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ESCÂNDALO DO "MENSALÃO"/ CAIXA PARALELO
Fiscais auditam contas de PT, PL, PTB e PP, que podem perder imunidade tributária
Receita apura uso de caixa 2 pelos partidos do "mensalão"
JOSIAS DE SOUZA
COLUNISTA DA FOLHA
A Receita Federal abriu auditorias fiscais para inspecionar a contabilidade de quatro partidos políticos envolvidos no escândalo do
mensalão: PT, PP, PL e PTB. O
procedimento é inédito. O fisco
jamais havia auditado agremiações partidárias antes.
Busca-se comprovar a existência de caixa dois. A prática sujeita
os partidos à suspensão de uma
regalia prevista em lei: a imunidade tributária.
A ação da Receita foi precedida
de reuniões internas. Concluiu-se
nesses encontros que são consistentes os indícios de que os partidos violaram a legislação tributária. Uma equipe de auditores foi
designada para compartilhar documentos e informações com técnicos da CPI dos Correios.
Os fiscais estão especialmente
interessados em analisar os extratos obtidos a partir da quebra de
sigilos bancários. Se necessário,
requisitarão novos dados aos
bancos. Depois, farão diligências
nas sedes dos partidos. Vão examinar a escrituração do período
de 2002 a 2005. Espera-se concluir
o trabalho até o final do ano.
Os quatro partidos constam de
uma relação de 41 pessoas físicas e
jurídicas postas sob auditoria graças ao escândalo deflagrado há
três meses e meio, quando Mauricio Marinho, funcionário já demitido da Empresa de Correios e Telégrafos, foi pilhado em vídeo recebendo uma propina de
R$ 3.000. A lista deve aumentar
nas próximas semanas. Estima-se
que, no limite, as fiscalizações da
Receita alcançarão entre 150 e 200
contribuintes.
Mauricio Marinho é uma das
pessoas físicas cujo histórico tributário já está sendo revirado pelos auditores. Além dele, encontram-se sob inspeção: Roberto
Jefferson (PTB-RJ), deputado cassado; Valdemar Costa Neto (PL-SP), que renunciou ao mandato;
José Janene (PP-PR), que trama
uma licença médica para adiar
uma cassação vista como inevitável. Há outros políticos que estão
sendo auditados, mas a reportagem não conseguiu descobrir-lhes os nomes.
De resto, o fisco audita as declarações de rendimento de Delúbio
Soares, ex-tesoureiro do PT, e do
empresário mineiro Marcos Valério de Souza, braço financeiro do
caixa dois de pelo menos R$ 55
milhões amealhado pelo PT e distribuído a partidos que integram
o consórcio que dá suporte ao governo no Congresso. No caso de
Valério, a fiscalização se estende
às empresas que o tinham como
sócio antes da explosão do escândalo, entre elas as agências de publicidade DNA e SMPB.
No caso dos partidos, a ação dos
fiscais baseia-se numa legislação
que até hoje havia sido aplicada
na parte que os beneficia. A Constituição Federal impõe limites ao
poder do Estado de tributar. Por
exemplo: em seu parágrafo 6º, o
artigo 150 do texto constitucional
proíbe a cobrança de impostos de
organizações de assistência social,
templos religiosos, sindicatos e
partidos políticos.
Para fazer jus à imunidade, as
entidades têm de seguir três regras previstas no artigo 14 do Código Tributário Nacional, uma lei
de 1966. São elas: 1) não distribuir
qualquer parcela de seu patrimônio ou de seus rendas, a qualquer
título; 2) aplicar integralmente os
seus recursos na manutenção dos
seus objetivos institucionais; 3)
manter escrituração de suas receitas e despesas em livros revestidos
de formalidades capazes de assegurar sua exatidão;
A Receita acha que os partidos
infringiram pelo menos a terceira
regra. Seus livros contábeis, avaliam os técnicos do fisco, não resistem a uma inspeção. Comprovadas as suspeitas, as legendas
amargarão a "suspensão da imunidade tributária". Na prática, serão tratadas como empresas convencionais. Ou seja, terão de pagar os impostos relativos ao período contado a partir do início da
prática da infração.
Sem imunidade
Os procedimentos que conduzem à perda da imunidade tributária constam do artigo 32 de uma
outra lei, a 9.430, editada em 1996.
Prevê que, constatadas irregularidades, a Receita expedirá uma
"notificação". O infrator terá 30
dias para refutar as acusações. Se
achar que a defesa é inconsistente,
o fisco suspende a imunidade.
Sob a presidência de Fernando
Henrique Cardoso (1995-2002),
dezenas de entidades filantrópicas foram autuadas pela Receita
com base nessa legislação. Até a
Igreja Católica já padeceu nas
mãos dos auditores. Mas em relação aos partidos políticos nunca
haviam sido invocados os artigos
e incisos que prevêem sanções.
Deve-se a uma iniciativa do senador oposicionista José Jorge
(PFL-PE) a inclusão dos partidos
no rol das auditorias do fisco. Jorge é membro titular de duas CPIs,
a dos Correios e a do Mensalão.
Em 22 de agosto, ele encaminhou
um ofício ao secretário da Receita,
Jorge Rachid. Pediu uma investigação nas contas do PT, partido
do ministro Antonio Palocci (Fazenda), a quem a máquina do fisco está subordinada, e do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
O ofício de Jorge não menciona
o PP, o PL e o PTB. Restringe-se
ao PT. O senador anota no texto
que, em depoimento no Congresso, o ex-tesoureiro Delúbio Soares
reconheceu "cabalmente" a existência de caixa dois no Partido
dos Trabalhadores. Chamou a
verba paralela de "recursos não
contabilizados". Daí a imposição
de providências por parte da Receita Federal.
Analisando o pedido de José
Jorge, técnicos do fisco concluíram que, a exemplo de Delúbio,
dirigentes de outros partidos confessaram ter recebido parte do dinheiro não escriturado. Decidiu-se então ampliar a investigação,
incluindo as outras três legendas.
A ação contra os partidos se impôs até por uma questão de coerência. Valendo-se do mesmo
conjunto de leis que regula a imunidade tributária, a Receita deflagrara, a partir de 1996, várias auditorias contra entidades filantrópicas e ordens religiosas. O órgão
era dirigido à época por Everardo
Maciel. Jorge Rachid, o atual titular, era secretário-adjunto da Receita Federal.
O pacote de autuações incluiu a
congregação católica que administra a Basílica de Aparecida
(SP). Os fiscais entenderam que a
venda de artigos religiosos a romeiros constituía uma atividade
empresarial, passível de tributação. Advogado da Igreja, o tributarista Ives Gandra Martins lembra que os autos de infração,
acrescidos de multa e correção,
roçaram a casa dos R$ 10 milhões.
Ives demonstrou que o dinheiro
era integralmente revertido para
obras assistenciais e para a manutenção da basílica. Os autos foram
anulados no Conselho de Contribuintes, instância administrativa
que analisa os recursos contra cobranças da Receita.
A Igreja Universal, do bispo
Edir Macedo, não teve a mesma
sorte. O fisco autuou membros da
Universal, entre eles o próprio
Macedo, e empresas ligadas à
igreja -a TV e a rádio Record,
por exemplo. O pacote de multas
ultrapassou os R$ 20 milhões.
Uma parte já foi paga. Outra, encontra-se pendente de julgamento no Conselho de Contribuintes.
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