Ele citou alguns exemplos dessa distorção: "Um governante pode ser uma calamidade. A acusação a ele vai dizer que ele é indecente. Um governante pode fazer um erro de análise terrível e causar um desastre ao país, mas não ter colocado um centavo no bolso. Vão dizer: "Ah, o nosso dinheiro foi roubado, ele é um ladrão etc.'"

Silêncio
Janine disse que há silêncio de alguns intelectuais. Mas avaliou que a esquerda está "falando bastante". Disse que ela pode estar com muitas dúvidas, mas isso é bom. "Acho um momento extremamente precioso para nós, porque é um momento de discussão e de colocar a limpo um monte de coisas que ficaram durante muito tempo guardadas, diante de vergonha de fazer determinada colocação, que poderia parecer reacionária." Janine defendeu a legitimidade de quem se mantém em silêncio no primeiro momento.


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